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4. INCENTIVOS FISCAIS AMBIENTAIS

4.1. Aspectos gerais

4.1.2. Princípios ambientais norteadores do instituto

Terence Dorneles Trennepohl318 considera o princípio do poluidor-pagador um dos vetores que devem reger as políticas ambientais, buscando, entretanto, a aproximação dos princípios da precaução e da prevenção ao instituto dos incentivos fiscais ambientais.

Em obra originada de dissertação de mestrado, que aborda os incentivos fiscais no direito ambiental, o aludido autor reconhece ser possível a aplicação do princípio do poluidor-pagador, em caráter preventivo. Todavia, entende que, para fins de exame de planejamento de condutas e políticas públicas, seria “mais importante e significativo abordar o tema sob outro prisma, diverso daquele já idealizado pela maioria, pelo prisma do poluidor-pagador, e estudar mais detidamente a prevenção e a precaução, que sempre, e necessariamente, importam antecedência ao fato ambiental danoso”319.

O referido autor ressalta que, em se tratando de incentivos fiscais em matéria de meio ambiente, o manejo dos princípios da precaução e da prevenção seria mais coerente, uma vez que o princípio do poluidor-pagador se acha bastante associado ao momento posterior ao dano, em que é atribuída a responsabilidade àquele que polui e que deve pagar.

Com efeito, o fundamento para se conferir maior enfoque aos princípios da precaução e prevenção repousaria no fato de a sociedade, na atualidade, estar imersa numa

317

MORO BORRERO, Cristóbal J. Op. cit., p. 10.

318

TRENNEPOHL, Terence Dorneles. Incentivos fiscais no direito ambiental: para uma matriz energética limpa e o caso do etanol brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 66.

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rede de desenvolvimento de tal grau, que os instrumentos de controle e fiscalização ambiental já não seriam suficientes para promover uma proteção satisfatória320.

Pontua o mencionado autor que a sociedade hoje “se caracteriza pela fase de riscos sociais, políticos, ecológicos e individuais, criados pelo desenvolvimento, que não se coadunam mais com as formas de controle e proteção da sociedade industrial”. Portanto, a elevada produção de riscos impediria uma previsão acerca das consequências de potenciais acidentes nucleares, químicos, ambientais e genéticos321.

De sua parte, Cristóbal Borrero Moro aduz que o consagrado princípio do poluidor- pagador, que irá determinar a imputação dos custos sociais aos contaminadores, não deve ser o único a balizar a concessão de tratamento tributário diferenciado, propondo a utilização, também, de outros critérios, tais como os princípios relacionados à prevenção e precaução dos danos ambientais322.

Acrescente-se às referidas considerações acerca do princípio do poluidor-pagador e dos princípios da prevenção e da precaução, como primados norteadores da concessão de incentivos fiscais, a análise feita por José Marques Domingues a respeito do princípio do poluidor-pagador323.

Com efeito, o citado professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro examina o princípio do poluidor-pagador sob duas vertentes. Na primeira vertente, a impositiva, aduz que o princípio irá estabelecer o dever estatal de exigir do poluidor tributos em virtude da sua atividade objetivamente poluidora.

320

TRENNEPOHL, Terence Dorneles. Op. cit., p. 67.

321

Id., loc. cit.

322

Segundo o referido jurista, “Las ayudas de Estado también deben ser analizadas desde la perspectiva del principio quien contamina paga, ya que las exenciones se materializan en normas que se encaminan a proteger el medio haciendo recaer sobre la colectividad el coste de la política ambiental. Mientras que el principio de quien contamina paga determina la imputación de los costes sociales a los contaminadores. La política ambiental de La Comunidad se basará, entre otros, em el principio de quien contamina paga − art. 174.2 TCE. Ahora bien, esto no significa que los tributos ambientales nacionales deban basarse exclusivamente em dicho principio, ya que éste no es un principio exclusivo y excluyente em el âmbito comunitario. El establecimiento de otros principios, como el de cautela y de acción preventiva o el principio de corrección de los atentados al medio ambiente, preferentemente em la fuente misma − art. 174.2 TCE −, hacen posible el establecimiento de tributos ambientales con base em criterios distintos al principio de quien contamina paga. Desde esta perspectiva, cabe plantearse el establecimiento de exenciones ambientales o la articulación de tributos encaminados a financiar actuaciones de protección Del medio, articulados con base em el principio de capacidad económica. En definitiva, el principio de quien contamina paga no excluye las ayudas de estado. Um buen ejemplo lo constituye el artículo 175.5 TCE, al admitir excepciones de carácter temporal ante el establecimiento de medidas ambientales con base em el principio de quien contamina paga” (MORO BORRERO, Cristóbal J. Op. cit., p. 11).

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Por seu turno, o sentido seletivo deste primado irá determinar que o Poder Público gradue a tributação de modo a estimular atividades, processos produtivos ou consumos “ecologicamente corretos” e a desestimular o emprego de tecnologias defasadas, a produção e o consumo de bens “ecologicamente incorretos”.

Trazendo as aludidas dimensões à realidade jurídica brasileira, o mencionado autor324 assim conclui acerca da aplicação do citado princípio no manejo de estímulos tributários:

É que, mesclando os sentidos impositivos (fiscal) e seletivo (extrafiscal) do princípio ambiental do poluidor-pagador, a lei tributária tem condições de proceder a um discrímen legítimo entre poluidores e não poluidores, de forma a premiar estes últimos, que, satisfazendo o espírito constitucional, orientado para a promoção do equilíbrio ecológico (art. 225 da Constituição), colaboram para a preservação ambiental.

O presente estudo reputa extremamente ponderada a análise do autor em foco, porquanto não concentra o conteúdo deste primado na ideia de danos ocorridos no passado, permitindo assim que se possa conceber que um incentivo fiscal, longe de consistir numa ofensa a tal princípio, encontra fundamento neste, consubstanciando verdadeiro veículo concretizador do art.225 da Lei Maior, por fomentar a defesa do meio ambiente.

Com raciocínio semelhante acerca da acepção ampla do princípio do poluidor- pagador, encontra-se Simone Martins Sebastião325, cuja contribuição vai além, ao acrescentar o argumento de que a adoção de condutas adequadas do ponto de vista ecológico tem como consequência a redução das despesas públicas e o incremento da qualidade de vida da comunidade local, responsável por também afetar a qualidade de vida global.

Constata-se, nessa altura, que todas as atividades humanas, em maior ou menor grau, poluem e trazem riscos, de modo que, quando o contribuinte deixa parte do seu imóvel com a cobertura vegetal preservada, investe em eficiência no consumo energético, redução da emissão de gases poluentes, utilização de matérias-primas renováveis, reciclagem e correto descarte de bens, dentre outras ações que reduzem o impacto ambiental, resta evidente que está prestando uma contribuição para a qualidade de vida em

324

OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. Direito tributário e meio ambiente, cit., p. 59.

325

geral, numa atuação conjunta com o Estado, que não é o único incumbido de preservar o meio ambiente, consoante determina o art. 225 da Carta Política.

Assim, considerando a redução das despesas geradas para o Poder Público e os custos que o particular incorre para efetivar as aludidas medidas, fica claro que um tratamento tributário abrandado configura um reconhecimento àqueles que adotam esse comportamento ambientalmente orientado, não havendo que se falar em ofensa ao princípio do poluidor-pagador, na medida em que o agente que se queda omisso à questão ambiental não é contemplado pelo estímulo ambiental veiculado.

Conforme já exposto ao longo deste trabalho, o Estado, muitas vezes, deve intervir para que determinado objetivo social, econômico ou político seja alcançado numa velocidade superior à que naturalmente teria. No estágio atual de crise ambiental, em que a maior parte da fauna e da flora do planeta já se encontra devastada e em que é lançado no ambiente um volume altíssimo de gases de efeito estufa e de resíduos sólidos e líquidos, não há dúvidas de que, no âmbito tributário, não é possível se descartar, aprioristicamente, nenhuma forma de atuação, seja a graduação de forma mais severa da carga tributária daqueles que poluem, de modo a incluir os custos ambientais na formação dos seus preços, seja a desoneração (total ou parcial) daqueles que atuam de forma ecologicamente responsável.

Examinando especificamente a concessão de estímulos fiscais, cumpre registrar que esta poderá ser analisada tanto como instrumento concretizador do princípio do poluidor- pagador, na sua vertente da seletividade, quanto como instrumento concretizador dos princípios da precaução e da prevenção, por buscar evitar consequências incertas decorrentes das catástrofes naturais e demais problemas ambientais oriundos da ação humana.

De fato, o incentivo fiscal ambiental irá contemplar aqueles que adotam comportamentos acordes com a defesa do meio ambiente, correspondendo a um tratamento tributário mais brando para contribuintes que se movem lastreados em critérios ambientais, o que irá, em ultima análise, reduzir as despesas do Estado nessa seara, além de proporcionar melhoria da qualidade de vida no planeta.

Neste contexto, a concessão de incentivo fiscal poderá ter como fundamento a prevenção de tragédias futuras de proporções inestimáveis, inerente a uma sociedade de risco, com alto grau de desenvolvimento; mas também pode estar atrelada a um estímulo

para aqueles que pretendem transformar suas atividades, por mais singelas que sejam, de “poluentes” para “menos poluentes”.

Em qualquer das hipóteses, estar-se-á premiando as condutas que se movem com o viés ambiental, com o escopo de fomentar a sua prática, de modo a se alcançar a proteção concreta do meio ambiente.

Logo, seja modificando-se a forma ambientalmente irresponsável de produção, consumo e descarte de resíduos inerentes ao estágio de desenvolvimento a que se chegou, seja adotando-se medidas que visem à redução de impactos ambientais que venham a evitar danos ambientais futuros, abre-se espaço para a concessão de tratamento tributário abrandado.

Noutras palavras, a autorização para a adoção de regime tributário diferenciado independe do momento a que se reporta a conduta ambientalmente orientada, se para danos passados ou futuros. Assim, deve ser aplicado o regime ordinário, ou, eventualmente, mais severo para aqueles que continuam a se pautar nos moldes tradicionais, insistindo em poluir, ainda que haja opção menos agressora ao meio ambiente.

Não bastasse a construção que extrai dos princípios do poluidor-pagador e da prevenção e da precaução fundamentação para veicular os incentivos fiscais de viés ambiental, o princípio do protetor-recebedor, que vem sendo desenvolvido pela doutrina e aplicado pela legislação de diversos países, inclusive no Brasil, contempla a referida autorização de forma ainda mais nítida e ampliada, pois abarca a proteção de forma geral, independentemente do momento a que esta se reporta.

Deveras, o primado em foco traduz de modo mais direto a noção de que se devem compensar aqueles que adotam comportamento proativo no que tange à transformação do padrão de produção e consumo, bem como à utilização de recursos ambientais, de sorte a promover a redução dos níveis de emissão de gases produtores de efeito estufa na atmosfera e de degradação do meio ambiente.

Assim, além dos pagamentos efetuados por serviços ambientais propriamente ditos, tal cânone irá respaldar tratamentos econômicos e financeiros diferenciados para aquelas atividades que impactam positivamente o meio ambiente, incluindo-se os tratamentos vantajosos de natureza tributária.

Neste compasso, os princípios do poluidor-pagador (na sua acepção ampla), da prevenção e da precaução e do protetor-recebedor ganham concretude quando o Poder Público abstém-se (total ou parcialmente) de arrecadar tributo de agentes que adotam comportamentos ambientalmente orientados.