CAPÍTULO 5. ESTUDOS DE CASO
5.1. Processo Decisório: padrões de interação e qualidade das decisões
5.1. Processo Decisório: padrões de interação e qualidade das decisões
Levando-se em conta o cenário político brasileiro no qual o partido
do Executivo raramente tem a maioria no Parlamento, é necessária a construção de
coalizões que escapem aos limites do seu partido. Muito embora haja variações nos
três níveis de governo e de uma região para outra do país, a negociação com outros
partidos, para a garantia da governabilidade é condição inevitável de qualquer
governo.
Os governadores possuem grande parte dos poderes legislativos
que o executivo federal possui, contudo, este conjunto de mecanismos pode não ser
suficiente para forçar a cooperação dos legisladores ou controlar a agenda
legislativa, ampliando a necessidade de negociação diante de coalizões majoritárias
pouco sólidas ou apoio minoritário no parlamento. Neste cenário, vários padrões de
relação executivo-legislativo podem surgir como resultado de estratégias definidas
pelos atores envolvidos, estratégias essas que são traçadas principalmente em
função dos constrangimentos institucionais que são postos para os agentes e de
suas preferências como atores políticos (Couto, 1998).
Por exemplo, os constrangimentos institucionais podem fornecer
incentivos a uma estratégia individual que busque contemplar elementos de
negociação de caráter fisiológico. Há fortes incentivos institucionais para isso, em
particular a concentração de poderes de execução orçamentária e de promoção
política nas mãos do chefe do Executivo, o baixo custo eleitoral da infidelidade
partidária e o baixo grau de controle por parte do eleitorado. Essa linha estratégica,
no entanto, é moldada pela influência de outros elementos tangíveis à situação, que
em certos momentos tornam a escolha dos atores bastante delicada. A repercussão
das questões em pauta na opinião pública e a intensidade das reações lobbistas em
relação a elas influenciam tanto o comportamento dos parlamentares e seus cálculos
estratégicos como a posição do Executivo em relação a determinados assuntos.
Suponhamos que, após as eleições, o novo governo não conte com
maioria absoluta no Legislativo. É claro que o governo tem a opção de não negociar
com o legislativo e, neste caso, o processo decisório toma a forma de competição
não cooperativa (NC), tomando emprestadas as palavras de Régis de Castro
Andrade (1998a). Muitos parlamentares podem optar por uma estratégia de
obstrução ou vetos sistemáticos, esperando reverter a seu favor o mau desempenho
conseqüente do governo. Essa opção estratégica é geralmente inviável porque
neste caso se instaura um jogo de soma zero: uma das partes ganha e a outra
perde. O cenário será de conflito e eventualmente de impasse decisório
66.
Mas o governo pode dispor-se a negociar e, neste caso o processo
decisório assume a forma de cooperação competitiva (CC). Neste caso, o Executivo
pode utilizar-se de recursos de negociação de naturezas bastante distintas. Ainda
segundo Andrade, o chefe de governo tem duas opções: pode organizar uma
coalizão multipartidária de sustentação, oferecendo cargos e recursos (barganha
66
Relembrando Wanderley Guilherme dos Santos (2003), que introduz o conceito de “paralisia
decisória” para caracterizar tal fenômeno. Em tal situação, nenhuma decisão será tomada, pois a
proposta de um ator político sempre será vetada pelo outro (radicalizam-se em suas posições). Essa
situação pode ser considerada de equilíbrio político, caracterizado pelo impasse permanente. Se
prevalecer o mesmo perfil para uma série de questões importantes, o sistema político começará a
sofrer de paralisia decisória e seu desempenho será afetado. Como mostra o autor, este cenário de
paralisia decisória caracterizou o período do governo Jango, e abriu palco para a intervenção militar
de 64, que mudou ilegalmente as regras do jogo.
alocativa/fisiológica), obtendo assim o apoio às iniciativas de seu interesse ao longo
de seu mandato e/ou legislatura. Neste caso, o Executivo logra obter uma bancada
estável de sustentação no Parlamento. O chefe de governo também pode optar por
uma negociação pontual (caráter programático) e, neste caso, o apoio dos
parlamentares às iniciativas legislativas se dá de forma ad hoc, colocando a
necessidade de reiteradas negociações entre os dois Poderes. Neste último caso, a
instabilidade e a incerteza quanto aos resultados é a marca distinta dessa forma de
interação. É um processo árduo de negociação, e muitas vezes é difícil garantir com
grande certeza a vitória nas votações. A construção de maiorias estáveis no
Parlamento, essencial para a capacidade de governar é, portanto, de difícil
consecução, no caso das negociações pontuais.
O governo pode optar pela negociação pontual (NP), oferecendo em
troca a liberação de recursos orçamentários, abstenção de veto por
parte do chefe do Executivo e outras vantagens. O padrão de
relações entre os Poderes poderá ser clientelístico ou não: em todo o
caso, será de cooperação e conflito, com indeterminação dos
resultados caso a caso. Os parlamentares não abrem mão, nessa
hipótese, do seu poder de veto, obstrução e controle, nem o governo
do de preservar a homogeneidade política de sua equipe.
Alternativamente, o governo pode propor uma coalizão situacioanista
estável no Legislativo em troca da distribuição de cargos no
Executivo aos partidos coligados (além de vantagens clientelistas). A
estratégia do governo aqui, viabilizada pelas disposições governistas
dos parlamentares, visa à formação de uma coalizão fisiológica de
governo (CFG). Nessa coalizão os parlamentares abstêm-se de
utilizar sistematicamente seus poderes de veto, obstrução e controle;
o governo, por seu lado, distribui cargos na administração e nas
estatais a pessoas indicadas pelos partidos coligados (Andrade,
1998b, pp.18-19).
De acordo com este raciocínio, Cláudio Couto (1998) classifica os
possíveis padrões de interação entre o executivo e o legislativo de acordo com três
variáveis: quanto à estratégia, quanto à modalidade e quanto aos elementos de
troca. Quanto à estratégia, a interação poderá ser basicamente cooperativa ou
conflitiva (competitiva); quanto à modalidade poderá ser estável (coalizões/oposição
rígida) ou instável (negociações pontuais) e, enfim, quanto à moeda de troca
(caráter) poderá ser programática ou alocativa/fisiológica. O quadro a seguir mostra
Fonte: Couto (1998)
No caso das coalizões, o Executivo logra obter uma bancada estável
de sustentação no Parlamento, conseguindo junto aos parlamentares um acordo que
garante, por parte destes últimos, apoio perene às iniciativas de seu interesse
durante praticamente todo o governo. Já o apoio obtido numa negociação pontual
(NP) restringe-se à questão em voga, seja ele pautado no ajuste de pontos
programáticos, na barganha de políticas ou transferência de recursos. A participação
dos parlamentares na elaboração das propostas de governo ou a simples
“homologação” das medidas que interessam ao Executivo tanto na situação de
coalizão, como na situação de negociações pontuais, dependerá do caráter
programático ou não do acordo estabelecido, em outras palavras, se pautado numa
base fisiológica/clientelista ou não.
No caso da CPG, a formação de uma bancada de sustentação do
Executivo no Parlamento se dá com base em um programa comumente aceito, de
cuja conformação os parlamentares participam. Dificuldades podem surgir em
momentos posteriores à decisão, mas são bem raras. No caso de uma Coalizão
Fisiológica de Governo, o Executivo obtém apoio dos parlamentares
independentemente do conteúdo das políticas que são aprovadas por este, o que
implica completa abdicação da capacidade decisória por parte do Parlamento. Neste
caso, os recursos fisiológicos são apropriados pelos próprios tomadores de decisão
em troca do apoio político. Visto que nessa situação o Legislativo abriu mão dos
seus poderes de veto, obstrução e controle, bem como de qualquer
responsabilidade real de formulação de políticas, seu lugar no processo decisório é
reduzido à homologação das decisões do Executivo.
Quadro 5 – Modalidades Interativas (Relações Executivo-Legislativo) Caráter da interação Padrão interativo
Programática/ de Conteúdo Barganha Alocativa (log-rolling) e Fisiológica
Coalizões Coalizão Programática de Governo (CPG) Coalizão Fisiológica de Governo (CFG)
Negociação Pontual (NP) Negociação Pontual s/ Conteúdos Negociação Pontual Alocativa/ Fisiológica
Segundo Cláudio Couto, a homologação parlamentar passiva ocorre
justamente porque o elemento fundante do acordo não é um programa (onde se
negociam conteúdos), mas transferência de recursos, que tem na anuência dos
parlamentares às iniciativas legislativas de interesse do Executivo sua contrapartida.
Portanto, o modelo emergente na visão do autor é ultrapresidencialista, porque o
Legislativo resigna-se a uma função subalterna no processo decisório e perde em
visibilidade e prestígio. Em certas ocasiões, porém, a Casa sofre pressões da
opinião pública e dos lobbies, e os parlamentares vêem-se diante de alternativas
estratégicas de atender às demandas sociais ou se manter fiéis ao governo.
As duas modalidades de oposição rígida (OR), por seu turno,
apontam para a indisposição completa ao estabelecimento de formas de
negociação. No caso da oposição rígida programática, essa indisposição ocorre por
divergências fundamentais quanto às políticas que se pretende ver aprovadas e
implementadas; trata-se geralmente de uma forma de radicalização ideológica. No
caso da barganha alocativa, a oposição rígida se dá principalmente quando o
Executivo não se dispõe a transferir recursos para a base política dos
parlamentares, ganhando sua oposição. Vale lembrar que nesta modalidade de
interação, o quadro que emerge é de ingovernabilidade. Um sistema político no qual
a maioria do Parlamento seja constituída por uma oposição rígida, seja ela
programática ou alocativa, sofre sérios riscos de submergir numa crise de paralisia
decisória, na qual o sistema mostra-se incapaz de converter as demandas (inputs)
em políticas eficazes (outputs)
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Há um elemento adicional, assinalado também por Cláudio Couto,
que vale a pena assinalar. Ele diz respeito à inclusividade/ exclusividade dos
resultados das decisões decorrentes dos padrões interativos gerados pela
combinação da variável estratégia com cenários majoritários ou consensuais
(consociativos)
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O cenário majoritário é aquele no qual o Executivo dispõe a priori de
uma bancada majoritária e coesa no Parlamento, seja desde o momento eleitoral,
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Já mencionamos neste sentido o excelente trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos:
Sessenta e Quatro: Anatomia da Crise.
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