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Capítulo I: Da população às políticas: enquadramento teórico da pesquisa

2. Da população às políticas: enquadramento teórico

2.2. Teorias e Doutrinas de População

Quando se abordam conceitos (definições) relacionados com a temática das Políticas de População torna-se imprescindível, neste contexto, refletir sobre as ideias de Teoria e Doutrina. Dado que no nosso trabalho se analisam Programas de Governo, fortemente doutrinais, esta distinção assume particular relevância.

Teoria pode ser definida como sendo um conjunto coerente e lógico de argumentos que se pensa poder explicar um dado fenómeno (Manheim et al, 2008). Já para Birou «(…) a Teoria é a construção do espírito capaz de dar conta, de explicar, diversos resultados adquiridos e observados que ela ordena e recapitula numa síntese explicativa. A Teoria procura remeter diversos fenómenos ou saberes vários a alguns princípios simples ou a um princípio único. Tenta destrinçar, a partir de uma hipótese mais englobante que os precedentes, um pequeno número de leis, ou a lei única que rege um conjunto de elementos, de factos ou de fenómenos» (Birou, 1982:403)

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Quando falamos de Teoria falamos de um corpo de pressupostos expressos como relações entre conceitos. Teorizar sobre populações, por exemplo, é construir um corpo de assunções que organiza, explica, e permite prever padrões de comportamento dessas mesmas populações.

Nenhuma Teoria da População pode explicar ou compreender a totalidade dos fenómenos sociais a ela associados. Há ideias diferentes sobre como funciona o mundo. Manheim et al (2008:32) referem que uma Teoria pode deixar de ser útil enquanto «ferramenta intelectual», quando comparada com outras Teorias. Por sua vez Neuman distingue dois tipos de Teorias: positivistas e interpretativas (1997:63). As Teorias positivistas procuram leis causais probabilísticas que possam ser usadas para predizer padrões gerais de atividade – leis universais. Já as Teorias interpretativas pretendem fornecer informações sobre a forma como as pessoas criam e mantêm os seus mundos sociais (Neuman, 1997:68). Nesta última tradição, a realidade é aceite como socialmente construída.

As três principais Teorias de População -Teoria da População de Malthus, Teoria do Ótimo da População e a Teoria da Transição Demográfica - enquadram-se na classificação descrita.

Para além da orientação teórica, Merton (1968) estabelece uma distinção das Teorias através das suas características intrínsecas. Para este autor, as teorias podem ser classificadas em Teorias de longo alcance, médio alcance e curto alcance.

As Teorias de longo alcance dão uma visão completa de todos os aspetos. Já as Teorias de médio alcance diferem das generalizações empíricas diárias, pois tais teorias consistem em suposições que tornam possível a dedução de variáveis testáveis. Merton considera que uma Teoria de médio alcance descreve um fenómeno de uma forma relativamente elementar. Uma boa Teoria adquire valor teórico através da sua utilização e a sua utilidade pode ser testada pela capacidade de colocar novas questões, tanto teóricas como empíricas.

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As Teorias de médio alcance não são necessariamente deduzidas de um quadro de referência global, embora se possam encaixar nesse mesmo referencial. Merton chega a argumentar que as Teorias de médio alcance podem agrupar-se em diferentes quadros de referência globais.

Por sua vez as Teorias de curto alcance fazem observações, mas não as ligam umas às outras ou a variáveis contextuais explicativas.

Qualquer Teoria (as Teorias de População em particular) deve possuir um grande equilíbrio entre as características que vários autores lhe atribuem (Gering,2001; King et al., 1994; Manhein et al., 2008), a saber:

a) Generalização/abrangência. Uma boa Teoria deve abranger uma variedade de fenómenos;

b) Detalhe. Esta característica reporta-se à capacidade de uma Teoria abranger o máximo de características de um dado fenómeno;

c) Precisão. Os conceitos de uma teoria devem ser formulados de uma forma clara e não ambígua;

d) Consistência. Uma Teoria não pode conter contradições nas suas proposições;

e) Validade empírica. Deve existir evidência de que a prática vai ao encontro das proposições formuladas;

f) Parcimónia. Para ser útil e generalizável, qualquer modelo teórico deve ser o mais simples possível;

g) Falsificabilidade. Qualquer Teoria deve permitir ser colocada em causa através de argumentos distintos que a contradigam;

h) Utilidade/relevância. Uma boa Teoria deve servir para orientar, resolver ou melhorar a realidade.

A Teoria da População de Malthus, a Teoria do Óptimo da População e a Teoria da Transição Demográfica, todas elas, com maior ou menor equilíbrio, apresentam estas características.

A outra noção muito importante para as Políticas de População é a ideia de Doutrina. Em termos muito genéricos, Doutrina é definida como um conjunto de princípios que servem de base a um sistema que pode ser filosófico, literário,

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político ou mesmo religioso. A. Birou numa definição sintética inserida no Dicionário de Ciências Sociais apresenta a Doutrina como sendo:

(…) ideia de um corpo de verdades sistematicamente organizadas e ligadas entre si, de modo a constituírem uma síntese intelectual e um todo explicativo, consideradas como bastando-se a si próprias.

Uma doutrina será então um conjunto de teses complementares cumulativas entre si, apresentadas organicamente como expressão da verdade (…) uma doutrina, ao mesmo tempo que se pretende explicação superior e verdade última, assume um carácter prescritivo que a diferencia da Teoria e lhe coloca uma dimensão normativa. Assim, uma doutrina económica ou social pretende-se indicativa do que se deve fazer. (Birou, 1982:124)

As Doutrinas, em particular as Doutrinas demográficas, têm muitas vezes um problema que Le Bras refere: a dificuldade em saírem do senso comum. Para Le Bras a Demografia quando generaliza pode ser muito útil pelo aprofundamento e interpretação dos dados estatísticos, mas também pode não passar de um amplificador das ideias do senso comum. Para este mesmo autor uma doutrina « (…) est moins charpentée qu’une théorie e plus directement en rapport avec l’action qu’une idéologie. Doctrine par sa parenté avec l’adjectif doctrinaire marque aussi un décalage entre la realité e sa perception sociale sans que ce décalage devienne un gouffre comme dans les cas de l’idéologie». (Le Bras. 1997 :84)

Num contexto específico, um outro autor (clássico) Sauvy, numa obra marcadamente histórica, estabelece uma interessante ligação entre doutrina de população e atitudes.

Uma doutrina de população é um conjunto de ideias correctamente explicitadas que, esforçando-se por ser coerente e enquadrar suficientemente as realidades, sugere ou dita um certo número de posições ou de atitudes sobre diversos problemas: natalidade, prática antinatais, alojamentos familiares, reformas e velhice, etc. (Sauvy, 1944:137).

Em termos muito concretos, os partidos políticos e os Governos (fortemente influenciados por aqueles) assumem claramente uma doutrina sendo, na

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maioria das vezes, as suas propostas coerentes com os pressupostos previamente assumidos, como se de uma teoria se tratasse.