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COM A FORMAÇÃO DOCENTE

FACETA ITEM PADRÃO DESVIO MÍNIMO MÁXIMO

4.4 RETOMANDO PERCURSOS E DESCOBERTAS

Considerando todo o trajeto até então trilhado, principalmente no que se refere às interpretações a que nos propusemos, chegamos ao momento de ponderar as descobertas reveladas. Estas, iniciadas com a própria definição do grupo de participantes, estenderam-se das explanações da TALP e de seus campos semânticos até as análises MSA, SSA e de

conteúdo, o que nos permitiu perceber, de modo mais sistemático, o pensamento do grupo, seus posicionamentos, as aproximações e os distanciamentos de significados entre uns e outros termos a que esses participantes se voltaram. Nesse decurso, ainda que com uma função apenas introdutória para o PCM e, por conseguinte, para a pesquisa, encontramos na TALP um caminho inicial para apreendermos os primeiros entendimentos, os primórdios do que nos levaria a identificar a representação de disciplinas didático-pedagógicas com que nos deparamos.

A este respeito vale considerarmos, em primeiro lugar, que se tomarmos os resultados alcançados nesses distintos momentos metodológicos, nos depararemos com alcances mais e, também, menos aproximados. Em relação a estes, percebemos na TALP, por exemplo, que as definições sobre a constituição do ser docente, a caracterização deste profissional, apareceram de modo disperso dentre os campos semânticos, enquanto nas classificações livre e dirigida do PCM, mostraram-se mais concentradas, constituindo, inclusive, regiões e facetas específicas.

De acordo com Arruda (2005), ao ser entendida como construção da realidade, a substância operante da representação social é o significado que ela dá ao objeto, logo, o seu alcance é um exercício de interpretação resultante da coleta de indícios e de sua sistematização efetivada pelo pesquisador. Dessa forma, atentar para as principais defesas dos participantes da TALP em relação ao objeto tratado e buscar localizar nisto indícios favoráveis ao desvelamento da representação social investigada em nossa pesquisa mostraram-se importante para o prosseguimento das interpretações e, consequentemente, para os primeiros entendimentos a serem buscados nos conteúdos expressos pelas explicações decorrentes do PCM.

Nesse direcionamento nos apercebemos das semelhanças que abrangeram todo o proceder metodológico, quais sejam: a ênfase na formação, nos elementos dela constituintes e também resultantes, demarcando a importância e a especificidade desse processo formativo para a configuração profissional; e, os aspectos didático-pedagógicos relacionados com a prática, com o fazer do docente. Esta realidade terminou por corresponder tanto aos primeiro e último campos semânticos da TALP, quanto às regiões e facetas constituintes da análise multidimensional intituladas por Educação formal como base do processo formativo e Aspectos didático-pedagógicos da formação, além de encontrar-se disseminado em grande parte dos temas componentes da análise de conteúdo.

Em vista de alcances como estes, portanto, que afirmamos a contribuição que cada momento tende a nos revelar ao longo da pesquisa. No nosso caso, conforme anunciamos

inicialmente, a interpretação de uma e outra circunstância da metodologia utilizada permitiu- nos uma paulatina aproximação com os fatos que foram sendo descobertos acerca do fenômeno investigado, primeiramente, pela elaboração das hipóteses que emergiam a cada leitura e organização dos resultados; depois, pelas inferências que esses resultados nos propiciavam à medida que outras etapas eram concluídas, despertando-nos para novos achados. Desse modo, foi percebendo a ênfase na formação e nos aspectos da prática docente surgidos desde a TALP que nos dispusemos a observar mais atentamente o sentido dessas definições no conteúdo das justificativas, bem como outros direcionamentos a isso interligados, ao mesmo tempo em que buscamos entender a relação estabelecida entre essa realidade e as disciplinas didático-pedagógicas, visando, nesse ínterim, identificar a representação social então pesquisada.

Imersas nesse cenário, portanto, que percebemos essa representação social centrada no entendimento de que é por meio dessas disciplinas que se pode alcançar o perfil do bom profissional enquanto aquele que reúne conhecimentos e atributos necessários ao pleno desenvolvimento da docência, envolvendo nisto capacidades e características que demarcam a profissionalização. E é esse entendimento também que se desdobra na ancoragem – anunciada em capítulos anteriores – das disciplinas didático-pedagógicas como aquelas que ensinam a ser professor e na objetivação dessas disciplinas demarcada pela imagem do bom professor, ou seja, o que alcança, através do processo formativo e das experiências vivenciadas, qualidades que o tornam singular e capacitado para o pleno proceder profissional.

Essa compreensão nos revela uma ideia contrária àquela resultante da pesquisa realizada por Santos e Andrade (2002) no âmbito da UFPB – apresentada anteriormente –, cuja representação social de disciplinas pedagógicas dos licenciandos desta instituição apresentou uma perspectiva negativa e de pouca credibilidade a respeito da função formativa dessas disciplinas, logo, bastante colidente com a manifestação acima anunciada do ponto de vista dos estudantes do IFRN.

Destacando um entendimento bem mais positivo acerca das disciplinas didático- pedagógicas, os estudantes desse Instituto atribuem a elas uma responsabilidade muito expressiva para a constituição do professor, enfatizando, inclusive, a função das mesmas na definição do bom profissional. Em seus discursos, eles suprimem, contundentemente, a sua não valoração e, ao contrário, as exaltam como base de suas constituições profissionais. Apesar do reconhecimento da base específica do curso como importante, os posicionamentos sobre ela não se opõe hierarquicamente sobre as primeiras.

Nesse sentido, as referidas disciplinas mostram-se importantes não apenas enquanto componentes do curso de formação, mas por responder pela qualidade do docente a ser formado, devendo primar por aquele que conhece e sabe fazer uso autônomo e consciente das bases técnica e específica da formação, articulando-as adequadamente para o alcance de objetivos educacionais humano, social e eticamente propostos. Isto destaca a representação social dessas disciplinas numa perspectiva bem mais abrangente e significativa em meio aos discursos dos licenciandos a que nos voltamos, enfatizando tais disciplinas não apenas como necessárias, mas indispensáveis aos cursos de formação de professores.

Dessa forma, ainda que alguns desses licenciandos tenham admitido, tal qual os entrevistados da UFPB (SANTOS e ANDRADE, 2002), a falta de desejo por assumir a docência como profissão em virtude da desvalorização social que a abarca, no que diz respeito ao contexto didático-pedagógico seus discursos seguiram um percurso bastante contrário ao dos referidos entrevistados, voltando-se à defesa desse contexto como primordial à profissão. Tal fato se resume na compreensão de que mesmo não havendo, no momento da pesquisa, a completa definição de alguns dos participantes pela assunção profissional da docência, existia, porém, a consciência de que para essa assunção faz-se essencial o domínio de um conjunto de saberes que a especificam, a demarcam e a singularizam, algo que decorre, dentre outros âmbitos de tamanha relevância, também dos ensinamentos concernentes às disciplinas didático-pedagógicas.

Lembramos, com isto, que a formação do professor configura-se como uma atividade complexa que envolve a articulação de diferentes saberes, com a necessidade de relação entre eles, de consideração da realidade e das subjetividades dos envolvidos a fim de que a ação aconteça de forma efetiva, não existindo possibilidades expressivas mediante a intervenção sobre apenas um ou outro desses saberes (TARDIF, 2010). Sendo assim, ao percebermos nas falas de futuros professores o entendimento de que a constituição docente exige muito mais que o domínio de conhecimentos curriculares específicos à área de atuação, estendendo-se à apreensão de uma série de singularidades que permitem compreender o significado, as relações, práticas e características que configuram a docência, concluímos que outras perspectivas têm tomado os processos formativos aos quais esses licenciandos encontram-se vinculados.

Sousa, Bôas e Novaes (2011), reforçando a importância de estudos sobre representações sociais no âmbito da docência, nos informam da possibilidade que isto apresenta para entendermos como os participantes se orientam em relação ao seu trabalho ou a sua futura profissão. De acordo com as autoras,

Essa visão é ainda mais relevante quando se observa que a tarefa de educar tem como base projetar-se para o futuro, tecer expectativa no presente com os alunos sobre o porvir desses e da sociedade. Nesse sentido a análise das representações sociais dos futuros docentes permite reorientar a formação em educação, uma vez que possibilita a compreensão do direcionamento que os estudantes de pedagogia e licenciaturas dão ao seu futuro profissional e ao futuro dos seus alunos (p. 630).

No caso de nossa pesquisa, ao buscarmos a representação social de disciplinas didático-pedagógicas no contexto das licenciaturas do IFRN, localizamos uma apreensão bastante peculiar e consideravelmente positiva dessa base formativa, o que nos permite compreender, a partir da citação anterior, que os licenciandos demonstram um aparato de saberes bastante significativo acerca de seu futuro profissional, projetando-se sobre a perspectiva do bom professor, logo, receptivos aos conhecimentos e experiências que favoreçam o alcance dessa constituição, incluindo-se, nisto, as proposições demandadas pelas disciplinas didático-pedagógicas.

Mediante a singularidade demonstrada pelos licenciandos na referência a essas disciplinas, vale pensarmos sobre o que especifica essa noção, o que a torna distante daquela encontrada por Santos e Andrade (2002), por exemplo, quando voltada ao mesmo objeto de estudo que adotamos, sobre uma significativa diversidade de cursos de licenciatura, e que encontra outra via de explicação; ou a de Braz (2009), que mesmo dedicando-se a abordagem distinta no estudo, teve seus resultados permeados por visões pouco instigantes do ponto de vista didático-pedagógico no que tange à ideia do ensinar química e física segundo os licenciandos desses cursos no âmbito da UFRN.

Pensar a este respeito nos reporta a uma situação notória: a distinção que tem tomado as formas de organização e trabalho com os cursos de licenciatura nas várias instituições responsáveis pela oferta desses cursos e os resultados alcançados em suas singularidades no que se refere à formação profissional, às concepções e aos entendimentos assumidos pelos estudantes. No caso do IFRN, por sua tradição no ensino técnico, a introdução ao trabalho com os cursos de licenciatura traduziu-se em alterações significativas em sua maneira de atuação com esses cursos, determinando-lhes particularidades importantes se comparados a outras realidades – conforme já discutido anteriormente.

Em meio a tais alterações, a proximidade e o diálogo existentes entre os professores das áreas pedagógica e específica, em especial, proporcionados pelas reuniões docentes

realizadas semanalmente pode ser considerado um fator proeminente nessa apreensão mais acolhedora dos licenciandos em relação às disciplinas didático-pedagógicas. A este respeito, mostra-se desnecessário argumentar sobre a relevância dessa situação para o alcance de resultados expressivos no desenvolvimento e na aprendizagem dos estudantes, bem como na autoformação dos próprios professores, afinal, “a interação entre colegas com diferentes formações [...] através do diálogo, da troca de ideias, de materiais, contribui para o crescimento profissional e também pessoal de todos os envolvidos, pois as diferenças tornam possível a aprendizagem” (DAL-FORNO e OLIVEIRA, 2005, p. 7). Além disso, a interação então proporcionada contribui também – de modo inegável – para o enfraquecimento da dissociação que geralmente acomete as áreas específica e pedagógica componentes dos cursos.

No que se refere a essa dissociação, vale resgatarmos o estudo realizado por Mayer (2008) com professores das duas mencionadas áreas do curso de licenciatura em Matemática da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – e que visava entender como acontece a integração entre as disciplinas específicas e pedagógicas no contexto dessa licenciatura. Decorridos os procedimentos metodológicos, o autor deparou-se, ao invés da integração, com uma dissociação fortemente presente nos discursos dos participantes e, segundo suas análises, tal fato é creditado à falta de inter-relação entre as referidas áreas devido à ausência de um espaço instrumental de discussões relativas à formação inicial; à dificuldade de articulação entre os docentes e, consequentemente, as disciplinas que compõem cada uma das citadas áreas; à departamentalização da universidade; e, também, às diferentes visões de educação e os preconceitos existentes entre os docentes de uma e de outra área.

Além desse, a pesquisa de Massena (2010) também ilustra uma realidade pouco favorável a essa integração no contexto da formação docente. Ao investigar a construção sócio-histórica do currículo do curso de Licenciatura em Química do Instituto de Química (IQ), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no período de 1993 a 2005, buscando compreender como ocorreu a criação, a implantação e a implementação do citado curso e a influência dos formadores de professores na construção social do currículo desse curso, a autora constatou: tensões e disputas decorrentes de concepções distintas dos formadores dentro do próprio IQ acerca da compreensão do curso; embates entre o IQ e a Faculdade de Educação (FE), ficando explícitas as diferenças existentes entre essas duas unidades em relação às concepções distintas acerca do curso de formação e também do que sejam as disciplinas pedagógicas; discursos arraigados em defesa do lócus institucional, o que expressa dificuldades na realização de parceria no trabalho empreendido; por fim, a categoria

“Licenciatura em Química” ainda hegemônica, conforme o modelo “3+1”, apesar de ter havido uma mudança organizacional com a reestruturação da matriz curricular.

Situações como estas reafirmam a concepção antes tratada sobre a relevância das reuniões docentes e evidenciam um diferencial nas relações estabelecidas entre os profissionais das distintas áreas no contexto do IFRN, sobretudo, no que diz respeito a uma maior possibilidade de superação dessas diversas visões de educação, dos preconceitos entre as áreas, dessa departamentalização, dentre outros aspectos evidentes no estudo relatado.

Dentre essas distinções, não podemos negligenciar também a questão da exclusividade dos docentes da área pedagógica às licenciaturas do referido Instituto, o que proporciona maiores aproximação e estabelecimento de vínculos entre esses docentes e as turmas, além de garantir possibilidades melhores de diálogo entre ambos, de integração das disciplinas nos semestres letivos e, principalmente, mais interlocução e menos rejeição ou preconceito com as disciplinas da área pedagógica, seja por parte dos professores da base específica do curso ou mesmo dos estudantes.

Não obstante, outro fato também necessário de ser destacado nesse âmbito e que pode apresentar relação com a forma como são acatadas as disciplinas didático-pedagógicas pelos estudantes centra-se na inexistência do sistema de créditos para a oferta das disciplinas – conforme explanado no segundo capítulo desta produção. Ou seja, na realidade vivenciada pelas turmas em que pesquisamos, em cada semestre letivo eram apresentadas as disciplinas a serem cursadas, independente de escolhas dos estudantes. Estes, desde seus ingressos, tornavam-se conscientes de que teriam de cumprir cada semestre rigorosamente de acordo com a oferta disponível sob pena de ficarem em dependência – no caso de reprovação em até dois componentes – ou de repetirem as disciplinas em que ficassem reprovados acompanhando o semestre letivo equivalente juntamente com outra turma – quando a reprovação era superior ao total de duas disciplinas (IFRN, 2009). Desse modo, as matrículas eram efetivadas por semestre e não por componente curricular64.

Acreditamos que o conhecimento e a disposição dos estudantes em cumprir essa estrutura organizacional ao longo de toda a graduação, de certo modo, impulsionava também a disponibilidade em cursar as disciplinas de base didático-pedagógica de forma menos dissociada das demais65, encarando-as apenas como mais um dos componentes a serem

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Essa realidade abrangeu todas as turmas das quais houve participantes em nossa investigação, posto que o sistema de créditos só passou a vigorar a partir do semestre letivo de 2012.1 – conforme já anunciado.

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Nosso intuito com tal explanação consiste, unicamente, em relatar o modelo de organização adotado e os reflexos disso na realidade a que detivemos a pesquisa. Não nos importa, nesse contexto, avaliar a (in)coerência do referido modelo para os cursos de graduação.

cumpridos no respectivo período letivo. Do mesmo modo, no que se refere aos professores da citada base, esse fato tornava-se igualmente favorável ao trabalho com essas disciplinas, em virtude da relativa permanência de estudantes que se estabelecia nas turmas, propiciando inter-relações tanto com abordagens realizadas nas disciplinas didático-pedagógicas ministradas em semestres anteriores quanto com aquelas da área específica do curso então vivenciadas no período em foco. Além disso, o desenvolvimento dos projetos integradores – evidenciados no segundo capítulo desta produção – pode ser tomado também como impulsionador nessa interação entre as disciplinas e, consequentemente, redutor quanto à probabilidade de um olhar repulsivo direcionado às disciplinas didático-pedagógicas.

Tratando da relevância dessa integração entre as disciplinas para uma melhor perspectiva formativa, importa resgatar o trabalho de Freiberger e Berbel (2012), que em uma investigação para identificar, na literatura e em documentos formais, aspectos relevantes para a discussão do valor educativo da atividade de pesquisa realizada por alunos universitários, em especial os futuros professores, constataram que os desafios da realização de pesquisa na graduação podem estar relacionados a uma tradição que historicamente não estava ligada à investigação científica em nossas universidades. Diante disso, as autoras propõem o desenvolvimento de projetos integrados por meio do educar com pesquisa na formação de professores para aproximar o mundo da formação acadêmica da realidade de sala de aula, contribuindo para a sua atuação para a docência.

Retomando o contexto das especificidades que acometem a formação no IFRN merece destaque também a interação e o acompanhamento que ocorre entre os professores da área pedagógica – em virtude de sua disponibilidade exclusiva ao atendimento dos cursos de licenciatura – e os estudantes desses cursos. Enquanto referências no trato com as questões educacionais mais peculiares, são a esses professores que os licenciandos recorrem para quaisquer esclarecimentos de ordem pedagógica como os relativos às atividades práticas de cunho docente decorrentes dos demais componentes curriculares, por exemplo, dentre outras situações que necessitem de orientações dessa ordem.

A realidade então descrita nos permite inferir que essa estrutura mostra-se consideravelmente favorável à decorrência das disciplinas didático-pedagógicas como integrantes equivalentes e bastante imbricadas na organização curricular e na vivência prática dos cursos de licenciatura do IFRN, bem como na integração com as demais disciplinas componentes dessa organização. Tal entendimento nos impulsiona a considerar, assim, o sentido de naturalização que circunda a representação social dessas disciplinas no grupo dos licenciandos, tendo em vista a imbricação das mesmas enquanto objeto intimamente presente