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COM A FORMAÇÃO DOCENTE

FACETA ITEM PADRÃO DESVIO MÍNIMO MÁXIMO

4.2 SEGUNDA FACETA: O QUE CONTRIBUI PARA A CONSTRUÇÃO DO SER DOCENTE?

Formada por um conjunto de itens percebidos como peculiares ao professor, a segunda faceta da figura 5 alcança, na maioria das explicações a ela referentes, o mesmo discurso centrado na ideia de um grupo de atributos do ter e do ser então necessários ao docente. Com isto, os licenciandos elencam predicados tidos como indispensáveis ao professor em sua condição profissional, o que se traduz em palavras como autonomia, interatividade, competência, esforço, paciência e domínio enquanto qualidades que o professor deve ter; e também diferencial e exigente como questões essenciais ao seu ser. Por essa natureza que a

faceta aparece intitulada como A construção do ser docente, sinalizando as concepções dos participantes sobre o que constitui este profissional.

Nesses termos, vale retomar, inicialmente, a diferença ora percebida em comparação com a região de mesmo título encontrada na projeção da análise MSA, cuja peculiaridade centra-se na transferência dos itens ética e profissionalismo para a faceta 1 e do exigente, localizado na figura 4 – MSA – na região denominada por Aspectos didático-pedagógicos da formação e que no momento aparece como uma característica necessária ao professor. Tendo em vista que os dois primeiros já foram explanados no tópico anterior, mostra-se importante que nos detenhamos nas explicações concernentes a este último.

A este respeito, podemos dizer que apesar de ter sido agrupado vinculando-se a todos os critérios disponíveis aos participantes – do muitíssimo ao não associado –, o termo exigente foi, em sua predominância, considerado como mais ou menos associado às disciplinas didático-pedagógicas, por distintas razões: seja por estas disciplinas não serem apontadas como tão exigentes se comparadas às demais componentes do curso; por serem exigentes apenas em relação às posturas e aprendizagens de ordens pedagógicas necessárias ao professor; ou, ainda, por terem um nível de exigência compatível com o tipo de conteúdo trabalhado em sua composição, como vemos, por exemplo, na seguinte fala: “eu acho que essas disciplinas não são tão exigentes... elas não são soltas, mas, assim, elas não exigem tanto de você como outras. Elas vão lhe ensinar como você tem que fazer, como tem que agir, como tem que tratar seus alunos e isso é bom, não é exigência demais” (P2F-Biologia).

No geral, entretanto, a palavra exigente, em meio aos agrupamentos dirigidos, obteve como explicação o fato de ser necessário ao professor possuir um índice significativo de exigência tanto consigo próprio quanto com seus alunos para o alcance de resultados cada vez mais condizentes com o desejado. Nesse sentido, ainda que a associação fosse referente às disciplinas didático-pedagógicas, as explicações atribuídas pelos licenciandos direcionavam- se ao exigente enquanto um adjetivo, sendo o professor o sujeito que o substantivava. Com relação a isto, respaldamo-nos pela identificação de falas como:

[...] temos que ser exigente não só com as pessoas, com os alunos, mas com a gente mesmo. Temos que exigir de nós mesmos o que nós achamos que as pessoas devem fazer, deve ser de nós que temos que exigir mais ainda. Seremos os professores, então... (P14F-Física).

O professor tem que ser exigente ao ponto que o aluno... ele vá se interessar em pesquisar, em fazer as atividades. Ele tem que procurar um modo pra que o aluno venha se interessar por isso e isso faz parte da exigência que ele tiver (P12M-Química).

Nesse contexto, mesmo que as explanações não tenham se distanciado completamente daquelas adotadas na classificação livre, entendemos que algumas peculiaridades mostraram- se presentes no agrupamento dirigido e, consequentemente, na mudança de espaço onde foi projetado o item em análise. Algo que, em nossa compreensão, condiz com as mesmas razões justificadoras antes apresentadas para as palavras ética e profissionalismo.

Ademais, outro fato que merece atenção na análise dessa segunda faceta diz respeito à distribuição dos itens no espaço delimitado. Uma vez que a análise SSA remete-se à intensidade da correlação entre as variáveis, de modo que a aproximação entre os pontos reflete a natureza dessa intensidade (ROAZZI, 1995), percebemos que se excetuando as palavras paciência e esforço que demonstram relativa proximidade, todas as demais se localizam de modo bastante disperso ao longo da delimitação da faceta. Com isto, podemos inferir que apesar das variáveis retratarem elementos que fazem parte da construção do ser docente, que permeiam sua composição enquanto profissional, ligando-se diretamente a este, não o fazem em relação a elas próprias, ou seja, as justificativas e explicações cabíveis a uma não interage proporcionalmente às das outras.

Nesse sentido, o ponto de convergência é A construção do ser docente. Todas as palavras dizem respeito à natureza dessa construção, ao que nela deve ter ou que o professor deve ser, entretanto, a ausência de um ou outro desses atributos não representa uma fragmentação na potencialidade dos demais. Cada um deles apresenta sua especificidade e relevância em relação ao ponto fulcral que intitula a faceta, porém, sem que com isto estabeleça uma correlação que os tome frente aos demais. A autonomia dos pontos sobrepõe- se, portanto, como característica aparente na mencionada distribuição projetiva.

Não obstante, faz-se importante atentar à constatação de que as palavras componentes dessa segunda faceta, mesmo distribuídas numa variação desde o muitíssimo até o não associadas ao estímulo, trouxeram, no conjunto de suas justificativas, uma identificação muito próxima das definições explanadas anteriormente, não ocorrendo discrepâncias significativas em relação às explicações atribuídas à classificação livre. Dessa forma, todas se concentraram na demarcação do que o docente deve ter ou como deve ser em seu fazer profissional, conforme exposto em menções como as seguintes:

O professor tem que ser um pouco exigente porque ele não pode também deixar que os alunos façam o que quer da aula. Vai ter que ter interatividade com os alunos, né? Ter competência em saber explicar aquele assunto que tá sendo estudado, pro aluno poder aprender. E ele tem que ter um pouco de paciência com os alunos também porque... né? Na realidade... cada sala de aula tem uma situação diferente. Aí ele vai ter que ter uma paciência pra poder conhecer aquela sala de aula (P6F-Química).

Eu vejo, assim, que essas disciplinas têm uma relação direta na formação do professor, né? E pra essa formação é preciso muita coisa... primeiro você precisa ter paciência. Não dá pra pensar em ser professor sem ter paciência. Domínio... eu não consigo pensar em ser docente sem ter domínio do meu trabalho, paciência, sem entender o que é importante para esse trabalho, sem a aprendizagem, a competência e a autonomia. [...] querendo ou não você vai ter que ter interatividade. Você tem que ter uma postura exigente porque lhe exigem e você também tem que exigir seus direitos. Por isso essas palavras têm essa associação... (P1M-Espanhol).

Então eu coloquei algumas palavras aqui que são muito associadas: autonomia, diferencial... ainda mais pra gente que vai ser professor, essas disciplinas são fundamentais e a gente precisa ter. Mas pra gente ser um bom professor, a gente precisa ter isso aqui, que é o domínio; o domínio dessas disciplinas pra não deixar o ensino como está (P10M-Matemática).

A ideia de um conjunto de atributos necessários ao docente ter e que demarcam como o mesmo deve ser destaca-se novamente como fator basilar à constituição do profissional. Isso nos remete à noção de ordem estendida para mais de uma faceta que acomete o tipo associado definido por Roazzi (1995), levando-nos a entender que se na primeira evidenciaram-se os itens referentes ao processo formativo e aos aspectos que resultam como aprendizagem específica desse processo; na segunda, anunciam-se características que destacam a composição esperada de um professor, o que retrata a necessidade de que todos aqueles elementos vinculados à formação também estejam presentes. Desse modo, a concepção que se assume enquanto imagem do docente vincula-se diretamente à existência de todos esses fatores em sua constituição, ou seja, a figura do bom professor retrata-se no profissional que apresenta tais características.

A análise dessa segunda faceta e do retorno à definição figurativa desse bom professor atrelada às disciplinas didático-pedagógicas nos reporta mais uma vez ao mecanismo da objetivação – evidenciado no capítulo anterior –, lembrando-nos que esse mecanismo “consiste em materializar as abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o impalpável, enfim, transformar em objeto o que é representado” (NÓBREGA, 2001, p. 73). Nesse decurso, vale resgatarmos os três movimentos (SANTOS, 2005) ou três fases

(NÓBREGA, 2001) da objetivação: a construção seletiva, a esquematização estruturante ou núcleo figurativo e a naturalização dos elementos (SANTOS, 2005; NÓBREGA, 2001).

Segundo essas autoras, a construção seletiva ou processo de seleção e descontextualização consiste na seleção e retenção de apenas alguns elementos, dentre a dispersão de informações existentes sobre os objetos sociais. Nessa seleção pesam os conhecimentos anteriores dos indivíduos vinculados a critérios culturais – mediante as condições de acesso às informações em virtude do pertencimento ao grupo – e também a critérios normativos – “que exercem a função de retenção dos elementos de informações, preservando a coerência com o sistema de valores próprios do grupo” (NÓBREGA, 2001, p. 74).

Dessa maneira, observamos que mesmo tendo acesso a uma gama de conhecimentos teórico-científicos sobre a educação como um todo e a docência em particular, proporcionado pelos estudos didático-pedagógicos, os elementos que favoreceram a imagem então objetivada não resulta unicamente dessa constituição, mas da interação de tudo isso com os saberes já dominados pelos licenciandos sobre a realidade educacional, a figura do professor, de seu trabalho e do que se espera social e pedagogicamente deste profissional. Assim, a construção seletiva dessa objetivação não se remete apenas ao construto dos saberes recém-adquiridos, mas à retenção que se faz deste intercambiada pelos interesses e singularidades que configuram o grupo. É por esta razão, portanto, que na relação com as disciplinas didático- pedagógicas a figura a que se detêm os participantes remete-se a algo inquestionavelmente presente nas discussões que acometem uma coletividade largamente denominada por futuros docentes, mas ainda estudantes: a do bom professor.

Os dois últimos movimentos da objetivação, a esquematização estruturante ou núcleo figurativo e a naturalização dos elementos, sintetizam-se, no primeiro caso, na “construção de um modelo figurativo, um núcleo imaginante a partir da transformação do conceito” 62 (p. 32); e, no segundo, na identificação dos elementos construídos socialmente como sendo da realidade do objeto (SANTOS, 2005). Neste último sentido, “o conceito deixa de ser pura ideia, e até mesmo uma simbolização da imagem, para tornar-se uma entidade autônoma” (NÓBREGA, 2001, p. 75). Em nossa pesquisa, notamos que essa naturalização retrata-se no entendimento de que existe um conjunto de características que definem o bom professor e que estas fazem parte, são intrínsecas à profissão. Dessa forma, é como se fosse natural ao

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Esse movimento, devidamente aprofundado por estudiosos como Abric (1998) e Flament (2001) voltados à abordagem estrutural da representação social, centra-se na ideia de que essa representação organiza-se em torno de um núcleo central que determina sua significação e organização (NÓBREGA, 2001).

docente: ser responsável, ter profissionalismo, advir de uma formação consistente, dominar os conteúdos a serem ministrados e adotar metodologias favoráveis à apreensão destes, preocupar-se com a correspondência entre os processos de ensino e de aprendizagem, ser dedicado, desenvolver relações amistosas com os demais profissionais e com os alunos, dentre outros atributos que, socialmente, não condizem direta e igualmente com a realidade do referido profissional.

Nesse cenário, a objetivação configura-se mediante a naturalização dos elementos outrora selecionados e que, nesse entendimento, são definidores da imagem construída do fenômeno representacional. Dessa perspectiva, inferimos que uma vez elencados os predicados necessários ao bom professor e sendo este o modelo figurativo que decorre do objeto disciplinas didático-pedagógicas, condiciona-se a apreensão de que todos esses predicados decorrem do estudo destas, logo, tornam-se naturais na formação, na vivência e no fazer daquele profissional.

A par dessa compreensão, vale reportarmo-nos às ideias que permeiam a representação social ora investigada: a da formação docente como necessária à constituição profissional, a de que as disciplinas didático-pedagógicas ensinam a ser professor e, principalmente, de que este profissional pode sempre carregar consigo o adjetivo de ser bom no que faz, para tanto, compete-lhe personificar um conjunto de características que especificam o seu fazer.

Essa concepção, conforme discutido no terceiro capítulo desta produção, longe se ser algo limitado e apenas decorrente da visão de licenciandos ainda em processo inicial de formação, na verdade, permite que nos aproximemos do entendimento que os mesmos vêm construindo acerca da profissão e do profissional, o que favorece, aos envolvidos, um olhar mais atencioso sobre o curso, as discussões e compreensões dele decorrentes e, em nosso caso, das funções e resultados alcançados com o trabalho das disciplinas didático- pedagógicas.

Tal qual a abordagem anteriormente tratada a este respeito, Sousa, Bôas e Novaes (2011, p.630) nos fazem lembrar que

O entendimento das representações sociais do professor sobre seu trabalho tem desvelado como os docentes compreendem e explicam o sentido da profissão, os fatores que os conduzem a um bom desempenho, os vínculos que mantêm com seu trabalho e definem sua identidade social, as expectativas que têm em relação ao seu futuro profissional e que orientam sua escolha de formação, bem como os saberes que os constituem enquanto professor.

Nesse direcionamento, a defesa volta-se à noção de que a representação social dos licenciandos sobre as disciplinas didático-pedagógicas permite-nos pensar acerca da natureza dos cursos que os mesmos frequentam e seus impactos sobre a apreensão da docência, do docente, do papel a ser exercido pelo profissional oriundo de tais cursos. Nisto, evidenciam-se questões voltadas tanto à base didático-pedagógica então constituída ao longo do processo quanto à relação desta com a área específica do curso e, nesse ínterim, ao trabalho desencadeado pelos profissionais responsáveis pelas referidas disciplinas.

Com vistas a questões semelhantes, Santos e Andrade (2002) apresentam o resultado de uma pesquisa realizada com estudantes de diferentes cursos de licenciatura da Universidade Federal da Paraíba63 – UFPB –, cujo objetivo centrava-se em identificar as representações sociais de disciplinas pedagógicas e, em meio a isto, analisar o paradoxo entre a escolha pela profissão de professor, por um lado, e por outro, a desvalorização das mencionadas disciplinas, consideradas, naquele contexto, como ‘tamboretes’.

Ponderadas as respectivas distinções concernentes a cada uma das licenciaturas, no geral, os autores encontraram como resultados o fato de a maioria dos estudantes não ingressar nos cursos visando ser professor, mas como meio de não perder tempo até o alcance da formação almejada, como é o caso de História para o curso de Direito, por exemplo; ou, ainda, por ter sido o trajeto mais fácil para alcançar o vínculo universitário. Ademais, apesar da negatividade em relação à docência, as falas apontam que na decorrência do curso e das vivências por este proporcionadas ocorrem mudanças nessa perspectiva, indicando alguns olhares mais sensíveis a essa ideia, ainda que as desvalorizações social e financeira sejam destacadas como causas fortemente determinantes para o repúdio à profissão.

No que tange às disciplinas pedagógicas, sua condição de inferior às demais – tamboretes em detrimento às cadeiras – é reforçada pela dicotomia que acomete a maioria dos cursos: disciplinas pedagógicas versus disciplinas específicas. Além disso, tal fato relaciona- se diretamente com a negatividade que se sobrepõe à possibilidade da docência enquanto profissão. Nesses trâmites, na pesquisa mencionada, as disciplinas em estudo, enquanto supostamente responsáveis pela formação para a prática, são traduzidas como “chatas, desinteressantes, muito teóricas e de questionável importância” (SANTOS e ANDRADE, 2002, p. 185, grifos dos autores).

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Pesquisa realizada entre os anos de 1996 e 2000, intitulada “A educação pelos licenciandos” e realizada com o apoio do Programa de Licenciatura – PROLICEN/UFPB. Contou com a participação de diversos professores vinculados aos cursos de Pedagogia, Ciências, Educação Artística, Educação Física, História e Letras.

Não obstante, esses resultados nos alertam para a distinção evidenciada em nosso estudo no que tange à representação social de disciplinas didático-pedagógicas no âmbito das licenciaturas do IFRN e, mais que isto, nos impulsiona a pensar sobre as razões que expõem uma perspectiva menos repudiante – diríamos até bastante acolhedora e compreensiva – dos licenciandos desse Instituto acerca das referidas disciplinas, ainda que suas justificativas para o ingresso nos cursos, na maioria dos casos, também não correspondam a interesses pessoais pela docência enquanto profissão – semelhante ao ocorrido com os entrevistados da pesquisa anteriormente mencionada.

Esse cenário, cuja essência condiz com a questão central de nossa investigação, remete-nos também para a compreensão que os participantes empregam a construção do ser docente enquanto abordagem da faceta em análise. Ora, perceber as disciplinas didático- pedagógicas como aportes para o entendimento do fenômeno educativo e da prática profissional leva a uma relação muito próxima entre esses contextos e as características que o bom professor deve apresentar, principalmente se o fazer deste não for visto com uma negatividade tão marcante – como acontece com esses participantes. Desse modo, notamos que o conteúdo da referida faceta, além de retratar essas características, denota a capacidade de concebê-las, construí-las, aperfeiçoá-las, fazê-las eclodir e evoluir no processo formativo, sobretudo, mediante os estudos didático-pedagógicos. Nessa percepção, tais disciplinas não propiciam apenas a constituição do bom professor, mas a compreensão do que é necessário para que este exista e de quais mecanismos se interpelam durante a trajetória profissional.

É com definições como esta, portanto, que concretizamos a interpretação da faceta em evidência, conscientes de que se seu conteúdo em muito corresponde com as defesas também encontradas na região de igual título da análise MSA, porém, com aprofundamentos outros. Nessa condição identificamos além da significação atribuída às características concernentes à constituição dos docentes, a responsabilidade concedida pelos licenciandos do IFRN às disciplinas didático-pedagógicas nesse processo, em que saber didático-pedagógico e saber específico da área confundem-se com a própria formação daquele delineado sob a imagem do bom professor.

Ampliando nossa análise, consta ainda na projeção – figura 5 – a terceira e última faceta a ser explanada. É a ela que nos voltaremos a seguir.

4.3 TERCEIRA FACETA: O ELEMENTO DISSONANTE COMO UM ITEM A SER