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IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS

5.4. Perspectiva Ecológica

A Lei de Gestão de Florestas Públicas e suas respectivas regulamentações dispõem de alguns dispositivos que põem em dúvida se haverá ou não a sustentabilidade das florestas públicas brasileiras. Por exemplo, a mesma define que os planos de manejo

deverão destinar à reserva absoluta o percentual de no mínimo 5% do total da área concedida ao mesmo tempo em que entrega a ato normativo específico à definição dos conteúdos mínimos do relatório ambiental preliminar e do EIA relativos ao manejo florestal. Tais atos normativos são fáceis de serem alterados de acordo com as mudanças de governo, deixando a estrutura normativa da gestão das florestas públicas muito vulnerável a flutuações políticas.

Além disso, a definição dos prazos dos contratos de concessão florestal e os parâmetros e critérios definidos em normas e regulamentações sobre a elaboração dos planos de manejo não asseguram a sustentabilidade das florestas públicas. Até que ponto essas definições poderão afetar o equilíbrio ecológico dos ecossistemas no médio e longo prazo? Qual o grau de qualidade da informação científica e conhecimento técnico existente nas decisões sobre as áreas que serão ofertadas para concessão e sobre os planos de manejo? O manejo florestal será realmente sustentável?

Para Tasso Azevedo e Antônio Carlos Hummel, Diretor-Geral do Serviço Florestal Brasileiro, o que caracteriza o manejo florestal não é que a floresta seja a mesma, e sim que ela tenha o mesmo nível de diversidade e que a área seja mantida. Para eles, isso pode ser feito de várias formas: diminuir o volume num determinado momento para depois aumentar no futuro, usar de uma estratégia de corte, de limite de corte por espécie, etc.

A estratégia de manejo na lei de gestão das florestas inclui as salvaguardas gerais, que são espécies de freios, independente daquilo que você está fazendo com o manejo. Eles são representados pelo percentual de área absoluta, que é uma quantidade de área que você deixa separada e fica intocada para servir de parâmetro no futuro. Outro aspecto é incluir outras regras como: volume por hectare, limitantes do número de árvores de cada espécie, percentual de área, etc. José Natalino, Diretor do Serviço Florestal, afirma que a lei de gestão e as regras de manejo emanadas pelo poder público são tecnicamente adequadas para assegurar a sustentabilidade dessas florestas. Até que ponto tais salvaguardas e regras definidas em nosso arcabouço legal asseguram o chamado manejo sustentável?

Nesse aspecto há divergências entre o conhecimento que a ciência oferece hoje ao formulador de política e o de alguns técnicos envolvidos no processo decisório da gestão florestal no Brasil. Diferente de alguns cientistas, Tasso Azevedo, consultor técnico,

assegura, no pronunciamento abaixo, a qualidade das regras e salvaguardas definidas na esfera federal, mas, mesmo assim, põe em dúvida a dinâmica do manejo implantada em alguns estados:

Diferentes estados estão aplicando diferentes regras agora, elas são regras para garantir a diminuição do impacto por espécie, e, portanto, viabilizar a diversidade. Se esses números são os mais precisos ou menos precisos, eu acho que o tempo dirá, mas, seguramente, com a salvaguarda que a gente tem hoje a gente mantêm a diversidade e mantêm a função da floresta.

Um posicionamento divergente é explicitado por Philip Fearnside, quando informa que os parâmetros de ciclo de corte definidos pela legislação não batem com o teste de crescimento das árvores, pois o mesmo varia para cada tipo de árvore. O ciclo é padronizado para trinta anos em todas as árvores, o que não é adequado. Em geral, são as árvores mais de madeira dura e crescimento lento que são mais valiosas e que, também, levam mais tempo para o ciclo. Se há um problema é o de corte geral, que acabam sendo retiradas as melhores árvores de cada vez, e, então, o que fica são as menos valiosas como mogno, por exemplo, e de pior qualidade genética. E isso não é muito bom.

Para Niro Igush, pesquisador titular da área de manejo florestal do INPA, a forma como foi explicada o manejo sustentável para os políticos e atores leigos em geral, que desconhecem tecnicamente manejo florestal, omitia informações sobre os reais impactos que aquela técnica poderia trazer. Nas palavras de Igush:

Então se usava números que criavam uma falsa ideia do impacto que vai causar isso aqui, quer dizer, eles omitiram informações, eles diziam, por exemplo, que tinha uma floresta com 1.200 árvores e que essas propostas de manejo seriam intervir nessas 1.200 árvores por hectare e a proposta era retirar cinco, seis árvores. Quer dizer, para um leigo, para um político, eles não sabem que para isso tem que entrar com um trator, com moto serra, etc. E os nossos números são simples, cada árvore que você tira você mata outras 20. Então, não é bem assim.

É fundamental que se tenha uma avaliação crítica da informação científica e do conhecimento técnico que é utilizado para definir determinados parâmetros de uso e conservação. Sugere-se que conjugar as abordagens de conservação e uso sustentável pode

gerar benefícios econômicos em todas as escalas (KREMEN et al., 2000). Todavia, dimensionar essas abordagens de forma equivocada pode gerar desequilíbrios ecológicos irreversíveis.

No entendimento de Rogério Gribel, há uma distância considerável da comunidade científica nas iniciativas de exploração de madeira na gestão das florestas públicas. Existe um volume acumulado de dados científicos, genéticos, ecológicos, florestais e genealógicos que permitiria gerar bases científicas muito mais consistentes para a exploração florestal. Não parece que isso está sendo ou será aplicado nas concessões. Tal constatação pode ser observada no pronunciamento de Gribel abaixo:

Particularmente em áreas como a Floresta Nacional do Jamari e Sarapataquera que já tenho um contato mais próximo e não vejo qualquer uso de ciência mais refinada para transformar a exploração de fato sustentável quanto se quer. Então, esse distanciamento da ciência é outro fator muito grave. As florestas tropicais mantêm uma grande diversidade de espécies, então a exploração de madeira com base cientifica sustentável não é simples porque a diversidade de espécies na realidade ela cria uma complexidade de exploração. Você não pode ter um plano de manejo pra cada uma das árvores. No entanto, hoje nós temos 40, 50, 60 espécies que podem ser agrupadas em cinco ou seis, ou sete grupos ecológicos que se conhecem o suficiente também sobre demografia, estrutura do tamanho da população, estrutura de idade, taxa de crescimento, regeneração, demanda de polinização, demanda de dispersão de semente, estrutura genética de população, sistema de treinamento - um conjunto de informações que já existem e que estão sendo produzidos, que não estão sendo incorporados nos planos de manejo. Infelizmente, ainda nos baseamos muito nos planos de manejo em dados de distribuição de diâmetro das áreas. Acima de determinado diâmetro se move todas ou quase todas as árvores daquele diâmetro sem se preocupar com taxa. E considero que na maneira que está sendo realizada a exploração não pode ser denominada sustentável.

O uso das expressões “gestão sustentável das florestas públicas” e “sustentabilidade dos planos de manejo” tem uma base dimensional, que envolve conceito, meta, alvo, o que o torna dinâmico em sua essência e implica bastante juízo de valor. Na visão de João de Deus, Diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, dada a complexidade natural do ecossistema florestal que se quer manter sustentável, a implementação do

conceito de sustentabilidade nas concessões florestais deve, por necessidade, estar baseada em elementos e critérios construídos com informação científica de qualidade, visando a evitar que as inconsistências da lei de gestão sustentável das florestas públicas se traduzam em desequilíbrios ecológicos, sociais e econômicos.

Outro ponto relevante é que a lei veda a outorga do direito de acesso ao patrimônio genético para fins de pesquisa e desenvolvimento, bioprospecção e constituição de coleções. Porém, os mecanismos de controle são frouxos e não asseguram que as empresas irão cumprir tal imposição. A retirada do habitat natural dos melhores espécimes pode desencadear um processo de danos irreversíveis à biodiversidade local.

O Estado terá grandes dificuldades na realização do referido dispositivo63 e em assegurar que a iniciativa privada, com toda sua conhecida tendência ao lucro, se limitaria à exploração ecológica da floresta, observando os princípios éticos do contrato e da legislação. Os concessionários deverão observar todas as limitações previstas no projeto, como, por exemplo, não cortar árvores que contenham ninhos da fauna silvestre; ignorar os recursos hídricos da área de concessão; ignorar o ouro e os demais minerais preciosos do subsolo da floresta; bem como o patrimônio genético tão valioso no mercado internacional, dentre tantas outras coisas.

O grande desafio reside na fiscalização do atendimento a todas as limitações previstas. É notável a ineficiência atual da fiscalização para impedir o espantoso desmatamento ilegal da Amazônia e todos os demais desmandos ambientais diariamente noticiados. Como acreditar que, a toque de mágica, por força de uma nova lei, seria possível fiscalizar, por exemplo, o acesso ao patrimônio genético ou ao o uso dos recursos hídricos existentes no interior de uma unidade de manejo florestal concedida? E a chamada "biopirataria" como seria combatida, visto que grande parte dos produtos florestais destina- se ao exterior? Essas inconsistências poderão ser atenuadas com futuras regulamentações e ações de fortalecimento das instituições ambientais.

63 Art. 16, &1º- É vedada a outorga de qualquer dos seguintes direitos no âmbito da concessão florestal:

I- titularidade imobiliária ou preferência em sua aquisição; II- acesso ao patrimônio genético para fins de pesquisa e desenvolvimento, bioprospecção ou constituição de coleções; III- uso dos recursos hídricos acima do especificado como insignificante, nos termos da Lei nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997; IV- exploração dos recursos minerais; V- exploração de recursos pesqueiros ou de fauna silvestre e VI – comercialização de créditos decorrentes da emissão evitada de carbono em florestas naturais.