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IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS

5.2. Perspectiva Econômica

A lei procura trazer, em sua essência, uma perspectiva econômica que viabilize as demandas do mercado, reduza o desmatamento e legalize o setor, que encontra sérios problemas de comercialização de madeira ilegal. Essa é a visão de Antônio Carlos Hummel, Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro. De acordo com José Humberto Chaves, Diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas, do IBAMA, a lei de gestão é uma tentativa de buscar alternativas legais para atender a uma demanda para produção de madeira, seja para o mercado interno, seja para o mercado externo. Para ele, alguma coisa precisava ser feita e o caminho era esse mesmo.

Para Philip Fearnside, a perspectiva econômica da lei de gestão de florestas públicas pode ser comprometida tendo em vista que a lógica econômica não é compatível com a lógica da biologia. Para ele, as florestas tropicais não crescem de uma forma que concorrem com outros investimentos interessantes no mercado. Isso faz com que a lógica seja de cortar o máximo possível e o mais rápido possível. Para ele, há várias maneiras de tentar solucionar com mais eficácia os problemas das florestas públicas, tais como fiscalização, multas, ações de combate à corrupção. Segue abaixo o pronunciamento de Fearnside:

Os problemas inerentes ao manejo florestal, como um todo, são em termos de lógica econômica, porque tudo depende da faixa de crescimento das árvores, que é uma coisa determinada pela biologia, e não tem nada a ver com mercado de ações ou outras coisas do mercado financeiro, mas, na verdade, fica concorrendo – quer dizer – se pode investir em manejo florestal ou se pode ter dinheiro e investir em imóveis, dinheiro, fábricas, qualquer coisa que quiser. Os formuladores de política procuram brechas para poder tirar mais do que sustentar.

A ilegalidade no setor madeireiro é considerada um dos vetores na dinâmica econômica desse setor no Brasil. No entendimento de Antônio Carlos Hummel, a

perspectiva é que a lei de gestão vá influir diretamente na modelagem econômica desse mercado. Atualmente, um dos balizadores do preço da madeira do mercado é a madeira ilegal, que tem custos muito menores que a certificada. O madeireiro geralmente faz isso em uma terra invadida, usa mão-de-obra de maneira exploratória. Portanto, os custos dele são bem menores que o da madeira certificada. Por outro lado, a madeira certificada é cada vez mais exigida no comércio internacional. O grande desafio é fazer com que a lei de gestão seja salutar para a economia madeireira do país e seja adequada da melhor forma ao contexto sócio-econômico local.

Ainda de acordo com Philip Fearnside, o segundo ciclo de corte, após trinta anos, é economicamente menos vantajoso que o primeiro ciclo. Além das árvores serem maiores e mais valiosas no primeiro ciclo, as que serão cortadas estão lá há centenas de anos e nunca houve custo para manejo, pois as áreas não foram submetidas às técnicas de manejo florestal. Nelas, não foram investidos recursos para manejar durante essas centenas de anos. No segundo ciclo, há mais gastos e menos árvores. Portanto, em sua visão, o primeiro ciclo será sempre mais atraente. A visão de sustentabilidade e longo prazo60 fica comprometida, pois não se sabe o que poderá acontecer no futuro, considerando que o país não tem a experiência de segundo ciclo.

Segundo o depoimento de Nilo Diniz, Diretor do CONAMA, com execução da lei, será instalado na Amazônia um processo competitivo na área de concessão, uma alternativa sustentável de exploração florestal, que é, sem dúvida, a principal economia da Amazônia, seja a economia madeireira, seja a exploração florestal madeireira ou não madeireira. Nas palavras de Diniz:

O fato é que a economia florestal é a vocação da Amazônia, então, como é que você faz isso se transformar do ponto de vista econômico, em incentivo, fomento, em alternativa à exploração irregular, exploração irresponsável tanto de madeireiros como de não madeireiros também na Amazônia, sem uma política de gestão pública?

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Outro fator apontado por Fearnside é relacionado à periodicidade de cortes permitida dentro do ciclo de 30 anos. Antes, era permitido retirar uma fatia para cada ano, divididas em 30 parcelas. Com as mudanças na normatização, é possível retirar mais fatias no início do manejo, o que possibilita ser retirado o número de árvores definidos no ciclo em seis parcelas. Tal constatação poderá colocar em risco a viabilidade econômica do projeto, pois depois de certo tempo, haverá mais custo que benefício.

No entendimento de Fernando Castanheira, o ritmo das concessões é lento e extremamente aquém do necessário. Estima-se que a produção florestal na Amazônia, em 2009, foi de dezesseis milhões de metros cúbicos, reduzindo o patamar em relação aos níveis de 2004, que foi consumido na Amazônia, vinte e quatro milhões de metros cúbicos. Ocorre que as previsões das concessões é de atingir seis milhões de metros cúbicos para 2014 e doze milhões de metros cúbicos para 2019; e ainda não será atingido nas mais otimistas das previsões para 2019. Para Castanheira, a lei desmotiva o uso de madeira na Amazônia de uma maneira muito agressiva.

Em seu ponto de vista, desde 2004 se tem um desestímulo total ao manejo, cancela- se tudo quanto plano de manejo e cria-se um grande peso no comando de controle, como combater o desmatamento, entram estratégias de mudança de combate, entre outras, e, na sua visão, a lei de gestão já entrou dentro desse processo, sem considerar a realidade das economias locais. A questão central, do ponto de vista econômico, é se daqui a cinco ou dez anos o setor florestal vai conseguir se manter61.

Na visão de Castanheira, a perspectiva ecológica e social é priorizada na lei em detrimento da econômica, na medida em que foram criadas várias diretrizes e estratégias de fomento a Unidades de Conservação como, por exemplo, o Distrito Florestal Sustentável, e uma configuração de unidade de conservação na BR 163. A viabilidade econômica das concessões é questionada. Para ele, o Serviço Florestal preconiza concessões que criem estruturas, façam estradas que, muitas vezes, não são acessíveis, etc. Nas palavras de Castanheira:

A lei busca viabilizar as unidades de conservação, os planos de manejo, mobilizar os diversos atores, como criar uma estrutura para que as comunidades possam acessar, valorizar o conhecimento tradicional, quer dizer, aquelas comunidades que estão no entorno ou dentro dela, que elas possam ter um tratamento; e a área privada, a área econômica propriamente dita,

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Ressalte-se que há um ritmo de plantio florestal no Brasil gigantesco. Atualmente, é produzido cerca de dois terços do consumo de madeira no país por meio de florestas plantadas. As florestas plantadas hoje rendem cerca de cento e cinquenta milhões de metros cúbicos. Segundo Castanheira, a melhor estratégia seria focar no aumento dessa produtividade. Deve-se levar em consideração também que a demanda de madeira sólida tem reduzido consideravelmente no mundo. É só MDF, que é madeira de resíduo de eucalipto. Então é isso que o setor madeireiro quer com madeira tropical, na visão de Castanheira.

está totalmente desfocada do processo, tanto é que se fosse verdade que o econômico tivesse algum tipo de prioridade, a gente já teria um volume de concessão bem maior.

No que diz respeito aos critérios de técnica e preço nas licitações, a regulamentação trouxe a possibilidade mais clara de, também, priorizar os critérios sociais e ambientais que segundo Tasso Azevedo, passam a valer mais do que o critério econômico. O que pode ocorrer é de alguém vencer uma concessão, mesmo pagando menos, porque a questão social e ambiental pode valer mais do que a questão econômica na hora de selecionar a concessão. Esse caso é especial no Brasil, de acordo com o depoimento abaixo de Tasso Azevedo:

Isso não existe em nenhum lugar do mundo. Nenhum outro sistema de concessão em todo o planeta. Mesmo antes de você permitir a concessão para conservação, como é o caso do Peru, o que vale é o argumento econômico, você tem que ir lá e apostar, pagar mais do que os outros para poder manter a floresta em pé, mais conservada. No nosso caso, não, no caso é: você não precisa pagar mais para poder fazer mais conservação, se você fizer mais conservação, o sistema entende que isso é bom para a floresta e, portanto, você pode pagar menos pelo uso dos produtos.

É importante lembrar que a lei estabelece como critério para a fixação do preço mínimo também – o estímulo à competição e à concorrência na exploração da floresta e o equilíbrio econômico financeiro do contrato. Na prática, pode ocorrer por parte do concessionário o avanço na exploração da floresta além do que foi estabelecido, consubstanciado no argumento da obtenção do equilíbrio financeiro-contratado. Deve-se ponderar que a sustentabilidade florestal é fundamental para o equilíbrio daquele ecossistema, que será base para o equilíbrio econômico e financeiro dos futuros contratos de concessão. Ressalte-se que uma floresta explorada leva dezenas de anos para recuperar- se.

Outro aspecto relevante é que a lei define alguns critérios para a configuração do preço mínimo no edital, deixando lacunas no que diz respeito à metodologia a ser utilizada no cálculo e à inserção da variável relacionada à possibilidade de escassez ou surgimento de novos bens e serviços que serão explorados, sem ter uma avaliação e conhecimento mais

aprofundados da biodiversidade existente nas respectivas unidades de manejo. A floresta, no caso, a amazônica, mantém ainda a sustentabilidade da maior bacia hidrográfica do mundo e contribui decisivamente para a fixação das condições climáticas no planeta, o que demonstra o seu imensurável valor agregado que não pode ser tratado apenas como metros cúbicos de madeira.

Ainda no que diz respeito à valoração econômica dos recursos florestais, pode se considerar que as florestas brasileiras têm grande valor mantendo a biodiversidade, o clima, o ciclo de árvores, estoque de carbono, etc. Para Philip Fearnside, ninguém paga pelo seu uso com todos esses valores embutidos, pois os mesmos são mais valiosos do que o valor da madeira retirada para pastagem e outros. A lei de gestão traz a perspectiva de manutenção da floresta em pé, mas a mesma precisa prover a valoração econômica adequada dos bens e serviços que a floresta oferece ao planeta.

Nesse ponto, Roberto Smeraldi também faz uma ponderação, também, no que diz respeito a não inclusão dos serviços florestais relacionados ao sequestro de carbono. Isso não é tratado na lei – uma perspectiva que deve ser crescente no futuro próximo. Seguem abaixo as palavras de Smeraldi relativas ao assunto:

Outra coisa também que eu queria tocar é a questão do serviço florestal, estamos mudando, os paradigmas estão mudando, a tendência agora é que a valorização dos recurso e dos serviços florestais seja crescente e a lei não leva em consideração essa questão dos serviços, ela está claramente focada em produto. Soma-se ainda o fato de o investimento em pesquisa nas áreas de floresta ser ínfimo diante da gigantesca biodiversidade existente, que, com o ritmo da exploração econômica, muito dessa riqueza será perdida antes de ser conhecida É necessário conhecer melhor a floresta para que a mesma possa ser mais valorizada. A visão de futuro de uso é incompatível com o que ocorre na prática – com técnicas de exploração precária, que, do ponto de vista estratégico e de longo prazo, pode ser economicamente comprometedor.

De acordo com o depoimento de Gribel, a exploração então em terras públicas e nominalmente em florestas nacionais onde, principalmente, estão sendo abertas as concessões, vem sendo feita com base no processo de exploração madeireira tradicional, com baixa tecnologia, baixa aplicação de conhecimento científico para o chamado manejo

sustentável, ou seja, o procedimento é localizar área de florestas com bom potencial madeireiro e abrir licitações para empresas madeireiras locais, essas muito descapitalizadas não só no sentido financeiro, mas no sentido de conhecimento de exploração florestal. Para ele, estão se repetindo os mesmos processos de degradação de florestas, exploração de alto impacto e muitas vezes sem sequer agregação de valor ao produto no local.

Um aspecto importante é entender se a perspectiva econômica é economicamente viável para o Estado e também para o concessionário. Ser economicamente viável para o Estado significa dizer se seus recursos florestais estão sendo valorados de forma adequada. Esse entendimento pode não estar assegurado no depoimento de Tasso Azevedo abaixo:

É um sistema que tem que ser economicamente viável para os agentes que estão operando, não necessariamente ele será economicamente mais vantajoso para o Estado que é o dono da floresta. Por que o interesse do Estado não é ganhar mais dinheiro com a floresta, o interesse do Estado é gerar mais benefícios sociais e mais benefícios ambientais.

É necessário atentar para o fato de que não basta ser economicamente viável para o concessionário, é relevante, sobretudo, inclinar para a adequada valoração de nossos recursos florestais e para as perspectivas macro e microeconômica das regiões envolvidas, onde se tem um setor florestal que pode buscar agregar valor ambiental, social e econômico em seus produtos e serviços.