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Capítulo II: Políticas de População e dimensões de análise: Fecundidade; Envelhecimento da

3. Migrações

3.2. Políticas de imigração

Os países desenvolvidos e que são, por razões diversas, países de acolhimento de imigrantes, independentemente da existência de algumas convenções internacionais, desenvolvem políticas que visam regular a entrada nos seus territórios de cidadãos não nacionais.

Nos diferentes países, os governos condicionam de uma forma mais ou menos clara as leis de imigração e de nacionalidade. Os direitos dos migrantes, em termos gerais, devem ser vistos no quadro da proteção internacional dos direitos humanos. Mesmo a Convenção Internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e das suas famílias, não foi ratificada por muitos dos países desenvolvidos. Aliás, o artigo 79.º dessa Convenção estabelece que «nenhuma disposição da presente Convenção afecta o direito de cada Estado de estabelecer os critérios de admissão de trabalhadores migrantes e de membros das suas famílias». Ou seja, mesmo numa matéria de direitos humanos, a decisão de (não) admissão de migrantes compete a cada Estado.

Sobre este tema, A.Geddes e Peter Scholten referem:

In these terms, territorial borders as well as important forms of social organization within states, such as their labor markets and welfare states, play a central role in the constitution of immigration as a social political issue. (2016:4)

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Mesmo no contexto da integração europeia, as políticas de imigração seguidas, pese embora a existência de diretivas genéricas, a integração dessas políticas é sempre moldada pelas condições particulares de cada país. O problema não está na consagração da equiparação de direitos entre cidadãos de um dado país e estrangeiros, direitos esses plasmados na larga maioria das Constituições de Estados democráticos. Por exemplo, a Constituição da República Portuguesas, no seu artigo 15.ºestabelece:

Artigo 15.º

Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus

1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.

2. (…)

3. Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesas com residência permanente em Portugal são reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros (…)

4. A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.

5. A Lei pode ainda atribuir em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos estados-membros da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.

As questões centrais colocam-se nas condições que cada país impõe na regulação e controlo ao acesso ao país, bem como ao acesso ao mercado de trabalho, à educação, à saúde e à habitação. O poder de cada Estado, a autoridade e a capacidade de regular o acesso ao seu território são indicadores importantes para aferir do grau de soberania de um país. A maior parte dos países desenvolve mecanismos de regulação e controlo da imigração, sendo, por isso, necessários muitos recursos. Já em 1994, Brubaker afirmava:

True, states are open at the margins to citizens of other states, but only at the margins. Seen from outside, the prosperous and peaceful states of the world remain powerfully exclusionary. (1994:230)

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Do ponto de vista da filosofia política, a questão que se coloca é a existência, ou não, de fronteiras abertas. A tese de «fronteiras abertas» defende que as fronteiras não deveriam ser um obstáculo à decisão de um migrante procurar outro país para viver e trabalhar. Joseph Carens (2013) é um dos defensores desta posição por contraste com as conceções que defendem, de formas distintas, o controlo de fronteiras e o direito de os Estados limitarem a imigração (fronteiras fechadas). Os três principais argumentos defendidos por Carens são:

a) Não existe legitimidade por parte de quem decide a (não)atribuição da cidadania a outro, porque o seu poder apenas deriva de critérios como o do local de nascimento ou de ascendência;

b) Não está provado que a imigração implique de algum modo a redução da qualidade de vida e do bem-estar dos cidadãos;

c) O risco que a imigração coloca à cultura dos Estados de acolhimento é irrelevante em países democráticos.

Sobre as dificuldades na adoção desta política de «fronteiras abertas», Matias refere:

Uma política de «fronteiras abertas» pressuporia, para evitar o resultado caótico de um mundo sem fronteiras, uma autoridade mundial que regulasse os movimentos migratórios. O Estado que praticasse uma política de fronteiras abertas enfrentaria o peso de o fazer isoladamente no contexto mundial, pelo que seria de esperar que o caos se instalasse no seu território. (2014:18)

De notar, no entanto, que os fundamentos desta corrente são importantes para a discussão sobre a relação entre a imigração e a cidadania, algo que será feito no próximo ponto deste capítulo.

A abertura de fronteiras, no caso dos países da União Europeia (EU), permite uma maior liberdade de movimento aos cidadãos que tenham a nacionalidade de um dos países da União. A este propósito, A.Geddes e P, Scholten referem:

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It is also important to think about the issue of “who decides”. Decisions about law and policy are still quite strongly focused at the national level, although the EU does play an increased role.

(…) It is, however, crucial to note that EU member states decide on the number of migrants from non-EU member states (…) to be admitted. In contrast, citizens of the EUs 28 members states can move freely within the EU.

(…) The EU promotes economic liberalisation and free movement but seeks to strictly regulate entry by non-EU citizens. In this way European integration changes the meaning of borders both ‘internaly’ within the EU and ‘externaly’ in terms of relations with countries that are not EU members states. (2016:5)

A mobilidade de cidadãos dentro do espaço dos países da União Europeia, não pode, no entanto, ser confundida com o termo “migrante”. Para além da mobilidade as questões normalmente determinantes para alguém que escolhe outro país para trabalhar e viver, são as do acesso ao mercado de trabalho, do acesso à educação, do acesso aos cuidados de saúde e, por fim, do acesso à educação. Na esteira do trabalho de Ruhs (2013), Geddes e Scholten concluem:

EU states, it could be argued offer fairly extensive rights to those that are ‘in’, but they also make it increasingly difficult for people to get ‘in’. (2016:13)

A entrada de imigrantes num dado país está, assim, dependente de critérios de admissibilidade e de seleção que são utilizados. Com base nos trabalhos de Hyelet Shachar (2006); Gonçalo Matias (2014); Joseph Carens (2013); Paul Collier (2013), iremos estabelecer duas tipologias, uma para os critérios de exclusão, com quatro categorias, e outra para os critérios de seleção, também com quatro categorias. As duas tipologias são apresentadas de seguida através do gráfico 4 (Critérios de exclusão) e gráfico 5 (critérios de seleção).

107 Gráfico 4: Critérios de exclusão

Elaboração própria

Em relação aos critérios de exclusão apresentados, os dois primeiros, segurança nacional e saúde pública, à partida não suscitam qualquer problema, isto é, os Estados têm o direito de não permitirem a entrada e/ou a permanência de candidatos que reconhecidamente possam ser um risco para a segurança nacional ou para a saúde pública. Na União Europeia, por exemplo, a abolição dos controlos fronteiriços que decorre do Acordo de Schengen, pode ser alterada em condições excecionais que estão, precisamente, ligados aqueles dois critérios. No entanto, Carens (2013), chama a atenção para a eventual possibilidade de manipulação destes critérios. A este respeito Matias sustenta:

(…) O critério da segurança nacional não deve servir de pretexto para proceder a tratamentos discriminatórios dos candidatos a imigrantes. O tema ganhou grande relevo após o 11 de Setembro, tendo os Estados reforçado o seu controlo fronteiriço, até aí, em muitos casos, inexistente ou ineficiente (…).

Todavia, a ligação entre imigração e terrorismo é largamente despropositada (…) (…) o que já não se pode aceitar é que o critério tenha por base um preconceito étnico ou religioso. (2014:24)

Segurança nacional

Saúde pública

Existência de registo

criminal

Insuficiência

económica

Critérios de

exclusão

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Também em relação ao terceiro critério de exclusão, a existência da prática de crimes pelos candidatos a imigrantes, ele é relativamente pacífico e admissível desde que seja respeitado o princípio da proporcionalidade. Uma infração de trânsito ou mesmo um crime de baixa gravidade não devem ser suficientes para excluir qualquer candidato.

Por fim, o critério da (in)suficiência económica é, provavelmente, o que gera mais controvérsias. De facto, este critério dificulta (ou impossibilita de todo) que aqueles que têm mais carências económicas possam imigrar. No entanto, vários países continuam a adotar este critério como base para a decisão de (não) admissão de imigrantes.

Gráfico 5: Critérios de seleção

Elaboração própria

A existência prévia de uma relação laboral é um dos mecanismos de seleção mais utilizados pelos países de acolhimento de imigrantes. Embora seja um critério eficaz, não deve ser o único mecanismo a ser usado na seleção de candidatos a imigrantes. Como bem refere Matias:

Existência prévia de

relação laboral ou

promessa de trabalho

Mecanismo de

atribuição de pontos

Captação de talentos

Atração de

investimentos

Critérios de

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Todavia, um sistema que assente exclusivamente na existência de uma relação laboral não pode ser considerada «proactiva» nem representa uma verdadeira política migratória.

(…) O fenómeno migratório apresenta hoje uma muito maior complexidade, não devendo os países bastar-se com a passividade da escolha do migrante e dos seus empregadores. Desde logo, as migrações deixaram de possuir um foco eminentemente laboral para passar a abranger muitos outros fenómenos e interesses (…). (2014:28).

Por sua vez o mecanismo de atribuição de pontos, muito utilizado em países como o Canadá, a Austrália ou a Nova Zelândia, apresenta ser um sistema flexível e transparente. A flexibilidade advém da possibilidade em contemplar múltiplos fatores (idade, percurso académico, conhecimento da sociedade de acolhimento, conhecimento da língua, experiência de trabalho - entre outros) e variar o peso específico de cada um deles em momentos e contextos específicos.

Este mesmo sistema também pode ser eficaz na “procura de talentos”. Por exemplo, a União Europeia adotou a diretiva blue card com o objetivo de atrair para o espaço europeu imigrantes altamente qualificados.

Também no contexto da União Europeia, têm sido adotados vistos para atrair investidores, através do conhecido programa dos vistos gold. Concordamos, no entanto, com Matias (2014: 31) quando defende a utilização prudente destes dois últimos mecanismos «(…) pelos Estados membros (…) que evite o dumping migratório, acompanhada de algum grau de harmonização e de uma adequada regulação da prestação de serviços migratórios».

No trabalho empírico que será apresentado no capítulo cinco, iremos analisar quais foram as ideias fundamentais presentes nos programas dos governos constitucionais relativos às políticas de imigração, com especial atenção às referentes à regulação e controlo de entradas no território nacional, bem como aos critérios de exclusão e de seleção oficialmente preconizados.

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