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Capítulo I: Da população às políticas: enquadramento teórico da pesquisa

2. Da população às políticas: enquadramento teórico

2.4. Políticas de População

As políticas públicas são, atualmente, objeto de uma particular atenção. No sentido de ajudar a precisar o conceito de política pública, Thoenig (1985:7) apresenta cinco elementos constitutivos, a saber:

► Conjunto de medidas que constituem a sua substância; ►Conjunto de decisões que expressam uma autoridade; ► Existência de um quadro geral de ação;

► Existência de públicos para quem se destina a política; ► Existência de fins e objetivos, explícitos ou implícitos.

Para Donatela Porta (2003) o conceito de políticas públicas resulta de toda e qualquer decisão das autoridades governativas, compreendendo a sua implementação. Já para Denhardt (1995) as políticas públicas são ações e decisões sobre qualquer assunto tomadas pelas autoridades públicas legítimas.

Por sua vez, Bessa e Pinto consideram que:

(…) as políticas públicas consistem em orientações dominantes emanadas dos órgãos do poder para aplicar no campo político, económico e social. São decididas pelas elites governantes, segundo as suas concepções do mundo e da vida, e também os seus interesses a curto prazo, nomeadamente a reeleição. Revelam as

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opções da classe política dirigente no quadro das possibilidades abertas à acção governamental. (2001:283)

Num outro tipo de abordagem, Aubin et al. defendem que «Les politiques publiques sont d’abord le résultat de la traduction par les responsables politiques de leurs valeurs et préférences en projets d’interventions au service de groupes plus ou moins ciblés» (Aubin et al.,2012 : 12).

Embora, na sua essência, a maioria dos autores assuma que as políticas públicas resultam de decisões tomadas por órgãos políticos, há divergências quanto à forma de execução e de implementação das mesmas.

A complexidade existente no processo e desenvolvimento das políticas públicas trouxe para o debate a importância das ideias, isto é, o reconhecimento explícito da dimensão política da ação pública. Para Muller e Jobert (1987) uma ideia em políticas públicas baseia-se em quatro elementos, a saber:

a) Conjunto de valores que transmite;

b) Conjunto de normas (expressam valores); c) Padrões de comportamento;

d) Existência de crenças e símbolos partilhados.

Por outro lado, o processo de definição e desenvolvimento das políticas públicas desenrola-se numa dada realidade social que tem «(…) numerosos actores visíveis e encobertos, com diferentes visões da realidade e interesses que procuram, recorrendo aos meios ao seu alcance, atingir os seus próprios fins (…), pelo que se torna necessário encontrar um modo-modelo, metáfora, teoria, paradigma,etc. - de simplificá-lo e, assim, melhor o compreender (Carvalho, 2008:33).

O modelo clássico do ciclo de políticas públicas, apesar das suas limitações, constitui uma boa ferramenta de análise de políticas públicas pois possibilita, de uma forma simplificada, mostrar os atores e as atividades em cada etapa do processo. É bastante útil para se poder entender cada uma das fases de um dado programa público.

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No gráfico 1, apresentamos um esquema ilustrativo de um processo típico do ciclo de políticas públicas.

Gráfico 1: O ciclo das políticas públicas

Fonte: adaptado de Kingdon, 2003; Birkland, 2007

No entanto, apesar das diferentes versões que o modelo foi tendo, o mesmo tem sofrido muitas críticas. Robert Nakamura (1987:142- 154) fala numa sobre- simplificação de processos complexos. Para o autor, as fases do ciclo misturam-se, voltam atrás, e o resultado pouco tem a ver com o previsto.

Outro autor, Paul Sabatier (1999) defende que os modelos cíclicos não são modelos causais e preditivos, mas apenas simples taxonomias que ajudam a entender a lógica geral de um processo, mas não a sua dinâmica. Ora o processo de formulação de políticas públicas depende das dinâmicas institucionais que se criam.

Ces dynamiques institutionnelles et les nouvelles répartitions des responsabilités politiques à différents moments de l´élaboration des politiques provoquent des modifications des finalités de l’action autant que de la perception des enjeux publics. La fragmentation qui en résulte ne contribue pas à renforcer la cohérence de l’action publique, ce que ne peut compenser la difficile coordination entre

1.Definição dos problemas 2. Entrada na agenda 3.Tomada de decisão 4.Implementação 5. Avaliação

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entités et entre niveaux de pouvoirs dont l’efficacité de l’action publique ne semble pas être la principale préoccupation. (Albarello, 2016: 8)

Uma das principais características de análise de políticas públicas nos anos mais recentes tem sido a busca de modelos com maior alcance. Pela sua importância e aplicabilidade a este trabalho, no capítulo III, apresentaremos dois desses novos focos na análise da agenda e formulação de políticas públicas: o modelo dos Fluxos Múltiplos e o modelo de análise do Equilíbrio Pontuado.

No debate político é habitual a utilização das designações “Política de População” e “Política Demográfica” como sendo a mesma coisa. Para Maria Luís Pinto a designação de Política de População é mais abrangente:

A designação de Política Demográfica remete-nos para o universo das variáveis estritamente demográficas, podendo fazer crer que apenas as medidas tomadas com o objectivo explícito de influir na natalidade/fecundidade, nas migrações ou mesmo na mortalidade, serão equacionadas. Dado que considero que existem medidas políticas que não se situam naquele âmbito, mas que produzem efeitos demográficos, logo sobre a população, como todas aquelas que respeitam, por exemplo, ao ordenamento do território, continuo a preferir a designação de Políticas de População, visando também a análise dos fenómenos induzidos por medidas políticas. (2010:59)

Esta posição remete-nos para um conjunto de conceções/definições de Políticas de População: umas de carácter mais genérico (amplas) e outras mais operacionais (restritivas).

Assumido que as políticas de população são ações intencionais para chegar a um fim, John May define política de população como sendo:

(…) actions taken explicity or implicity by public authorities, in order to prevent, delay, or address imbalances between demographic changes, on the hand, and social, economic, and political goals, on the other. (2012:2)

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Para o autor, o maior desafio para as políticas de população no século XXI será o de conseguir intervir em áreas tradicionais ligadas à população (saúde reprodutiva, materna e sexual) articulando-as com novos assuntos presentes na agenda política, nomeadamente: redução da pobreza, promoção da igualdade, o combate à SIDA, a igualdade de género, as necessidades dos jovens, a preservação do ambiente, entre outros. Não é, pois, de estranhar que tais assuntos ganhem particular importância nos programas eleitorais e nas políticas dos diversos governos.

Uma segunda definição de Política de População é-nos dada por Paul Demeny:

Population policy may be defined as deliberately constructed or modified institutional arrangements and/or specific programs through which governments influence, directly or indirectly, demographic change. (2003:3)

Esta definição alerta-nos para a necessidade de articulação entre objetivos, estratégias e meios de implementação. Como bem refere António Barreto :

Com efeito, é raro encontrar um país, um Estado ou um governo, para não dizer simplesmente uma entidade ou uma autoridade que possua ou pratique uma política de população na verdadeira acepção da palavra. Isto é, uma política conhecida e articulada, com objectivos definidos, estratégias delineadas e meios ou instrumentos de acção seleccionados. (2004:1)

Por sua vez Kingsley Davis apresenta-nos uma definição não formulada de forma precisa, mas mais como um conjunto de objetivos:

Population policy seeks to achieve “population control” by making the collective result an intended one. That is, it sets a population goal for the nation or state as a whole and seeks means to achieve this goal. If the policy succeeds, the population is “controlled”, i.e., intended. (1971:45)

Do grande leque de definições possíveis apresentamos, de seguida, uma mais operacional (pragmática). A definição de Don Rowland é claramente marcada pelo seu carácter operacional, muito centrada em variáveis microdemográficas.

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A population policy does not have to be highly detailed prescription of what is desirable demographically. It might consist of a set of broad goals, quantitatively defined, such as minimizing population ageing (e.g. no more than 25 per cent 65 and over), minimizing fertility decline and ultimately achieving zero growth. (Rowland, 2001:1, apud Pinto, 2010:61)

Não menos pragmática é a posição de Mike Dixon e Júlia Margo sobre a (não) intervenção do governo do Reino Unido nas questões de população – em comparação com outros países - e as suas consequências:

The challenge is to respond to Britain’s demographic problems in a progressive way. We need to remove the barriers preventing people from having the families they want. French-style cash incentives would be culturally inappropriate and regressive: paying mothers to opt out of the workforce is bad for gender equality, bad for children’s life changes and just plain unfair. For the most part, both men and women want to play an active role in family life and in the labour market too. Policy should help them to do so. We recommend Swedish-style child care provision, and better paternity and maternity leave. But the first step has to be for British politicians to openly acknowledge that Britain faces demographic problems, just like the rest of Europe. (Dixon e Margo, 2006:8)

Estas definições mostram que as Políticas de População se situam em domínios muito variados que vão da Demografia à Ciência Política, passando pelas Ciências Sociais, Sociologia, Economia, História, entre outras (Pinto, 2010).

A definição mais ampla ou mais restrita de políticas de população remete-nos para a dificuldade da sua operacionalização. A integração de diversas políticas é difícil o que leva António Barreto a referir-se à sectorização das políticas de população pelo facto de «cada política social ou cada sector social e económico ter a sua própria dinâmica, a sua própria lógica, e, apesar das consequências evidentes no plano da população, não existe a perspectiva de integrar tais políticas ou sectores» (2004:1-2).

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As políticas públicas, para serem eficazes, devem ser sustentadas por informação rigorosa. Ora, em variadas situações, não há uma utilização da informação existente. A este propósito Eduardo Anselmo de Castro et al. (2015:30) sustentam que há um «tradicional alheamento da decisão política relativamente à análise prospectiva e, em particular, ao uso dessas projecções de crescimento económico e demográfico como instrumentos básicos de apoio a preparação do futuro.»

Este alheamento dos decisores políticos é particularmente importante quando se pretende formular políticas de população. O poder político tende a tratar as questões demográficas separadamente, isto é, sectorialmente através de medidas específicas (Barreto, 2004). Por sua vez, Cristina Gomes sustenta que:

Em Portugal, os últimos anos foram marcados por uma acentuar do debate das questões populacionais muito determinado, por um lado pelo envelhecimento populacional, por outro, pela presença de um número significativo de imigrantes. (2010:91-92)

Acontece que muitas das medidas tomadas pelos sucessivos governos, surgem como respostas a necessidades sociais e a exigências eleitorais (Barreto,2004). As medidas tomadas são, em regra, avulsas, ineficazes (em face dos recursos disponíveis), marcadamente ideológicas e, algumas, contraditórias entre si.

O mesmo autor defende que as políticas de população surgem como «políticas implícitas», normalmente integradas no meio de “outras” políticas, nomeadamente de índole social, e que têm implicações demográficas.

Por seu turno, John May (2012) sustenta que as políticas de população, ou a sua ausência, determinam o comportamento individual e mapeiam os desafios demográficos. Este mesmo autor estabelece uma diferença entre o que chama de medidas políticas ativas e medidas políticas passivas.

Passive responses may be spontaneous or organized and are often a mere adaptation to the effects of population growth or high fertility levels. (…) Active

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responses, on the contrary, are meant to address the causes of population problems. (May, 2012:55)

Ainda o mesmo autor, chama a atenção que certas medidas políticas não são necessariamente causais.

Outro tema interessante prende-se com os valores, implícitos ou explícitos, que se encontram nas escolhas políticas feitas. Como refere John May:

The choice of policy responses to population issues depends on the values of the policymakers. (2012:55)

Tendo em consideração os diversos tipos de atores sociais que podemos encontrar nos assuntos de políticas de população, indivíduos, famílias, grupos sociais específicos, Estado e atores regionais e internacionais (May,2012) a questão dos valores torna-se bastante pertinente.

O conjunto de conceções/definições de políticas de População apresentado, obriga-nos a clarificar os conceitos que vão ser operacionalizados. Atendendo a que, de uma forma geral, não é visível a existência de uma Política de População clara, com objetivos precisos e meios de os alcançar, assumimos neste trabalho as Políticas de População como políticas públicas setoriais que pretendem responder a questões e problemas de população.

De uma análise da literatura com estudos de caso sobre Políticas de População em vários países (Attané, 2006; Véron e Rajan, 2006; Cosio-Zavala, 2006; Golaz e Njue, 2006; Anoh, 2006; Haub, 2006; Ivanov e Zakharov, 2006; Chesnais, 2006), sobressaem as principais características dessas Políticas de População, isto é, os principais enfoques das políticas públicas nesses países em matérias relativas à população. As tabelas seguintes sintetizam os principais destaques desses estudos de caso e serviram para sustentarem as escolhas por nós feitas nesta tese.

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Tabela 1: Políticas de População na China: principais caraterísticas

Autores Principais caraterísticas das Políticas de População Isabelle Attané 1. Controlar a mobilidade interna

2. Reequilibrar o desenvolvimento regional e reforçar as regiões fronteiriças

3. Implementar políticas sanitárias 4. Controlar os nascimentos 5. Implementar políticas de saúde

Tabela 2: Políticas de População na Índia: principais caraterísticas

Autores Principais caraterísticas das Políticas de População Jaqques Véron e

S.Rajan

1. Diminuir a natalidade

2. Intervir na repartição espacial das populações e ordenar o território

3. Intervir no problema da densidade da população e urbanização 4. Atender às condições de vida da população idosa

5. Implementar políticas de saúde

Tabela 3: Políticas de População no México: principais caraterísticas

Autores Principais caraterísticas das Políticas de População Maria-Eugenia

Cosio-Zavala

1. Lutar contra a pobreza

2. Apoiar as famílias: saúde, alimentação e educação

3. Implementar políticas de contraceção e de saúde reprodutiva 4. Melhorar o nível de vida dos grupos mais vulneráveis da

população

Tabela 4: Políticas de População no Quénia: principais caraterísticas

Autores Principais caraterísticas das Políticas de População Valérie Golaz e

Caroline Njue

1. Intervir na repartição espacial da população e ordenamento do território

2. Implementar políticas de saúde

3. Implementar políticas de contraceção, de saúde reprodutiva e controlo da natalidade

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Tabela 5: Políticas de População na Costa do Marfim: principais caraterísticas Autores Principais caraterísticas das Políticas de População Amoakon Anoh 1. Diminuir a mortalidade

2. Diminuir os fluxos migratórios 3. Implementar políticas de saúde 4. Implementar políticas contracetivas

5. Implementar políticas de urbanização e ordenamento do território

Tabela 6: Políticas de População nos Estados Unidos da América: principais caraterísticas Autores Principais caraterísticas das Políticas de População Carl Haub 1. Implementar políticas de imigração

2. Intervir na repartição espacial da população 3. Diminuir a mortalidade

4. Implementar políticas de urbanização e ordenamento do território

Tabela 7: Políticas de População na Rússia: principais caraterísticas

Autores Principais caraterísticas das Políticas de População Serguei Ivanov,

Anatole

Vishnevski e Serguei Zakharov

1. Implementar políticas de família 2. Implementar políticas de saúde

3. Implementar políticas migratórias (internas, emigração e imigração)

Tabela 8: Políticas de População na França: principais caraterísticas

Autores Principais caraterísticas das Políticas de População Jean-Claude

Chesnais

1. Implementar Políticas de encorajamento e de apoio à natalidade 2. Implementar Políticas de saúde pública (tabagismo e alcoolismo+

prevenção de acidentes+ drogas e outras dependências) 3. Implementar políticas de imigração

4. Diminuir a mortalidade

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Em face desta diversidade foram feitas opções. Eduardo Anselmo Castro et al. apresentam três variáveis microdemográficas com particular interesse na análise das políticas de população: mortalidade, fecundidade e saldos migratórios. No entanto, para os mesmos autores:

A mortalidade tende a evoluir segundo um processo relativamente regular e convergente a nível mundial, enquanto os saldos migratórios têm um papel que é tanto mais secundário quanto maior for o país ou o continente em causa, sendo obviamente nulo à escala do Planeta. Em suma, a principal condicionante da dinâmica demográfica global é a fecundidade e os seus possíveis percursos evolutivos definem os grandes cenários apresentados pelas Nações Unidas. (2015:20)

Também outros autores sublinham a importância da análise das trajetórias das variáveis demográficas para a compreensão dos quadros de intervenção política (Gomes,2010; Pinto, 2010). No entanto, e como consequência do processo de transição demográfica, um novo processo emerge em qualquer análise de políticas públicas de população: o envelhecimento da população. Assim, a nossa análise centrar-se-á, essencialmente, em três dimensões que serão abordadas no próximo capítulo:

a) Fecundidade e políticas de família: b) Envelhecimento da população; c) Políticas de Migrações.

Tal opção é sustentada pelo que acima se disse em relação à variável mortalidade e assumindo que a variável migrações tem um comportamento «(…) relativamente errático que responde a estímulos variados alguns deles dificilmente previsíveis» (Castro et al.,205:85).

Para além destas três dimensões analíticas, no estudo empírico (Capítulo V) será também “medida” a “Importância formal das Políticas de População” em cada um dos vinte e um Programas de Governo. Aqui, a escolha de temática e assuntos conexos com as Políticas de População foi mais extensa, tendo sido escolhidas, para além das três dimensões já referidas, mais treze temas, tais como, saúde, qualidade de vida, identidade, ambiente, habitação e urbanismo (entre outras) – Vd. Questões metodológicas no Capítulo IV.