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O LUGAR DE ONDE FALAMOS

CURSO TEMPO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL NO

2.2 PRIMEIRA VIA DE INTERPRETAÇÃO: A ANÁLISE DE CONTEÚDO

Surgida no início do século XX, a análise de conteúdo trouxe consigo as marcas do behaviorismo então predominante e, com isso, a perspectiva quantitativa como ênfase de sua realização, apesar das muitas formas de efetivação por que passou ao longo do tempo. Em decorrência dessas alterações, a segunda metade do século já registrava diferentes posicionamentos acerca da técnica, de sua eficácia e de seu grau de cientificidade, algo que refletiu em divergências entre teóricos e pesquisadores quanto à defesa da perspectiva quantitativa ou qualitativa da técnica. Essas divergências, entretanto, impulsionaram novos olhares para a realidade existente e a conciliação dos termos também despontou, defendida por vários estudiosos, como um fato igualmente passível de se concretizar com esse tipo de análise (GOMES, 2010).

Desse modo, podemos afirmar que a escolha da análise de conteúdo como meio de interpretação dos dados de uma pesquisa não se vincula unicamente a uma opção do pesquisador, mas a todo o procedimento adotado, ao tipo de material existente para a análise, aos objetivos a que se propõe a investigação e, principalmente, ao objeto de estudo enfatizado. Foi, portanto, a partir dessa consideração e da articulação quantiqualitativa permitida pela referida técnica de análise que a buscamos como conduto para o tratamento do material resultante do PCM, além da atenção ao fato de que este tipo de análise, principalmente em sua

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vertente semântica, tem sido uma das mais utilizadas “no terreno das representações sociais no Brasil” (ARRUDA, 2005, p. 248).

A literatura existente sobre o PCM também tem mostrado a análise de conteúdo como um recurso de amplo uso para a interpretação das justificativas atribuídas pelos participantes às categorizações então elaboradas, sobretudo, no momento da Classificação Livre, como descreve Roazzi (1995, p. 20): “A análise de conteúdo é um método [...] muito eficaz para explorar, em uma primeira instância, os tipos de critérios utilizados pelo entrevistado nas classificações livres”. No entendimento deste autor, esse fato mostra-se favorável porque ainda que os participantes utilizem diferentes definições para suas categorias ou critérios de classificação, isso não impede de estarem se referindo a um mesmo tema.

Nesses termos, a análise de conteúdo sobre o material advindo do PCM apresenta relevância por buscar, em meio ao construto dos participantes, não apenas a alocução explícita, mas também os significados latentes indiretamente contidos em suas palavras, nas relações e estruturações que ficam nas entrelinhas, nos enunciados subentendidos, afinal, “o ponto de partida da Análise de Conteúdo é a mensagem, seja ela verbal (oral ou escrita), gestual, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente provocada” (FRANCO, 2007, p. 12). Essa mensagem, no entanto, nem sempre se localiza de modo explícito na produção, mas em um conteúdo velado, cujo alcance requer análise cuidadosa, leitura detalhada, específica, tendo como cerne o objeto em estudo. De acordo com a autora43,

o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado, e/ou simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto (seja ele explícito e/ou latente). A análise e a interpretação dos conteúdos obtidos enquadram-se na condição dos passos (ou processos) a serem seguidos (p. 28).

A análise de conteúdo constitui-se, assim, em um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visa obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos aplicados sobre o conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos a essas mensagens (BARDIN, 2011). É nesse contexto, portanto, que se localiza o uso dessa análise em trabalhos voltados ao fenômeno das representações sociais, posto que

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As mensagens expressam as representações sociais na qualidade de elaborações mentais construídas socialmente, a partir da dinâmica que se estabelece entre a atividade psíquica do sujeito e o objeto do conhecimento. Relação que se dá na prática social e histórica da humanidade e que se generaliza via linguagem. Sendo constituídas por processos sociocognitivos, têm implicações na vida cotidiana, influenciando não apenas a comunicação e a expressão das mensagens, mas também os comportamentos (FRANCO, 2007, p.12).

Assim, na abordagem específica de nossa pesquisa, adentramos nos conteúdos expressos individualmente pelos participantes e, na análise de suas considerações, visamos localizar elementos comuns e partilhados socialmente pelo grupo ao qual esses participantes encontram-se vinculados. Com isso, garantimos uma análise sistemática do material resultante do PCM respeitando os interesses da investigação e, nesse ínterim, atendemos ao requisito da contextualização, quando interpretamos os dados considerando sua origem, os contextos sociais e históricos que envolvem sua produção, seu conteúdo e os fins a que se destinam, algo necessário para o momento da análise como meio de assegurar a relevância dos resultados alcançados (FRANCO, 2007).

Para tal realização, a análise de conteúdo estrutura-se em fases que melhor definem sua efetivação, a saber: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A primeira dessas fases, a pré-análise, consiste na organização do material que será estudado e no estabelecimento de algumas atividades a serem concretizadas, dentre elas: a formulação de hipóteses e objetivos, que servirão de confronto com os resultados finais; e a leitura flutuante que, em analogia à atitude do psicanalista, centra-se no contato inicial e mais generalista com o material. Inicialmente visa conhecê-lo e, posteriormente, vai tornando-se mais precisa e direcionada em função das hipóteses então emergentes (BARDIN, 2011).

A exploração do material – ou fase da análise propriamente dita – compreende a administração sistemática dos levantamentos resultantes da fase anterior e funda-se na codificação e estruturação dos dados mediante as definições previstas para o trabalho. Por fim, o momento de tratamento dos resultados, inferência e interpretação centra-se na ordenação significativa e válida desses dados, quando se pode confrontar os resultados obtidos com as hipóteses e os objetivos iniciais, assim como as construções alcançadas chegam ao nível das definições, publicações e socializações44.

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Nessa terceira fase, a inferência é apontada como um item essencialmente importante a ser considerado, por possibilitar ao investigador o estabelecimento das relações necessárias entre as descobertas reveladas pelos dados e as teorias que circundam e explicam esses achados. Franco (2007) afirma que produzir inferência é a razão da análise de conteúdo, pois é ela que confere relevância teórica a este procedimento ao propiciar, no mínimo, uma comparação com outros dados, outros achados, sendo a teoria um vínculo constituído entre eles, uma vez que a pura descrição das informações contidas no conteúdo institui um valor menor. Nessa compreensão, a autora assim se posiciona:

Se a descrição (a enumeração das características do texto, resumida após um tratamento inicial) é a primeira etapa necessária e se a interpretação (a significação concedida a essas características) é a última fase, a inferência é o procedimento intermediário que vai permitir a passagem, explícita e controlada, da descrição à interpretação (p. 29) (grifos da autora).

Seguindo essa estrutura, a análise de conteúdo é tomada como “um leque de apetrechos; ou com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações” (BARDIN, 2011, p. 37). Por esta amplitude que então determina o seu campo de aplicação, esse tipo de análise tem, na sua disparidade de formas, diferentes elementos em que podemos nos ater no material de estudo, o que se configura na definição de “unidade de registro” ou “de contexto”. Ambas podem ser sintetizadas como os segmentos de conteúdo recorrentes no texto que serão considerados como unidade base na análise. No caso da primeira, visa à categorização e a contagem frequencial, podendo ter por segmento a palavra, o tema, o objeto ou referente, o personagem, o acontecimento ou o documento; a segunda, por sua vez, destaca um segmento com dimensões maiores do que as da unidade anterior, podendo servir para a significação contextual que envolve aquela, como: a frase em relação à palavra ou o parágrafo para o tema, dentre outros45.

Pela natureza de nossa investigação e, em virtude do volume de material dela resultante, percebemos a unidade de registro como a mais correspondente à análise, tendo o tema como segmento a ser adotado para o trabalho categorial. Em relação a esse segmento, Bardin (2011, p. 135) o define como “a unidade de significação que se liberta naturalmente de

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um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura”. Assim, a análise temática busca descobrir os “núcleos de sentido” existentes na comunicação, cuja presença ou frequência de aparição corresponde ao objetivo analítico escolhido46. No entender de Franco (2007, p. 42), “o tema é considerado como a mais útil unidade de registro em análise de conteúdo”.

Em nossa pesquisa, após o processo de leitura flutuante e, posteriormente, de leituras mais sistemáticas sobre o material resultante das classificações livre e dirigida do PCM – o que compreende as primeiras fases na realização da análise de conteúdo – detectamos oito (08) temas ali existentes. Esses temas, apesar de terem suas explanações e interpretações constantes nas análises componentes do próximo capítulo, aparecem aqui sintetizados de modo mais objetivo enquanto levantamento inicial correspondente ao referido procedimento de análise. Tal síntese consiste no conteúdo expresso no quadro 2.

Quadro 2 – Temas resultantes das Classificações Livre e Dirigida do PCM. 01. A importância da formação docente para o fazer profissional.