• Nenhum resultado encontrado

Variações decorrentes da polissemia: As nominalizações e as leituras de evento, resultado

Parte II: A gramática do léxico

Capítulo 5. A gramática do léxico como dimensão de interação do

5.1 Variações decorrentes da polissemia: As nominalizações e as leituras de evento, resultado

argumental

Nesta secção observar-se-á a variação de co-textualização que a mesma unidade lexical pode apresentar em consonância com o significado atualizado contido na sua carga polissémica. Deter-nos-emos nos nomes deverbais, observando as circunstâncias estruturais semânticas que proporcionam as variadas realizações sintáticas destes nomes. (Para este tópico, vejam-se sobretudo Brito & Oliveira (1997), Rodrigues (2001; 2008), Anastácio & Rio-Torto (2004), Brito (2005) e Brito & Raposo (2013)).

É constatável que as significações dos nomes deverbais se localizam numa escala polissémica cujos extremos são o abstrato e o concreto. Apoiando-nos em Defrancq & Willems (1996: 222), observamos um formato analógico, contínuo, em vez de discreto, da oposição abstrato vs. concreto. Defrancq & Willems (1996: 228) propõem as seguintes significações como potenciais nos nomes deverbais:

- deverbal de ação – situado no mais alto grau de abstração, corresponde a uma leitura eventiva do deverbal, parafraseável por ‘evento de Vb’ como assinalável no enunciado (9).

(9) O processamento da imagem pelo computador decorre com normalidade.

- deverbal de ação concretizável – corresponde a uma leitura eventiva resultativa do deverbal, ou seja, ao ponto de culminação do evento, parafraseável por ‘resultado do evento de Vb’, como ilustrável em (10).

146

(10) O processamento da imagem pelo computador terminou às 15:00 horas.

Nesta construção, o deverbal mantém a capacidade argumental que o caracteriza na leitura eventiva de deverbal de ação. Nesta situação, o deverbal ainda não atingiu a capacidade de referenciação concreta prototípica dos nomes.

- deverbal concretizado coletivo – corresponde a uma significação tendente ao abstrato, por designar uma coletividade, mas que já não manifesta eventividade, pelo que não pode realizar-se com estrutura argumental. É este significado que ocorre, por exemplo, no enunciado (11).

(11) A gritaria era tanta que o lobo se assustou.

- deverbal concretizado individual – realiza a passagem do coletivo para o individual, que representa um passo na direção da concreção. É exemplificável pelo enunciado (12).

(12) Num dado momento da gritaria, o lobo fugiu.

- deverbal concreto – manifesta a concretude máxima, ilustrável no enunciado (13).

(13) A barbearia fechou às 17:00 horas.

Nem todos os semantismos são encontráveis em cada um dos deverbais simultaneamente.

O primeiro semantismo mencionado corresponde à significação de ‘evento’, o segundo à de ‘resultado’ e os restantes conglomeram-se sob o termo genérico ‘produto’.

Se nos ativermos a estes três tipos de significações – ‘evento’, ‘resultado’ e ‘produto’ –, constatamos que é possível determinar um conjunto de co-textualizações que auferem o tipo de significação do deverbal. Em Rodrigues (2001: cap. 4), faz-se a análise de uma série de critérios co-textuais providenciados por vários autores, como Flaux (1996), Brito & Oliveira (1997), Bartning (1996), Van de Velde (1996), Willmet (1996), Flament-Boistrancourt (1996), concluindo-se que os únicos critérios

147

verdadeiramente eficazes para a validação da distinção entre os semantismos abstratos e concretos dos deverbais são:

i) a colocação da negativa antes do deverbal (exemplos 14):

(14) a. A não avaliação dos alunos conduz a situações injustas.

b. *A não avaliação positiva obtida nas finais fez chorar o atleta.

ii) as expressões adverbiais durativas (exemplos 15):

(15) a. A avaliação dos candidatos demorou duas horas.

b. *A avaliação positiva obtida nas finais demorou duas horas.

iii) o funcionamento do deverbal como objeto de verbos de perceção com uma noção progressiva (exemplos 16):

(16) a. Estamos a assistir à avaliação dos candidatos.

b. *Estamos a assistir à avaliação positiva obtida nas finais.

A ocorrência de estrutura argumental no deverbal, critério extremamente importante para a determinação do carácter deverbal dos deverbais conversos (Rodrigues 2001), está ausente da leitura de ‘produto’, permitindo destacar este semantismo dos de ‘evento’ e ‘resultado’. Contudo, a estrutura argumental não destrinça entre si as leituras de ‘evento’ e de ‘resultado’, como se constata através dos exemplos (17).

(17) a. A avaliação dos candidatos pelo júri está a decorrer sem sobressaltos.

b. A avaliação dos candidatos pelo júri terminou às 17:00 horas.

c. A avaliação dos candidatos pelo júri obtida nas finais está publicada na net.

148

Os nomes deverbais apenas apresentam estrutura argumental nas significações de ‘evento’ e de ‘resultado’. Focaremos agora essa capacidade argumental dos deverbais.

Em contraste com os verbos, os nomes apenas podem realizar a subcategorização de complementos indiretamente por via de preposições (Grimshaw 1990: 6). A preposição escolhida está dependente dos próprios argumentos a atualizar e da relação que o núcleo mantém com eles.

Assim, um deverbal advindo de um verbo transitivo direto perfará a sua estrutura argumental através da realização do argumento Agente através da preposição por e o Tema através da preposição de (Brito & Oliveira (1997: 69); Rodrigues (2001: 117- 118)). O elemento introduzido por por não possui caráter obrigatório na atualização sob o escopo de um nome, pelo que esse sintagma pode classificar-se como argumento- adjunto, de acordo com Grimshaw (1990:118), conforme mostram os exemplos (18).

(18) a. A lavagem da roupa (pela Antónia) demorou pouco tempo.

b. A verificação do enunciado (pelo João) demorou muito tempo.

O facto de o sintagma em causa bloquear o surgimento de um Agente conduz a que não se coadune totalmente com a identidade de adjunto, embora a sua elisão assim o ditasse.

De acordo com Rodrigues (2001), uma solução para este dilema consiste na classificação deste tipo de argumento como argumento por defeito, pois enquadra-se na classificação de Pustejovsky (1998: 63), segundo a qual o default argument corresponde a

«Parameters which participate in the logical expressions in the qualia, but which are not necessarily expressed syntactically [...]».

A preposição de pode introduzir o argumento correspondente ao argumento interno dos verbos transitivos e dos verbos inacusativos (exemplos 19) ou ao argumento externo dos verbos inergativos (exemplo 20).

149

b. O nascimento do filho de Ivan, o Terrível, foi comovente.

(20) Estamos a assistir ao voo das aves migratórias.

Para além dos deverbais com base em verbos inergativos, também aqueles que provêm de verbos transitivos com objeto oblíquo realizam o argumento que corresponde no verbo ao argumento externo através da preposição de (exemplo 21).

(21) O aceno do João ao amigo deu-se prolongadamente.

Estas notações breves servem o propósito de despertar no leitor questões emergentes destes fenómenos de co-textualização, nomeadamente aquelas que advêm da interação entre as estruturas semântica e sintática dos lexemas construídos. Como tal, não se instituem em si mesmas como objetivo último de conhecimento, mas antes como veículo para a indagação de problemas situados a um nível mais profundo, como aqueles que se expõem no capítulo 6.

5.2 Variações decorrentes da estrutura eventiva do deverbal: co-