• Nenhum resultado encontrado

DISCIPLINAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS: DESVELANDO O UNIVERSO SIMBÓLICO DOS LICENCIANDOS

ELEMENTO DISSONANTE ASPECTOS

3.3 REGIÃO 3: ELEMENTO DISSONANTE

Comparada com as demais realidades constantes na projeção, a terceira região em análise surpreende tanto por contar com apenas uma palavra em sua composição quanto pela condição de, através dessa palavra, evidenciar as diversidades de entendimento retratadas pelos participantes mediante suas relações com o curso, com os professores e, consequentemente, com as disciplinas consideradas como a base deste, mais que isto, como indicadoras maiores da profissão.

Tendo sua menção na TALP vinculada à ideia de que as disciplinas didático- pedagógicas traduzem grande dificuldade de estudo para os licenciandos por exigir inter- relações do conhecimento com diferentes áreas, por vezes, afastadas dos saberes por eles dominados; ou ainda, pela quantidade de leitura, interpretação e discussão necessária, algo distante das práticas de estudo e atividades específicas de algumas das licenciaturas, como é o caso da matemática e da física, por exemplo, a palavra difícil ganhou contornos completamente distintos quando disponibilizada para as classificações do PCM. Nestas, a mesma mostrou-se, na maior parte das enunciações, como estranha, desconexa, deslocada e pouco relacionada ao objeto então investigado.

Grande parte das elocuções voltou-se à ideia de que em nada condizia o uso do termo difícil em associação às disciplinas ora tratadas, fato este tão marcante que resultou no distanciamento do ponto a ele referente de todos os demais contidos na projeção. A este respeito, localizamos falas como:

Bom... assim... o entendimento dessas disciplinas... não é difícil, por isso que eu não concordo com essa palavra na relação com essas disciplinas. As pessoas precisam é de um pouco de boa vontade pra entender o que são essas disciplinas (P11M-Matemática).

Acho que essa aqui não se encaixou... eu não digo nem pelo ensino, eu digo... uma coisa que é difícil... eu não acho... difícil... eu não vejo nada difícil... eu vejo o interesse de cada pessoa em particular, não tem nada a ver com as disciplinas, elas não são difícil (P7M-Física).

Isso aqui eu acabei não achando um lugar para ela. Disciplinas pedagógicas... difícil... não acho (P3M-Informática).

As vezes em que o termo difícil ganhou significado nas justificativas, geralmente, corresponderam à sua associação a outros aspectos referentes ao curso, como: a falta de base

para o estudo das disciplinas específicas, por exemplo, fazendo com que o curso se mostrasse difícil; as singularidades a serem consideradas para a prática como o comportamento dos alunos, o desenvolvimento de metodologias interativas, o relacionamento com a gestão, dentre outros; a relação com alguns professores de disciplinas específicas, cujo distanciamento promoveu dificuldades na aprendizagem; ou, ainda, a falta de tempo para os estudos em função de trabalho, causando dificuldades no acompanhamento das atividades.

De modo geral, percebemos que a referência ao termo mostrou-se tão destoante que ou o mesmo era apresentado como dissociado das disciplinas didático-pedagógicas ou quando recebia atenção para ser explicado em meio às demais palavras, fugia ao núcleo do objeto investigado, ganhando proporções relativas a outros aspectos constituintes do curso em sua totalidade.

Mediante essas explanações, duas circunstâncias despertou-nos o interesse no que diz respeito à compreensão dessas disciplinas enquanto difíceis ou não: a primeira delas, a identificação do licenciando com a docência e o desejo de assumi-la como profissão; e a segunda, a ligação estabelecida entre as disciplinas e suas conduções pelos professores formadores.

Na primeira situação, observamos que para os licenciandos ingressantes no curso por escolha, opção pessoal, e também para aqueles que foram descobrindo sua identificação ao longo do processo, estudar as disciplinas didático-pedagógicas, longe de se apresentar como uma tarefa difícil e enfadonha, uma obrigação a ser cumprida, revelava-se como algo prazeroso por propiciar conhecimentos e descobertas concernentes ao agir nas situações de ensino e de aprendizagem, desenvolvendo saberes indispensáveis à ação de programá-las, prepará-las, vivenciá-las, torná-las agradáveis e proveitosas. Essas disciplinas assumiam, nessa compreensão, o sentido da ancoragem, antes apresentado, de ensinar a ser professor, logo, fortemente desejáveis e necessárias. Revelando esse contexto, percebemos expressões como:

Difícil ficou sozinho porque eu acho que não é difícil aprender essas disciplinas, não acho difícil, na verdade, elas ajudam a gente entender a profissão, como vamos fazer, o que precisa fazer... essas coisas, assim, e isso não é difícil, isso é o que a gente precisa mesmo (P19M-Física).

Difícil por quê? Eu acho que quando a gente quer uma coisa e luta por ela, não existe nada que a gente não possa conseguir. E se eu quero ser professor... não tem nada de difícil nessas disciplinas, nada a ver (P5M- Matemática).

Em relação ao segundo caso, entendemos que os licenciandos associam o interesse pela disciplina com a condução, as práticas, a forma como o professor formador estabelece as interações entre o conteúdo trabalhado com as demais disciplinas do curso e as situações reais em que o conhecimento poderá ser utilizado, além de considerarem também a relação professor-aluno estabelecida com esse formador. Desse modo, o papel deste profissional se traduz em uma base em que se amparam, se espelham ou não, os futuros professores e, assim como acontece em outras circunstâncias, isso reflete diretamente na apreensão e no vínculo estabelecidos com as disciplinas didático-pedagógicas55, algo correspondente com a abordagem realizada no segundo capítulo desta produção.

Considerar os efeitos da relação professor-aluno nos processos de ensino e de aprendizagem nos remete à ponderação de Freire (1998, p. 160-161) quando afirma que é

[...] preciso descartar como falsa a separação radical entre seriedade docente e afetividade. Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações com os alunos, no trato dos objetos cognoscíveis que devo ensinar. A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético do meu dever de professor no exercício de minha autoridade. [...] a prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje (Grifos do autor).

A relação estabelecida pelos professores da área didático-pedagógica nos cursos de licenciatura do IFRN56 com os estudantes, bem como as conduções por eles assumidas em

55

Neste caso, chamamos a atenção para as disciplinas didático-pedagógicas pelo fato de um número expressivo de licenciandos assumir que o ingresso no curso ocorreu vinculado a diferentes fatores – econômicos, sociais, dentre outros – e não a uma opção pessoal, logo, por se associarem diretamente à docência, essas disciplinas, de imediato, são idealizadas como pouco atrativas. Porém, os discursos proferidos no decorrer da pesquisa mostraram que as vivências propiciadas, os estudos, as discussões, as metodologias adotadas e, ainda, as relações estabelecidas com os professores formadores da área pedagógica acabaram por alterar a percepção inicial, elevando esses profissionais à condição de serem os primeiros procurados, consultados, para o trato com diferentes questões demandadas pelo curso, em especial, aquelas cujo desenvolvimento envolve bases práticas, metodológicas, didático-pedagógicas e relacionais com a vivência escolar.

56

Por dedicarem-se exclusivamente aos cursos de licenciatura, sobretudo nos campi do interior, esses professores, geralmente, apresentam uma carga-horária menor em sala de aula, em virtude dos números reduzidos de turmas em cada período, o que favorece uma maior disponibilidade de tempo destinado a outras atividades a que se volta à instituição, como projetos, pesquisa, orientação, dentre outros. Contando ainda com a pouca extensão territorial das Unidades, os professores apresentam fácil acessibilidade aos alunos, estreitando bem mais as possibilidades de orientação e diálogo referentes às necessidades discentes, o que reflete, diretamente, nos vínculos e aproximações estabelecidos também com a área de conhecimento a que se voltam esses profissionais.

suas aulas, foram retratadas nas justificativas de muitos licenciandos como fatores positivos tanto para a aproximação e a identificação com as disciplinas didático-pedagógicas quanto para o reconhecimento de sua importância para a formação em evidência, destituindo, com isso, o sentido do difícil na associação com tais disciplinas, como podemos perceber através do discurso abaixo:

o difícil não tem relação, nesse caso, porque eu acho que não é difícil entender as disciplinas didático-pedagógicas. Pelo contrário, é assim uma coisa que... justamente, dependendo da didática que o professor use você vai gostando mais e mais, você vai se apaixonando porque... tipo: eu amava demais as aulas da minha professora de didática. Era muito legal! E, assim, eu não achava que era difícil, eu achava que era uma construção dos alunos porque nessas disciplinas a gente vai... todo mundo pode opinar, todo mundo... tem os debates, tem aquela questão do novo. Ela sempre trazia, assim... nunca a gente tinha uma aula repetida. Era muito massa! Era diferente a aula dela. Justamente, ela entendia de metodologia, de como ensinar os alunos, ela entendia a turma. Eu acho assim... por isso que hoje eu vejo, assim, espelhando nela que as disciplinas didático-pedagógicas são realmente bastante importantes porque ela conhecia muito da gente, nos ajudava muito. Ela inovava quando ela trazia, assim, uma aula com slide... assim... na outra aula já era um debate, já era pra você construir, era brincadeira, era uma coisa, assim, que a gente construía o conhecimento... todo mundo. Era muito bom! E a professora ainda ajudava também nas nossas dúvidas com os trabalhos de outras matérias, assim, com relação à metodologia... essas coisas... por isso que eu não associo difícil às disciplinas didático-pedagógicas (P2F-Biologia).

Afirmações como estas põem em evidência, novamente, a atuação e as relações estabelecidas pelo professor formador como fatores diretamente relacionados à aceitação e ao vínculo estabelecido pelos estudantes para com o curso, com a formação e, em meio a isso, com a especificidade das disciplinas. De igual sorte, nos remete a ponderar a capacidade permitida pelo estudo das representações sociais de, em vista da espontaneidade e liberdade propiciada pela metodologia, fazer emergir aspectos outros encontrados em seu entorno e de grande relevância para um maior entendimento de sua existência.

Não distante, essa realidade nos mostra ainda que na ocorrência das categorizações, quando um número maior de licenciandos participou do PCM e pôde expressar seus pensamentos mediante a manipulação e organização das palavras referentes ao objeto de pesquisa, outras percepções foram expressas, denotando visões distantes daquela disposta na TALP. Foi nesse contexto, portanto, que o termo difícil tornou-se deslocado, afastado de

todos os demais, dissonante, refletindo sua não associação às disciplinas didático-pedagógicas e, poderíamos acrescentar, à ideia de ser um bom professor.

Em uma direção distinta, no entanto, mostra-se a composição da quarta e última região projetada na figura 4. A ela nos voltaremos na construção do item seguinte.