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Processos formais concatenativos e não concatenativos

Parte II: A gramática do léxico

Capítulo 4. A gramática do léxico como organização dinâmica interna

4.2 Organização em paradigmas mentais

4.2.4 Formação de palavras: organização em paradigmas

4.2.4.1 Processos formais concatenativos e não concatenativos

Por processos formais entendem-se os procedimentos que ostentam alterações morfológicas de uma base de modo a ocorrer formação de outro lexema (Mel’čuk 2000; Rio-Torto 1998; Rodrigues 2013c: 88). Por vezes, essas alterações formais não são visíveis enquanto procedimento genolexical, como acontece nos processos de conversão, mas essas alterações assomam como consequências da recategorização do lexema.

Os processos que se manifestam na genolexia do português categorizam-se em: I- Processos concatenativos a) afixação i) prefixação ii) sufixação iii) circunfixação iv) infixação v) interfixação b) composição i) morfológica ii) morfossintática iii) sintática

II- Processos não concatenativos com alterações fonológicas a) cruzamento (blending)

b) truncação c) reduplicação d) acronímia e) siglação

III- Processos não concatenativos sem alterações fonológicas f) conversão

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Não sendo nosso objetivo a explicitação destes processos, remete-se para os seguintes autores, a fim de se obter uma caracterização dos diferentes mecanismos genolexicais: Para uma definição global dos processos supramencionados, veja-se Rodrigues (2013: 88-109); para a afixação, Hall (2000); para a prefixação em particular Rio-Torto (2013d); para a sufixação Rodrigues (2013a), Rio-Torto (2013a; 2013 b; 2013 c); para a circunfixação em particular Mel’čuk (1982: 84; 2000: 528); para a infixação Plag (2003: 11), Haspelmath (2002: 19), Bauer (2004), Mel’čuk (2000: 528), Moravcsik (2000); para a interfixação Haspelmath (2002: 86), Bauer (2004), Mel’čuk (2000: 528); para a composição Fabb (1998), Olsen (2000: 898), Rio-Torto & Ribeiro (2013), ten Hacken (2000: 355); para a conversão Bauer (2005), Kastovsky (2005), Rodrigues (2001; 2002; 2004a; 2004b; 2009; 2013a; 2013b); para o cruzamento Plag (2003: 121-126), Aronoff & Fudeman (2005: 113-114), Cannon (2000); para a truncação Plag (2003: 116-121), Aronoff & Fudeman (2005: 115); para a reduplicação Rio-Torto (1998), Wiltshire & Marantz (2000); para os processos não concatenativos com alterações na estrutura fonológica em geral Pereira (2013).

Nesta secção gostaríamos de indicar vias de exploração da oposição entre processos que podem ser descritos como concatenatórios, ainda que não assentes exclusivamente num procedimento deste tipo, uma vez que a estruturação paradigmática mental se encontra por detrás da adjunção de elementos genolexicais entre si, e aqueles que excluem completamente uma descrição desse tipo.

A categorização dos diversos mecanismos genolexicais usando como fio categorial exclusivo o carácter concatenativo ou não concatenativo dos mesmos, bem como a especificação dos subtipos concatenativos pode ser interpretada como um exercício de morfologia Item and arrangement (cf. secção 3.1.3). De facto, a estipulação de operações de adjunção de afixos ou de bases a outras bases é, em aparência, uma interpretação do modo como, no eixo in præsentia, ocorre a combinação dos materiais genolexicais. Contudo, é necessário ter em atenção que uma descrição exclusivamente imbuída do espírito Item and Arrangement não teria a capacidade de discernir processos concatenativos daqueles que são não concatenativos.

Contudo, um quadro completo dos fenómenos de formação lexical de uma língua não pode esquecer a descrição/explicação das operações de carácter formal

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utilizadas nesse domínio, ainda que uma perspetiva Item and Arrangement não lhe sirva de âncora metodológico-explicativa.

Na verdade, muitas propostas de abordagem da formação de palavras preocupadas com o carácter concatenativo da genolexia alicerçaram toda a sua explicitação em fundamentos e instrumentos de concatenação. É assim que se justificam artefactos conceptuais como o de morfema zero proposto por visões morpheme-based (e.g. Bloomfield 1933; Kastovsky 1968; Kiparsky 1982), que excluímos da nossa conceção. Estão em causa, na discussão deste artefacto, a delimitação conceptual do que é um morfema, a sua distinção face ao lexema, a sua identidade semântica e formal.

O morfema zero suscita um conflito teórico vs. empírico. O morfema zero, necessário para a coerência teórica de uma explicação concatenativa da formação de palavras, revela-se um imbróglio empírico, se se tiver em atenção a multiplicidade de morfemas zero que o falante teria que construir mentalmente para conseguir operar com todas as regras morfológicas da sua língua.

Desde logo, na morfologia flexional, na flexão de nomes e adjetivos, o singular, não marcado morfologicamente, seria representado mentalmente por um morfema zero em contraste com o morfema -s de plural. Na flexão dos verbos regulares, a 3.ª pessoa do singular apenas é representada morfologicamente no pretérito perfeito do indicativo (cogitou) e a 1.ª do singular apenas neste mesmo tempo/modo (cogitei), no futuro imperfeito do indicativo (cogitarei) e no presente do indicativo (cogito). Teria de haver representações zero para cada uma das pessoas nos tempos/modos em que não se verifica um morfema real (cogita, cogitava1.ª, cogitava3.ª, cogitará, cogitara1.ª,

cogitara3.ª, etc.).

No âmbito da morfologia derivacional, sustentar operações concatenatórias com base em morfemas zero acarretaria duas desvantagens:

i) a proliferação de morfemas zero que não coincidem com formulações reais, a partir das quais pudessem construir-se as respetivas abstrações mentais;

ii) a multiplicação de operações de adição com base nessas entidades empiricamente inexistentes.

Para além desta desvantagem emanada da estipulação do morfema zero, recordamos que na secção 3.1.3 apontámos outras inadequações das teorias Item and

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Uma vez que a delimitação dos diferentes tipos de processos genolexicais está dependente da fronteirização conceptual da tipologia de constituintes com que cada processo labora, emergem outras questões concernentes ao conceito de morfema. Essas questões são as seguintes:

Questão A: O problema da distinção entre elementos afixais e elementos lexicais quando determinados constituintes não possuem todos os traços prototípicos de gramemas ou de lexemas. Por exemplo, elementos como circum-, micro-, ante- ou

contra- possuem traços que os inseririam no conjunto dos elementos de prefixação e

outros no conjunto de elementos de composição.

Como já mencionado na secção 1.2.1, como traços prototípicos dos prefixos podem elencar-se a posição fixa do elemento em relação à base (re+ver vs. *ver+re); a não autonomia sintática (*o re, *o des, *o en) (exclui-se obviamente o uso metalinguístico do prefixo); a não determinação da categoria do produto (im+possível;

im+possibilidade; im+possibilitar); a flexibilidade em relação à categoria lexical a que

se acoplam (im+possível; im+possibilidade; im+possibilitar).

Como traços prototípicos dos elementos de composição apontam-se a posição livre em relação à base (hidrofobia/ mini-hidríca; fonologia/ lusófono); a marcação categorial (hidroRN); a significação lexical ou referencial (hidro- ‘água’) (cf. Rio-Torto

2013: 342-351).

A fronteira entre composição e prefixação tem vindo a sofrer alterações conceptuais, como pode observar-se através do confronto entre obras oitocentistas como Diez (1874) e Meyer-Lübke (1895), em que os elementos hoje considerados como operadores de prefixação são estudados no capítulo da composição. Também na gramática paniniana, se verifica que os elementos hoje apontados como prefixos são tratados como compostos (Kiparsky 2009). Tal oscilação temporal na enformação desses elementos de genolexia não é alheia à própria metodologia de delimitação dos objetos em foco.

Questão B: A demarcação do processo de conversão como um processo sintático ou lexical, ou seja, a sua ocorrência no seio da sintaxe ou no domínio do léxico. Esta é uma questão paralela à oposição entre teorias Item and Arrangement e Item and

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4.2.4.2 Organização em paradigmas semântico-categoriais (Regras de Formação de