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IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS

5.3. Perspectiva Social

Na perspectiva social, a lei tem salvaguardas para garantir que comunidades que atuam em terras públicas, sejam elas reservas indígenas62, reservas extrativistas, entre outras, possam fazer o seu manejo. O segundo ponto importante, já visto anteriormente, é

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É fundamental que o Estado promova ações concretas de capacitação técnica e financeira para comunidades indígenas, bem como residentes em Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável. De acordo com Philip Fearnside, algumas comunidades indígenas estão desmatando mais que os municípios que mais desmatam no Mato Grosso. O mesmo problema que é também social acontece em áreas de Reserva Extrativista. Junto com Chico Mendes, na reserva onde ele foi criado, os dois compartilhavam da mesma ideia de que não se deveria ter exploração madeireira em reservas extrativistas. Depois de tanta pressão, tais reservas foram abertas para exploração madeireira.

que a lei prevê que o processo de definição do uso das florestas públicas tem um ritual que começa com a definição do que será unidade de conservação, depois as áreas de uso comunitário e apenas quando esgotadas essas possibilidades é que entra em cena o processo de concessão.

A salvaguarda social consiste no fato de a lei procurar garantir que as comunidades não terão as suas áreas impactadas e não pagarão pelo uso do recurso florestal. Além disso, a lei criou uma serie de regras para o concessionário, para que o processo de concessão gere uma espécie de reserva ou salvaguarda para as comunidades locais explorarem produtos e serviços da floresta. Então, mesmo nas áreas de concessão, são excluídos produtos de uso comunitário. Mesmo assim, há riscos de impacto social causado por possíveis conflitos com invasores, bem como a possibilidade de a lei de gestão engessar o crescimento de determinadas comunidades.

O desafio se torna maior quando observamos nossa pouca experiência em manejo comunitário sustentável e a atuação na gestão desse manejo por parte do Serviço Florestal Brasileiro, um órgão recém-criado com problemas que vão desde a estrutura organizacional até a insuficiência de recursos humanos, orçamentários, logísticos, etc.

De acordo com a gestora do Serviço Florestal Brasileiro, Márcia Muchagatta, as experiências de manejo florestal comunitário eram poucas e não havia um arcabouço legal específico pra isso. Foi realizado um trabalho de rearticulação da rede que trabalha com manejo florestal comunitário. A rede entendia que, embora a Lei de Gestão de Florestas Públicas considere muito a questão de direitos das comunidades locais e tenha desenvolvido muito bem os mecanismos para a Gestão Florestal, não foram desenvolvidos adequadamente os mecanismos de suporte de manejo florestal comunitário.

Conforme depoimento de Muchagatta, os técnicos do Serviço Florestal Brasileiro tiveram que trabalhar na solução desses problemas de forma paralela e foi quando eles deram conta das lacunas existentes. O decreto que regulamenta a lei deveria acabar com tais lacunas existentes, mas o mesmo não foi assinado da forma como os técnicos gostariam. Tal fato, aliado à pouca experiência em manejo comunitário, pode prejudicar o processo de implementação, conforme pronunciamento abaixo de Muchagatta:

Houve muita ingerência das áreas jurídicas e hoje a gente está justamente montando aqui um plano anual de manejo florestal comunitário que procura colar as diferentes políticas de governo para apoiar o manejo florestal comunitário. A outra dificuldade que a gente tem é que se manejo florestal é uma coisa nova, manejo florestal comunitário é mais ainda. São poucas experiências, as pessoas não sabem como fazer direito, os técnicos que trabalham em campo desconhecem as coisas, tanto a parte técnica quanto a parte do tipo de organização que é necessária para fazer isso. É um desafio na gestão das florestas públicas dar um tratamento às comunidades locais, socialmente justo e ambientalmente adequado. O Serviço Florestal Brasileiro tem o papel de fazer um censo demográfico para avaliar a situação de todas as populações que vivem nas florestas. A perspectiva é que as comunidades continuem a usar os recursos florestais. Para Muchagata, o Serviço Florestal deve tentar fazer o que pode ser feito para licenciar o que for possível ser licenciado. Por exemplo, em algumas situações há agriculturas familiares não-extrativistas. Nessas áreas, para comunidade que entra antes da criação das Unidades de Conservação, a estratégia é criar dentro dessas unidades um zoneamento que permita uma habitação de forma a impedir a continuidade de atividades de uso alternativo. Inclusive, o decreto que regulamenta a lei é bastante claro sobre a área que pode ser aberta.

A equipe do Serviço Florestal Brasileiro tem elaborado planos de trabalho com as comunidades e identifica que tipo de atividade vai receber suporte, inclusive financeiro, para as consideradas tradicionais e não tradicionais. Todavia, é um trabalho demorado que requer aporte técnico e financeiro, não apenas por parte do Serviço Florestal, mas também por parte dos diversos atores que participam do processo da gestão florestal no país.

Para Roberto Smeraldi, o Estado não está dedicando a atenção devida às comunidades locais no que diz respeito à lei de gestão de florestas publicas. Por exemplo, ao identificar comunidades de seringueiros tradicionais, que tenham milhares de moradores, com associação constituída, o ideal seria a criação de uma Reserva Extrativista. Porém, para ele, a criação tanto de RESEXs como de RDSs leva muito mais tempo do que fazer, à luz da lei de gestão, um contrato de concessão direto, que, independentemente de regularização, poderia elaborar um plano de manejo da área, protegê-la contra possíveis

invasões, inclusive, remunerar as comunidades simbolicamente, evitando que a comunidade tenha que enfrentar em iguais condições o mercado. Nas palavras de Smeraldi: “O Estado, ao identificar a existência da comunidade, deveria chegar como parceiro e isso ele não está fazendo, ele não está mandando embora, o que ele está fazendo? Ele está deixando isto de lado...”

De acordo com Tasso Azevedo, consultor, e, com Antônio Carlos Hummel, Diretor- Geral do Serviço Florestal Brasileiro, um dos maiores desafios na perspectiva social é a escala de velocidade dada ao mecanismo de concessão e ao mesmo tempo em que se dá tal escala para o mecanismo de manejo florestal por comunidades, quer dizer, os dois mecanismos de floresta pública. Então, o desafio é fazer com que os dois consigam andar rapidamente. Para ele, se os dois correrem com a devida velocidade, seguramente a maioria da produção do Brasil será sustentável num futuro bem próximo.

Essa visão otimista tem sido questionada por diversos atores envolvidos nos processos de gestão sustentável das florestas públicas brasileiras, considerando nossa realidade político-institucional e o contexto social vigente. Parece que a lei de gestão veio resolver a problemática florestal no país. A mesma visão é revelada no do discurso abaixo de José Humberto Chaves, Diretor do IBAMA:

Quanto mais a gente demorar mais se consolida um processo de desmatamento, um processo de invasão dessas áreas, e a gente pode ter ainda que seja na esfera jurídica, por exemplo, brigas jurídicas com relação à legitimidade mesmo da posse dessas áreas. Na visão crítica e diferenciada de Fernando Castanheira, ele não vincula diretamente a velocidade de implementação da lei ao sucesso da mesma, apontando outros problemas. Para ele, sob o ponto de vista social, a Lei de Gestão de Florestas Púbicas pode excluir comunidades consideradas invasores, o que não reflete uma justiça social no tratamento dado pela lei. Segue abaixo seu depoimento:

A lei e todo esse aspecto de você privilegiar uma minoria que são as comunidades, que não se discute a importância dela, o valor social, o valor ecológico, mas é uma minoria principalmente na Amazônia. Então, você está desconsiderando todo o resto da população que foi pra lá e foi induzida, inclusive, pelo Poder Público para ocupar aquela região. Porque a política pública para

o resto da população não existe, então toda aquela moçada que você levou pra lá, os gaúchos, os mineiros, os paranaenses não são comunidades, não são brasileiros para a Lei de Gestão de Florestas Públicas. Eles são invasores. São invasores e destruidores, inclusive, que eu tenho que combater. Você vai ter que provar que essa terra é sua, que você está aí há tantos anos, e vai ter que se adaptar ao que eu estou falando e ponto final.

Na visão de José Humberto do IBAMA, a perspectiva social foi e é a mais difícil de ser priorizada no processo de formulação da lei. Segue seu depoimento com relação dos interesses que são mais priorizados na lei:

Eu acho que é o único é o ambiental mesmo, o segundo é o econômico, ou seja, fazer com que a floresta seja atrativa do ponto de vista econômico para que ela se mantenha em pé durante vários anos e, em terceiro, é pensando nas comunidades que eventualmente podem sobreviver de uma concessão não-onerosa. Tanto é que concessão não-onerosa a gente não tem nenhuma ainda.

A equipe do IBAMA chegou a contabilizar o número de artigos dedicados à concessão em detrimento das outras formas de gestão da lei, para argumentar que os interesses econômicos estão sendo priorizados em relação ao social e ambiental. Eles informavam que no texto do projeto, mais de 60% dos artigos tratavam das concessões, e o restante sobre a criação do Serviço Florestal Brasileiro – SFB, a gestão direta das Flonas e a destinação das áreas florestadas às comunidades locais. Cabe ponderar, portanto, que ter uma quantidade maior de artigos não significa dar tratamento prioritário. A lei expressamente prioriza a criação de unidades de conservação e o uso comunitário e, depois de esgotadas as possibilidades anteriores, entram as concessões, o que também não quer dizer que isso se dará na prática.