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4 OBSERVAÇÃO SOBRE O ENSINO DE MATEMÁTICA NA PREPARAÇÃO

4.1 O planejamento didático dos professores

Conforme já discutimos no terceiro capítulo deste trabalho, a preparação didática é um elemento indispensável para a vivência da Sequência Fedathi como metodologia de ensino. Por isso, em todas as aulas observadas, solicitamos aos professores seus planos de

aula, para que pudéssemos conhecer a forma através da qual eles planejavam as atividades que iam realizar ou que tinham realizado em sala.

Com essas observações, não tivemos a intenção de saber se os professores estavam certos ou errados na maneira de organizar suas aulas. Nosso propósito era conhecer a realidade dos docentes, a fim de podermos nos preparar para o trabalho que seria desenvolvido na fase seguinte, referente à formação continuada, com orientação e preparação desses profissionais para a vivência da Sequência Fedathi. Tínhamos clareza que:

Realizar uma formação genérica em problemas que têm solução para todos os contextos não repercute na melhoria dos professores. Na formação os professores têm situações problemáticas.

Para ativar a análise dessas situações problemáticas, deve-se conectar conhecimentos prévios e novas informações em um processo cíclico de inovação- formação-prática. É preciso partir do fazer dos professores para melhorar a teoria e a prática (IMBERNÓN, 2010, p. 57).

Assim, nosso intuito era conhecer os possíveis problemas na prática dos professores e utilizá-los como subsídios na organização da formação continuada com a Sequência Fedathi.

Os planos solicitados corresponderam às aulas que foram observadas, o que acontecera em sete turmas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, sendo cinco no turno matutino e duas no turno vespertino, em um tempo médio de duas horas de observação. Cada professor submeteu-se à observação por três vezes, totalizando vinte e uma aulas, das quais recebemos vinte planos13, que foram tomados como base para a análise que fizemos sobre a organização didática desses profissionais.

Os vinte planos que recebemos estavam organizados em diferentes formas, embora existisse no Educandário a mesma orientação para o planejamento desses roteiros didáticos. Essa orientação referia-se à rotina do Programa de Alfabetização na Idade Certa – PAIC (CEARÁ, 2015a) e do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC (BRASIL, 2015). A rotina tratava-se de uma sequência de atividades a ser seguida pelos professores na condução de suas aulas.

O PAIC foi implantado pela Secretaria da Educação Básica do Ceará (SEDUC) em 2007, em cooperação entre Governo do Estado e prefeituras cearenses, com a finalidade de apoiar os municípios na alfabetização dos alunos da rede pública de ensino até o final do 2º ano do Ensino Fundamental. No início, a atenção desse Programa voltou-se apenas para o

13 O plano de uma das vinte e uma aulas não nos entregaram, porque no dia da aula a professora não estava com

ensino da Língua Portuguesa, mas anos depois expandiu-se para o ensino da Matemática (CEARÁ, 2015b).

O atendimento a turmas do 3º ao 5º ano ocorreu a partir de 2011, com a criação do PAIC + (PAIC MAIS), visando estender suas ações às turmas da Educação Infantil e às turmas iniciais do Ensino Fundamental que ainda não estavam sendo atendidas. Essas ações foram pensadas para os 184 municípios cearenses.

O PNAIC, por sua vez, teve sua implantação em 2013, pelo Ministério da Educação (MEC), e constituiu um compromisso formal assumido pelo governo federal, Estados, Distrito Federal e municípios, de assegurar que todas as crianças fossem alfabetizadas até os oito anos de idade, esta correspondente ao 3º ano do Ensino Fundamental. A organização do PNAIC teve como base as experiências do PAIC nas escolas cearenses.

Em 2013, período de realização dessa fase da pesquisa, as orientações do PAIC e do PNAIC eram repassadas em encontros frequentes de formação continuada, no centro da cidade de Quixadá, organizados pela Secretaria de Educação do Município (SME), nos quais os professores estudavam e participavam de oficinas pedagógicas com e para o uso do material referente a esses Programas, que, às vezes, incluíam o planejamento das aulas na própria formação, conforme a turma em que o professor ensinava.

Com a implantação desse segundo Programa, a formação continuada dos docentes passou a ser feita da seguinte forma: o atendimento aos professores das turmas de 1º, 2º e 3º anos ficou a cargo do PNAIC e o atendimento aos professores de 4º e 5º anos ficou sob a responsabilidade do PAIC, ambos voltados, naquele momento, às disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática.

As orientações para o planejamento da rotina referiam-se a uma sequência de atividades, organizadas para dez dias de aula, no mesmo formato, ou seja, seguindo o mesmo roteiro. Conforme o próprio documento da SEDUC, “a rotina de sala é um instrumento para concretizar as intenções educativas, racionalizar o tempo e os recursos disponíveis. Ela tem o objetivo de garantir que as necessidades de aprendizagem dos alunos sejam atendidas” (CEARÁ, 2015a).

Essa rotina contemplava as seguintes atividades: apresentação da situação- problema – 15 min.; vivência com o material concreto (ação) – 45 min.; atividade (representação) – 30 min.; e caderno de atividades – PAIC+ e números e operações. No decorrer dos dez dias planejados, o eixo de conteúdos ia sendo alternado, de forma que todos fossem atendidos. Assim, na última atividade, em que consta “PAIC+ e números e operações”, dentro dos dez dias planejados eram trabalhados os outros eixos de conteúdo.

Importante salientar que o eixo de conteúdo no material do PAIC e PNAIC correspondia a bloco de conteúdo nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1997). Bloco era o nome dado ao agrupamento de conteúdos, de acordo com suas especificidades dentro na Matemática. O bloco de espaço e forma, por exemplo, era composto pelos conteúdos de Geometria.

Mesmo com essas orientações, os vinte planos que recebemos dos professores apresentavam diferença em sua estrutura, desde o instrumento em que foram elaborados (material em que foram feitos) até os elementos utilizados na sua organização didática (passos metodológicos). Os planos estavam organizados da seguinte forma: quinze foram feitos no caderno do professor e cinco em formulários elaborados pelos próprios docentes.

Para a análise da organização didática dos professores, selecionamos alguns dos elementos contidos nos seus planos, levando em conta a importância destes na organização de uma aula, inclusive na preparação para a vivência da Sequência Fedathi. Esses elementos são os seguintes: objetivo(s), conteúdo, metodologia/recursos didáticos e avaliação.

Além desses, investigamos outros elementos didáticos, procurando identificar o que desses planos assemelhava-se ao que propúnhamos como elementos na preparação da Sequência Fedathi: acordo didático, resolução de problemas, análise da prática docente, entre outros.

Os planos de aula analisados tinham a seguinte estrutura: os cinco planos feitos em formulários (quadros), elaborados pelos professores continham os itens que anteriormente eram mais comuns na organização didática, estes referentes a objetivo, conteúdo, metodologia e avaliação, colocados na sua parte superior.

Esse formato repetia o que geralmente era proposto por manuais curriculares para a organização didática, nas últimas décadas do século passado, como forma de orientar os professores para o planejamento de suas aulas, que serviam como modelo de elaboração do plano de aula.

Constatamos que, passados vários anos, mesmo depois de trabalhados outros pressupostos didáticos e propostos outros referenciais de organização didática, os professores ainda utilizam aquele modelo de planejamento do ensino, com dificuldades, fato este que requer uma reflexão ampla sobre a educação, incluindo a formação dos docentes.

Os outros quinze planos foram organizados no próprio caderno dos professores, da seguinte forma: seis continham os itens acolhida, objetivo, conteúdo e metodologia e nove apresentavam uma sequência de atividades, de forma mais livre, na utilização e descrição desses elementos didáticos. Alguns planos continham elementos do modelo mais

convencional (objetivo, conteúdo, metodologia e avaliação), mas de forma aleatória, ou seja, não seguiam essa ordem e nem sempre tinham todos esses elementos.

No que se refere ao objetivo, nos vinte planos de aula analisados identificamos que catorze deles apresentavam esse elemento e nos demais ele não foi identificado, sendo que em alguns destes ficava subentendido na descrição da metodologia.

Quanto ao conteúdo, em treze planos ele foi substituído pelo eixo de conteúdo, conforme as orientações didáticas organizadas pelo PAIC. Assim, em vez de ser colocado o assunto a ser trabalhado no dia da aula, constava um dos quatro eixos (números e operações, grandezas e medidas, espaço e forma e tratamento da informação).

Dessa forma, ao preparar sua aula, o professor não identificava o conteúdo, mas o eixo (bloco) de conteúdos a ser trabalhado em cada dia de aula, com as habilidades a serem desenvolvidas e exercícios a serem feitos pelos alunos. Essas habilidades constavam no caderno de orientações didáticas do professor.

Nos outros sete planos, verificamos o seguinte: em um deles colocou-se o eixo, seguido do conteúdo; em dois deles constava só o conteúdo; em outros os conteúdos não se apresentaram; e em outros dois, os conteúdos subentendiam-se na descrição da metodologia.

Outro elemento didático que verificamos adequa-se à descrição da ação didática dos professores, referente à metodologia ou estratégias que seriam utilizadas na condução de suas aulas. Nos vinte planos observados, vimos presente a descrição de ações metodológicas em todos eles, de maneira sucinta ou mais detalhada, da seguinte forma: em treze constava o nome metodologia, seguido das atividades a serem realizadas pelo professor, e em sete deles essas ações colocam-se sem estarem associados ao nome metodologia.

A observação feita aqui sobre a organização didática dos professores justifica-se pela importância dessas informações para nosso trabalho posterior, de preparação para o uso da Sequência Fedathi, uma forma de nos organizarmos para o trabalho de formação desses profissionais, incluindo o roteiro de preparação, que apresenta alguns elementos diferentes da maneira convencional como eles organizavam suas aulas (APÊNDICES B e C).

Essa discussão pode parecer dispensável, mas é importante ressaltar a necessidade desses dados para a organização didática do professor, em primeira ordem, e para a escola em algumas situações como: acompanhamento pedagógico dos gestores, de assessores da SME e outros agentes externos; solicitações de pesquisadores ou estagiários; e numa ocasião mais corriqueira, na substituição do professor, quando é preciso repassar o plano de aula para quem vai substituí-lo, se for o caso.

A elaboração do plano com esses elementos não significa a eficácia do trabalho didático, pois às vezes a aula pode ser bem ministrada sem a existência do plano ou apenas com um simples roteiro, mas também há casos de aulas mal sucedidas, tendo um plano bem elaborado.

Essa última situação ocorre porque às vezes o plano apresenta seus passos bem definidos, mas na sua elaboração deixou-se de levar em conta, por exemplo, o ambiente em que ia ser desenvolvido, o plateau dos alunos e a lacuna na base teórica e metodológica do professor sobre o conteúdo a ser ensinado.

Nesse tipo de plano, pode ter faltado a observação de elementos da análise feita sobre aulas anteriores, que, com seus registros deve apresentar indícios ou indicativos do que devia ser ensinado, mudado ou aperfeiçoado na aula seguinte. No planejamento dessa aula, pode também ter faltado ao professor olhar as observações feitas acerca da avaliação do desempenho dos alunos, que às vezes indicam algo que precisa ser revisto ou aperfeiçoado nas aulas seguintes.

A seguir, apresentamos algumas situações que ocorreram nas aulas dos professores que, por conta da falta de algum desses elementos, levaram o docente a ter dificuldades na condução do seu trabalho. Alguns problemas pela falta de conhecimento do professor em relação ao conteúdo e/ou ao material didático influenciam no planejamento.

Uma das dificuldades possui uma relação com a turma de 3º ano A, em que a Professora Valda trabalhou a representação de números até a terceira ordem, a partir de um bingo. Sua ideia inicial era trabalhar com o uso do ábaco aberto e que cada aluno faria o manuseio de um desses instrumentos.

No entanto, no início da aula, a docente soube que na escola não tinham ábacos abertos suficientes para aquela turma e sim ábacos fechados, que foram entregues a cada um. No início da atividade, vendo que os alunos não sabiam utilizá-los, ela recolheu esse material e passou a fazer a representação apenas em um ábaco maior, colocado na frente da sala, depois os alunos marcavam o número em seus cartões.

Outra situação com o uso de material didático acontecera na aula da outra turma de 3º ano B. Nessa aula, a Professora Emiliana tinha como propósito utilizar o Quadro Valor de Lugar (QVL) para ajudar os alunos na compreensão da adição com reserva e subtração com desagrupamentos.

Em vista do desenvolvimento da atividade, ela entregou um QVL para cada aluno, afixou outro na lousa e escreveu dois algoritmos, um de adição e outro de subtração. Feito isso, passou a representar no QVL as contas que havia escrito na lousa, com o uso de canudos.

Mas a utilização do material deu-se apenas no início, na resolução das duas primeiras contas. A resolução dos outros exercícios sucedeu-se apenas com o uso de algoritmos. No pouco tempo em que se valeu do ábaco, a professora revelou que não estava segura para o uso do material.

Na turma de 4º ano B, vimos um problema em relação à escolha do material didático. No momento de resolução de uma atividade pelos alunos, a Professora Neide buscou o material na sala de Multimeios para ajudá-los em uma contagem de minutos em um dado intervalo de hora.

O material consistia em algumas figuras geométricas, em cujas faces constavam numerais. A intenção da professora era que o material ajudasse-os na contagem dos minutos e eles entenderam que iriam utilizar os numerais contidos naquelas peças para fazer os cálculos. Percebida a situação, a professora explicou para os alunos de uma equipe o objetivo do material e passou nos demais grupos para ver como estavam usando aquele recurso didático.

Mais uma vez, a situação decorrera da seleção inadequada do material a ser utilizado. Ou seja, a professora escolheu um recurso não apropriado para aquela aula. Isso mostra que não basta disponibilizar recursos didáticos para os alunos. É preciso saber a função que ele vai ter na aula que o professor pretende ministrar.

Se for para dificultar a ação didática do professor e o trabalho dos alunos, melhor que o material não seja levado para a sala de aula. O conhecimento do recurso deve ser uma das condições a serem colocadas no momento da sua seleção. E sua escolha passa pelo conhecimento do conteúdo a ser ensinado.

Como argumenta Lorenzato (2008, p. 3), é possível dar aula sem conhecer, mas não é possível ensinar sem conhecer. Mas “conhecer o quê?”, pergunta esse mesmo autor. E responde: “... Tanto o conteúdo (matemática) como o modo de ensinar (didática); e ainda sabemos que ambos não são suficientes para uma aprendizagem significativa”. É preciso que o professor esteja atento em relação a esses dois conhecimentos imprescindíveis à sua ação educativa.

A seguir, trazemos o relato de algumas situações constatadas na prática dos sete professores observados na primeira fase da pesquisa.