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Capítulo I: Da população às políticas: enquadramento teórico da pesquisa

2. Da população às políticas: enquadramento teórico

2.3. Teorias da População

2.3.3. Teoria da Transição Demográfica

Apesar do interesse pelo estudo das populações ser um fenómeno com muitos anos, é no final do século XIX que começam a surgir evidências empíricas mais consistentes da existência de um crescimento demográfico substantivo. Já na primeira metade do século XX, vários teóricos (W. Thompson, A.Landry, A. Carr-Saunders, K.Davis, F.W.Notestein, Coale – entre outros) procuram dar respostas a um fenómeno recente na história da população: a passagem de um equilíbrio com níveis elevados de natalidade e mortalidade, para uma nova fase em que se anunciava um outro equilíbrio, mas com níveis baixos de natalidade e de mortalidade.

A transição demográfica pode, assim, ser definida como a mudança de um regime de alto (quase) equilíbrio (alta natalidade e alta mortalidade), para uma nova situação demográfica de baixo equilíbrio, isto é, baixa natalidade e baixa fecundidade (May, 2012). No entanto, em muitos países, particularmente na Europa Ocidental – Portugal incluído - alguns autores fazem notar a existência de uma segunda transição demográfica onde os saldos naturais são persistentes e negativos. John May (2012) caracteriza assim essa segunda transição demográfica:

(…) defined by a further decrease infertility levels caused by a decline of marriage and the rise of the new family forms, triggered by changes in values (…) These countries have reached a post transitional stage, as their low fertility levels do not ensure the replacement of generations. (May, 2012:20)

Mais recentemente alguns investigadores apontam para uma terceira transição demográfica, especialmente visível na Europa e nos Estados Unidos da América. Tal transição prende-se com as transformações étnicas e sociais que

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estão a ocorrer em países com elevados níveis de imigração. Coleman refere que estas novas transformações são devidas a «high levels of immigration of persons from remote geographic origins or with distinctive ethnic and racial ancestry» (2006:401).

Estes dois últimos tipos de transição demográfica são conceitos mais recentes da teoria inicial, mas inscrevem-se, claramente, no âmbito de uma teoria explicativa da população que deve ter em conta toda a evolução histórica das populações. É, seguramente, a teoria mais dominante em demografia tentando compreender e descrever, de uma forma geral, o comportamento das mudanças demográficas. Ronald Lee e David Reher fazem um enquadramento interessante desta Teoria:

The term “demographic transition” refers to the secular shift in fertility and mortality from high and sharply fluctuating levels to low and relatively stable ones. This historical process ranks as one of the most important changes affecting human society in the past half millennium, on a par with the spread of democratic government, the industrial revolution, the increase in urbanization, and the progressive increases in educational levels of human populations (Lee & Reher,2011:1).

A Teoria da Transição Demográfica começa por ser uma Teoria classificadora das populações que se diferenciam pelas diferentes combinações entre fecundidade e mortalidade. O termo “revolução demográfica” foi primeiramente proposto, de uma forma articulada, por Warren Thomson no artigo Population inserido no American Journal of Sociology (1929), onde analisando as mudanças (transições) ocorridas nos últimos duzentos anos nas sociedades industrializadas com respeito às taxas de mortalidade e de natalidade, propõe uma classificação dos países em três grupos:

a) Grupo A: países em potencial declínio com baixos níveis de fecundidade e de mortalidade;

b) Grupo B: países com altos níveis de fecundidade e com níveis baixos de mortalidade;

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Adolphe Landry, no trabalho seminal publicado em 1934 La révolution démographique, études et essais sur les problèmes de la population, aborda de uma forma explícita o conceito de revolução demográfica (transição demográfica) mantendo, no essencial, muitas das ideias de Thompson, postulando três estádios de desenvolvimento: primitivo, intensivo e moderno, basicamente equivalentes aos grupos propostos por Thomson. Landry explica melhor as razões para o declínio da natalidade e da mortalidade, nomeadamente a redução da mortalidade: redução das epidemias por vacinação; mais higiene; maior diagnóstico e tratamento das doenças, etc. A teoria da Transição Demográfica, enquanto teoria explicativa e não meramente classificativa, foi formulada pelo Office of Population Research (Princeton) onde um dos seus expoentes máximos, o demógrafo americano Frank W. Notestein, desenvolve a Teoria nomeadamente em dois textos importantes: Population, the long view (1945) e Economic problems of population change. (1953).

Em termos gerais a teoria “recupera” três das fases já apresentadas por Thomson e Landry, postulando que todos os países passaram, ou vão passar, por quatro fases:

a) Fase 1: quase equilíbrio (antigo) entre as elevadas taxas de fecundidade e de mortalidade;

b) Fase 2: fase do declínio nas taxas de mortalidade tendo como principal consequência um grande crescimento populacional;

c) Fase 3: fase do declínio nas taxas de fecundidade com a consequente diminuição do crescimento natural;

d) Fase 4: quase equilíbrio (moderno) onde as taxas de mortalidade e de fecundidade são ambas baixas tendendo-se, assim, para um crescimento nulo.

Notestein (1953) apresenta, de uma forma sintética, as razões que entende serem primordiais para a existência de um recuo na fecundidade durante o processo de transição demográfica.

The new ideal of small family arose typically in the urban industrial society. It is impossible to be precise about the various causal factors, but apparently, many

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were important. Urban life stripped the family of many functions in production, consumption, recreation, and education (…) The new mobility of young people and the anonymity of city life reduced the pressure toward traditional behavior exerted by the family and the community. In a period of rapidly developing technology new skills were needed and new opportunities for individual advancement arose

Education and rational point of view became increasingly important. As a consequence, the cost of child-rearing grew and the possibilities for economic contributions by children declined. Falling death rates at once increases the size of the family to be supported and lowered the inducements to have many births. Women, moreover, found new independence from household obligations and new economic roles less compatible with childbearing (Notestein, 1953 apud Kirk, D., 1996:364).

Apesar de muitas objeções, qualificações e dúvidas sobre a Teoria da Transição Demográfica, a sua força reside no facto de predizer que a transição se fará em todas as sociedades em processo de modernização.

As três das principais críticas feitas à teoria são, em síntese:

a) A importância dada aos fatores económicos em detrimento dos fatores culturais sem se ter em conta as grandes diferenças nos contextos socioeconómicos;

b) A secundarização dos efeitos da mortalidade;

c) A ausência de uma variável central para o processo: as migrações.

Como refere Maria Luís Pinto «Estas críticas têm razão de ser, dado que a teoria se centra na questão da natalidade/fecundidade e mesmo aí encontra dificuldades explicativas, fundamentalmente nos países em desenvolvimento» (2010:55).

Para Vidal, na esteira de Coale, tem de se reconhecer que um dos problemas da teoria é a inexistência de um único modelo de transição demográfica:

Il y a des sociétés traditionnelles où la fécondité et la mortalité sont élevées (…) et des sociétés modernes, à basses mortalité et fécondité ; c’est la seule généralisation qui reconnaisse A.J.Cole. Les cheminements de baisse de la

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fécondité sont multiples : il n’y a pas pour cet auteur un modèle unique de transition démographique (1994 : 77).

A importância do contexto histórico e social é também suscitada por Kreager (2008). Este autor sustenta que em muitas culturas nem sempre as taxas de fecundidade evoluem no sentido de uma simples reposição demográfica. Ao contrário, referencia vários trabalhos que mostram em muitas comunidades observadas, mudanças de hábitos procriativos sem alterações nas estruturas tradicionais e comunitárias, relação vital para a compreensão da transição demográfica europeia.

De um ponto de vista estritamente demográfico, o processo de transição demográfica gerou quatro grandes mudanças que tiveram (têm) fortes impactos nas sociedades. Ronald Lee e David Reher apresentam uma síntese dessas quatro mudanças: nas estruturas e distribuição das idades das populações; na dimensão e na estrutura das famílias; na mudança do papel das mulheres na sociedade; na importância do investimento no capital humano.

1) As just mentioned, any long-term reduction in fertility will lead to lasting changes in population age structures. Initially these changes affect the relative importance of working-age populations (…) Further on, however, low fertility reduces the growthrate of the working-age populations and brings about a top- heavy age structure and rising old-age and total dependency.

(…) The process of aging may be the one of the most important effects on demographic transition as it has a multiple and wide-ranging social and economic implications for society.

2) Reduction in fertility coupled with increasing life expectancy have a direct effect on kin groups (…) once fertility and mortality declined, family size diminished. 3) (…) increasing reproductive efficiency leads to a dramatic liberation in the time

spent by mothers in bearing and rearing children. This fundamental alteration in women’s lives leads to a host of changes influencing women and their role in society.

4) (…) Substantially longer life raises the return to investments in human capital and greatly expands the years spent at older ages, where labor supply is diminished or there is outright retirement. (2011:2)

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Em suma, a transição demográfica transformou (transforma) a demografia das sociedades: de sociedades com muitas crianças e poucos idosos para sociedades com poucas crianças e muitos idosos; de sociedades com baixa esperança de vida para sociedades com uma cada vez maior esperança de vida; de sociedades onde o papel da mulher estava fortemente centrado na vida familiar para sociedades onde o papel da mulher se alterou significativamente; de sociedades com redes de parentesco muito alargadas de tipo horizontal para sociedades com redes de parentesco estreitas mas muito mais verticalizadas.