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Capítulo II: Políticas de População e dimensões de análise: Fecundidade; Envelhecimento da

1. Fecundidade

1.5. Questões relativas à educação

Não é fácil estabelecer um caminho claro de causalidade entre as variáveis contextuais, por um lado, e os resultados demográficos, por outro. No entanto, a relação entre educação e fecundidade há muito que é reconhecida sendo o argumento principal que quanto maior o nível de educação das mulheres menor é a taxa de fecundidade. John Caldwell (1982) sustenta que o declínio da fecundidade começa de uma forma clara com o advento da escolaridade obrigatória (Caldwell, 1982: 183). No entanto, há indícios que apenas só quando o número de anos de escolaridade é significativo é que o efeito sobre a fecundidade se faz realmente sentir.

Num trabalho de 2014, Basten et al mostram que nos países europeus com baixas taxas de fecundidade existe uma correlação positiva com algum significado entre a dimensão da família, ou a ausência de filhos, entre mulheres com o ensino superior completo.

Apesar disso, nos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento há estudos que mostram uma grande variação nesta matéria. Um trabalho levado a cabo por Lloyd et al (2000) na África subsariana, mostra que essa relação é inconclusiva quando nos centramos na educação formal (4 anos). Ao contrário, os dados recolhidos na Etiópia, mostram que 4 anos de escolaridade têm já algum impacto nos níveis de fecundidade. Além disso, neste último país, este impacto parece exercer uma externalidade positiva, isto é, mulheres sem educação formal, mas que vivem em comunidades com maior nível educativo tendem, também, a ter menos filhos.

Outra faceta relativa a esta problemática fecundidade-educação-sistemas educativos, prende-se com a própria organização dos sistemas educativos e

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com os custos relativos à escolaridade. Nas tabelas seguintes, apresentamos uma síntese sobre algumas características dos sistemas educativos que podem ser encontrados nalguns países que, embora normalmente não sejam tidos em conta, têm a sua importância na hora de tomar decisões sobre (não) ter filhos

Tabela 9: Características do sistema educativo em Itália Principais características

As crianças estão na escola por um período relativamente curto - apenas de manhã no caso das escolas secundárias. Há muita dificuldade em obter lugar para programas públicos de atividades extracurriculares sendo, por isso, da responsabilidade dos pais a organização (e o pagamento) dessas atividades.

Tal situação, dificulta o emprego a tempo inteiro para as mulheres/mães tendo como consequência, em muitos casos, a opção por não terem filhos, ou mais filhos.

Elaboração própria. Fonte: May, 2012

Tabela 10: Características do sistema educativo na Áustria Principais características

Neste país há, também, uma grande dificuldade em conseguir vagas nos poucos programas extracurriculares (públicos) uma vez que o horário de funcionamento das escolas, nomeadamente no ensino básico, é apenas num turno. As atividades extracurriculares privadas são, em regra, extremamente caras.

Elaboração própria. Fonte: May, 2012

Tabela 11: Características dos sistemas educativos em Taiwan, Japão e Coreia do Sul Principais características

Nestes países, assim como noutros nesta região do mundo, as crianças desde muito cedo se têm que preparar para os importantes exames de admissão quer ao ensino médio quer às Universidades. A larga maioria dos pais tem de colocar os seus filhos em centros de explicação específicos para a preparação destes exames. Ora tal decisão (quase obrigatória) não só envolve despesas consideráveis, mas consome muito tempo às mães – recolha de informação sobre os centros, levar os filhos a essas aulas, preparar refeições e, muitas vezes, ajudar em casa as crianças e jovens nos trabalhos escolares.

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Tabela 12: Características dos sistemas educativos na França e na Noruega Principais características

Em comum estes dois países apresentam uma estrutura para o ensino básico e para o ensino secundário que reduz a incompatibilidade entre o emprego e a paternidade. Ao contrário de outros países, o tempo de permanência na escola é relativamente longo. No entanto, as escolas fornecem o almoço e as atividades extracurriculares. No caso particular da Noruega, como os níveis de criminalidade são muito baixos, os pais estão mais disponíveis, do que em outros países, para deixarem os filhos por sua “conta e risco” depois de saírem da escola.

Elaboração própria. Fonte: May, 2012

A larga maioria dos jovens noruegueses estão matriculados em Institutos Superiores ou Universidades. De facto, a proporção de jovens adultos que se espera complete a educação superior é um pouco mais alta do que a média europeia (Cf. OCDE, 2013). É relativamente fácil para um estudante, seja homem ou mulher, completar a sua educação mesmo que tenha filhos o que reduz a tendência crescente na maioria dos países desenvolvidos em adiar a maternidade, normalmente para depois da conclusão dos estudos superiores. O caso português parece-nos paradigmático desta situação.

Uma das razões é que a Noruega tem um sistema educacional muito flexível que permite que os estudantes saiam e reentrem com facilidade na Universidade. Além disso, os estudantes têm acesso a creches para deixarem os filhos (muitas nas próprias universidades) o que potencia o não abandono escolar pelo facto de ser mãe ou pai.

Outra característica do sistema norueguês, é a facilidade no financiamento dos seus estudos. Não há propinas na Universidades, à exceção das escolas privadas, e o sistema de empréstimos está bastante vulgarizado e é muito eficiente.

A este propósito atente-se na posição de Brauner-Otto:

(…) the degree of openness in the education system in later grades may also influence childbearing. (…) Open school systems are ones in which it is comparatively easy to return to school, for instance after having a child. The mother-student roles are generally considered to be incompatible, especially when mothering small children, so the ability to move back and forth between the two

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roles may make childbearing more appealing. In Canada, much as in the United States but in sharp contrast to countries such as Japan, students can apply to any college or University they choose, and they can apply at any time in their lives. (2016:121)

O. THévenon sobre esta temática faz a seguinte “radiografia” sobre a situação em França:

Another aspect of the French situation is that fertility varies with educational level and migration background, but to a lesser extent than in many other countries. To move to late age at childbearing is observed for all women, and particularly among those with no educational qualifications. (…) But the process of entry into motherhood differs between social groups. According to the census surveys, mean age at first birth is 25 for the least-educated women compared with 30 for those with a college degree. The latter tend to concentrate their childbearing at around age 31, whereas births among women with no educational qualifications are more spread out over time. Unqualified, non-native-born women have higher fertility than their equivalents in the native-born population, whereas women with college degrees have broadly similar fertility levels whether born, or not, in France. (2016:52)

Por fim, o sistema educativo espanhol – que tem algumas similitudes com o português - caracteriza-se por ser altamente padronizado, pouco diferenciado e que apresenta um tipo de ensino muito “académico”, isto é, com conteúdos que não facilitam a ligação ao mercado de trabalho. Apesar das barreiras para os estudantes reentrarem no sistema educacional serem baixas, poucos indivíduos reentram no sistema, especialmente depois de terem constituído família.

A este respeito P. Baizan defende:

Increasing educational enrollment and attainment has been one of the main drivers of the postponement of family formation. (…) More years spent in education directly delay such transitions as entering the labor force, leaving the parental home, and forming a partnership. For women, the effects of higher educational attainment on labor-market participation also lead to a postponement and reduction of marriage and fertility. (2016:203)

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Como acabámos de ver, a questão dos sistemas educativos/educação é apenas mais um dos fatores que influenciam a fecundidade a par do mercado de trabalho, das políticas de família e das questões de género que interagem e se combinam de formas muito diferenciadas.