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Planos Municipais de Espanhol e de Português, Língua Materna

4 Descrição, análise e discussão dos dados

4.2 Divisões de Educação municipais

4.2.6 Planos Municipais de Espanhol e de Português, Língua Materna

Como vimos, a elaboração dos planos para cada língua particular é da responsabilidade do organizador do ensino. Existem em Espoo e Vantaa planos individuais para 37 e 32 línguas diferentes, respetivamente, disponíveis na página

eletrónica das Divisões (em finlandês).77 Os professores helsinquienses não dispõem de planos curriculares específicos, a não ser que os procurem nas páginas dos municípios vizinhos. Na realidade, sem planos, ninguém sabe que tipo de objetivos, conteúdos e critérios de avaliação cada um deles aplica na prática (cf. Tholin, 2012). Também para a motivação dos alunos e dos pais, seria imprescindível que estes fossem informados sobre os objetivos e as chamadas boas competências, tratando-se aliás de conhecimentos e habilidades que muito poucos adquirem em casa, sem ensino formal (ainda que as fronteiras entre o ensino formal e informal estejam cada vez mais difusas). Inclusivamente os professores de finlandês como L2, tendo acesso a planos específicos, poderiam compreender e resolver determinadas dificuldades dos alunos, originadas pelas estruturas ou alfabetos das LM.

Os Planos para o Ensino da Língua Espanhola e Portuguesa (Espoo, 2006a, 2006b; Vantaa, 2005a, 2005b) são quase idênticos nas duas cidades, mas entre os Planos das duas línguas existem algumas diferenças, principalmente no que respeita aos conhecimentos linguísticos, que são bastante mais pormenorizados no caso da língua espanhola. Os conhecimentos culturais recebem pouca atenção nos dois planos, devendo o aluno aprender apenas “os factos mais importantes sobre Espanha e alguns países de língua espanhola” e conhecer “obras literárias e artísticas, escritores importantes e tradição oral e popular da sua comunidade cultural, nos limites das possibilidades” (Espoo, 2006a: 8௅9).

Os Planos de Português apresentam uma falta de sistematização e várias incorreções e imprecisões nas expressões e terminologia usadas, conforme se pode constatar na leitura da primeira frase (Espoo, 2006b: 1௅2; as traduções são nossas):

O português é uma língua neolatina que se formou ao misturarem-se o latim geral, a cultura árabe e a influência das tribos locais. Embora a origem da língua portuguesa esteja profundamente ligada a outra língua (galego), o português é uma língua independente.

Após a introdução, descrevem-se os objetivos e os conteúdos básicos78 de forma vaga e arbitrária, mais propensa a confundir o professor do que a apoiá-lo no seu trabalho. Estes dividem-se por três níveis, referentes aos 1º௅2º, 3º௅5º e 6º௅9º anos, sublinhando-se que, na prática, é recomendada a elaboração de objetivos de aprendizagem individuais para cada aluno, em colaboração com ele próprio e os encarregados de educação. Contudo, não se oferecem aos professores modelos ou instruções concretas para estes planos individuais. Para demonstrarmos o caráter confuso destes Planos, e o facto de oferecerem pouco apoio concreto aos professores, fazemos a seguir uma tradução fiel dos objetivos do Nível 3 (Idem: 5):

77 Os Planos foram retirados das páginas dos dois municípios, provavelmente por causa da reforma

curricular, no ano letivo 2016/2017.

78 A terminologia usada no Plano Municipal de Português do Ensino Básico (Espoo, 2006) é o

seguinte: os conteúdos básicos de aprendizagem referem-se aos conhecimentos, capacidades, valores e atitudes; as cinco competências nucleares a desenvolver na área curricular da LM são a compreensão oral e a leitura, a expressão oral e escrita, e o conhecimento explícito da língua. (Segundo a definição de Sim-Sim et al. (1997: 12), a competência designa um saber-em-uso radicado numa capacidade cujo domínio envolve treino e ensino formal.)

Objetivos do Nível 3: O aluno consegue produzir e identificar estruturas sintáticas e semânticas, em língua portuguesa, em textos falados e escritos adequados a este nível. O aluno deveria sentir-se suficientemente confiante e à-vontade com a língua, de modo a desenvencilhar-se facilmente em quaisquer situações previsíveis e imprevisíveis. Consegue produzir textos falados e escritos com flexibilidade e criatividade [--] e também sabe como comunicar duma forma culturalmente aceite num determinado país. Conhece as obras de arte portuguesas mais importantes e muitos temas relacionados com a cultura [--] São visíveis no aluno sinais de que cresce como membro duma comunidade bilingue e de que percebe a sua identidade desta maneira, entendendo por conseguinte a importância de manter o contacto com a cultura portuguesa (ou brasileira, angolana, moçambicana, etc.)

Quais seriam, então, as estruturas sintáticas e semânticas adequadas ao nível 3? A que se referem os “textos falados”, “situações imprevisíveis” e “formas culturalmente aceites de comunicar”? Quais são “as obras de arte portuguesas mais importantes” e “muitos temas”? Que “sinais” de bilinguismo se podem vislumbrar?

Relativamente aos conteúdos de conhecimentos linguísticos e literários, nos três níveis, podemos constatar que estes são igualmente imprecisos, além de arbitrariamente escolhidos e organizados (Idem: 4௅6):

Conhecimentos linguísticos Nível 1

- caraterísticas básicas da língua portuguesa Nível 2

- exercícios gramaticais: tempos verbais, substantivos, artigos, preposições, pronomes, género (masculino e feminino) e número (plural e singular)

- ordem das palavras

- numerais (cardinais e ordinais) Nível 3

- aprofundamento do conhecimento gramatical: tempos verbais, formas ativas e passivas, formação de frases condicionais

Leitura e literatura Nível 1

- leitura de vocabulário e de frases curtas

- audição de pequenas histórias e contos tradicionais Nível 2

- provérbios e sabedoria popular - literatura infantil portuguesa

- diferentes tipos de textos: livros, revistas, jornais, etc. - estrutura dos textos

Nível 3

- exercícios de tradução

- literatura em língua portuguesa: clássica e moderna - diferentes tipos de textos: livros, revistas, jornais, etc. - estrutura dos textos

Quais seriam as “caraterísticas básicas da língua”? Por que os numerais e os adjetivos não são mencionados entre as outras classes de palavras, na qual, porém, se refere à flexão verbal e nominal? Por que dos modos verbais só se menciona o condicional? Quanto aos contéudos de leitura e literatura, também as referências a “textos, livros, revistas e jornais” ou à “literatura infantil, clássica e moderna” distam muito de oferecer pistas concretas aos professores, quando tiverem que escolher o tipo de leitura ou texto para as suas aulas. Aqui, não nos parece linear que de repente

apareçam exercícios de tradução e de “estrutura dos textos”, mesmo que esta possa ser analisada, naturalmente, durante a hora da leitura, ou, ainda, que não se considere que as crianças possam aprender a ler na LM logo a partir dos primeiros anos, mencionando-se apenas a “leitura de vocabulário e de frases curtas” e a audição de contos.

Na elaboração dos futuros planos específicos, além dos planos de Língua Finlandesa L1 e L2, poder-se-iam aproveitar documentos já existentes, adaptando-os ao contexto finlandês, como o currículo das ALCE (Agrupaciones de Lengua y Cultura Españolas), o Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico, de Portugal, o documento orientador do QuaREPE (Quadro de Referência para o Ensino do Português no Estrangeiro), o Programa de Português Língua 1 das Escolas Europeias, os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Fundamental Brasileira e, por último, mas não menos importante, os respetivos documentos curriculares dos países hispano-americanos e dos PALOP. Não pode exigir-se aos professores que sejam eles os responsáveis duma planificação curricular tão complexa como aquela que faz falta no ensino de LM; eles deveriam dispor de bons planos flexivelmente adaptáveis para os seus grupos e alunos individuais.