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3.1 Análises dos registros dos alunos em Diário de Bordo, sobre o SI

3.1.3 Produção da escrita dos alunos em Diários de Bordo

Toda a atividade humana que realizamos no dia a dia envolve a linguagem - escrita, verbal ou visual. Ela pode ser considerada uma das maiores invenções da humanidade, já que supre a necessidade humana de comunicar-se e de registrar informações e acontecimentos. Por isso, tanto a escrita como a leitura precisam ser exercitadas e desenvolvidas durante toda a escolaridade, num processo infinito, que aos poucos vai se tornando mais complexo na medida em que o sujeito evolui com a escolaridade. Cabe ao professor, em sala de aula, colocar em movimento a escrita, leitura, interpretação e oralidade, para desenvolver a habilidade e a capacidade de questionamento, de construção de argumentos e comunicação das aprendizagens construídas por meio da pesquisa. O processo da escrita constitui-se em uma das formas de estruturar o pensamento (GALIAZZI, 2012).

A presença da escrita na escola, embora seja assunto em pauta há anos, devido ao seu papel fundamental no desenvolvimento cultural da criança, tem ocupado um lugar muito estreito na prática. Ensinam-se muitas coisas, como desenhar letras e construir palavras, mas não se ensina a linguagem escrita. Observa-se que na maioria das escolas “a escrita é ensinada como uma habilidade motora e não como uma atividade cultural complexa” (VIGOTSKI, 1991, p.133). De acordo com Vigotski (1991, p.133) outro aspecto que precisa

ser considerado é a necessidade da escrita ser ensinada naturalmente, para que a criança passe a vê-la como um processo natural do seu desenvolvimento e não como treinamento e imposição. Além disso, ela deve ter significado e despertar uma necessidade intrínseca, relevante e necessária para a vida das crianças, pois só assim “ela se desenvolverá não como hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa da linguagem”. Isso é possível por meio de uma compreensão interior da escrita e de um desenvolvimento organizado do pensamento.

Para Vigotski (2008) o pensamento e a fala são processos que passam por várias mudanças, pois têm raízes genéticas diferentes e se desenvolvem ao longo de trajetórias independentes e diferentes. As primeiras palavras de uma criança são puramente emocionais. Inicialmente o pensamento é não verbal e a linguagem é não intelectual. Somente mais tarde a criança passa a reconhecer que determinadas palavras referem-se a certos objetos, ações e desejos, então sua linguagem passa a ser intelectual. A fusão entre pensamento e linguagem é chamada de pensamento verbal que é determinado pelo processo sociocultural. O pensamento passa por várias transformações até chegar à fala, ao ser gerado por nossos desejos, necessidades, interesses e emoções. Pois, segundo Vigotski (2008, p.189-190)

a relação entre o pensamento e a palavra é um processo vivo; nasce através das palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras permanece uma sombra. A relação entre eles não é, no entanto, algo já formado e constante; surge ao longo do desenvolvimento e também se modifica.

Um pensamento completamente desenvolvido é aquele capaz de criar os conceitos. O pensamento passa primeiro pelos significados e depois se transforma em palavras. É somente por meio delas que o pensamento passa a existir. Assim, “as palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução da consciência como um todo” (VIGOTSKI, 2008, p.190).

Neste sentido, cabe aos educadores acompanhar e organizar todas as ações e o complexo processo de transição de um tipo de linguagem para outro. Portanto, o que se precisa fazer “é ensinar às crianças a linguagem escrita, e não apenas a escrita de letras” (VIGOTSKI, 1991, p. 134). Lembrando Marques (2001, p. 84) “o ler e o escrever requerem uma aprendizagem propositada, dado seu caráter instituído independentemente de suas formas de codificação”.

Desenvolver a pesquisa na sala de aula exige não só pesquisar, mas ler e escrever. A linguagem escrita é uma maneira de reconstruir os conhecimentos estudados, de exercitar o pensar e arriscar na elaboração própria. Moraes et al. (2007, p. 200) argumentam que “a

escrita primeira deve acompanhar o pensamento em movimento sobre os temas trabalhados, explorando os potenciais da escrita como modo de pensar. Neste sentido, escreve-se sempre para reescrever, para conseguir expressar pensamentos cada vez mais complexos e claros”. O importante é começar a escrever, ensaiar-se no processo da escrita. Para isso, é necessário que se estimule nos alunos a capacidade de ler e escrever, a começar por nós, professores, ao quando registramos e analisamos os diferentes acontecimentos da sala. Esse movimento permite um planejamento orientado e significativo da aprendizagem, pois o Diário de Bordo é um meio dos estudantes registrarem as suas atividades, reflexões, comentários sobre o modo como o trabalho que se desenvolveu em grupo ou individualmente se processou.

Durante o ciclo da pesquisa e a elaboração dos relatos das aulas de SI, foi possível examinar como cada grupo de alunos produziu seus registros coletivos no Diário.O Diário de Bordo do grupo de alunos do 1º ano – A, por exemplo, não possibilitou realizar análises profundas, pois as escritas resumiram-se em relatos de três ou quatro linhas, com registros que revelam muito pouco sobre a atividade ou a aula desenvolvida no SI, ou seja, predominou uma escrita sucinta dos fatos e dos caminhos realizados durante a pesquisa. A escrita não focaliza em aspectos substanciais a prática docente do professor responsável pelo SI e nem o envolvimento dos outros docentes ou componentes curriculares com a pesquisa da turma, não ficando evidentes os conceitos trabalhados ou significados. Mas, como iniciantes, foi possível desafiá-los para o ato da escrita em uma atividade nova até então para eles. Da sua maneira cada um procurou registrar e fazer apontamentos sobre aspectos que considerou relevante naquele momento. Talvez porque não tiveram um acompanhamento na escrita, do professor responsável pelo SI e também, por não ter sido considerado um instrumento de avaliação, tendo somente orientações, as quais foram realizadas de forma esporádicas. Muitas vezes esse sentimento de insegurança mobiliza o aluno no momento em que ele precisa fazer os seus registros, pois esta dinâmica distancia-se da aula copiada na qual a maioria esta acostumada a realizar.

O coletivo do grupo de alunos do 2º ano - A teve somente treze escritas no Diário de Bordo. Este fato preocupa, pois, estes alunos já tinham informações e conhecimentos a respeito dessa dinâmica no EMP. Constatou-se que este grupo realizou menos relatos que o 1º Ano e 3º Ano, sendo que esta experiência não é nova para eles e a produção no Diário não apresentou evoluções na forma escrita. O grupo não se sentiu estimulado e engajado na tarefa solicitada, talvez porque já se ambientaram no contexto escolar e ainda não se sentem tão compromissados na escolha da profissão, como no caso dos 3º anos. Esse nível de formação (2º ano) pode representar um período em que os alunos não são tão

comprometidos com as atividades que são encarregados de realizar, demonstrando certo descuido em seus relatos por não considerarem importantes para suas aprendizagens. Constata-se, nessa turma, certa involução. Desse modo, acredito que o professor precisa estabelecer diálogo que mobilize os alunos para a necessidade de aprender, incentivando e fomentando o ato da escrita nesses jovens estudantes.

A abordagem da importância do ato de escrever no espaço da sala de aula precisa começar a ser praticada e exercida pela interlocução de sujeitos que interagem na produção de significados. Remete-nos ao quanto é prazeroso e aventureiro escrever e pode ser realizado em qualquer momento e com qualquer tema, seja ele do cotidiano ou até mesmo histórias de nossa infância, mas o importante é começar a escrever e deixar que isto faça parte de nossas vidas diariamente. O ato de escrever pode ser visto como forma de encontrar a si próprio e de dialogar com leitores, às vezes invisíveis, imaginários, imprevisíveis, mas que estão sempre presentes. O docente de todos os níveis de ensino, seja, Ensino Médio ou Ensino Superior, precisa assumir um papel de multiplicador do hábito da leitura, escrita e da pesquisa, incentivar e abrir novos caminhos para serem trilhados pelos discentes, para que estes se deleitam com o prazer da leitura e estimulem a buscar o novo e as respostas às indagações.

Já o grupo de alunos do 3º ano-A, realizou um total de cinquenta e seis relatos no Diário de Bordo compartilhado. Percebe-se uma boa evolução na escrita e no comprometimento e seriedade do grupo com as atividades que estavam desenvolvendo. Ao criar-se o hábito de registrar e refletir percebe-se uma aprendizagem mais significativa dos conceitos e conteúdos. Ao elaborar o projeto e o relatório da pesquisa, eles também estão exercitando o ato da escrita. Tendo em vista que esta turma já teve uma caminhada e vem realizando essa atividade orientada desde o primeiro ano do EMP. Além do mais, são alunos que têm certa maturidade e a grande maioria está se preparando para enfrentar o mundo do trabalho, vestibulares, Enem, concursos, preocupações normais desta fase, por isso, dedicam se mais aos estudos. Eles apresentaram uma escrita mais reflexiva ao explicitar o seu entendimento e percepções sobre a proposta do EMP, os projetos de pesquisa do SI e sobre a avaliação, conforme se constata nos excertos a seguir:

Quando iniciou o ensino médio, nunca tinha escutado falar sobre projetos, e o novo ensino médio politécnico, veio fazer a diferença, abrir novas oportunidades de novos estudos aos alunos, que são gratificados tendo a chance de aprender ainda mais, pois já passei por três anos de ensino médio e certamente eu aprendi

sobre o que foi pesquisado. (E12- 3º Ano).

Logo no nosso primeiro ano de Ensino Médio fomos apresentados á essa nova proposta de educação, o surgimento do Seminário Integrado como Ensino Politécnico. Num primeiro momento alguns professores e alunos não gostaram da

proposta devido a alterações na grade curricular dando espaço as aulas de Seminário, mas conforme o decorrer das aulas fomos descobrindo inúmeras vantagens. Escolhendo temas de interesse da turma e pesquisando, aprendemos conceitos que vão muito além da sala de aula e dos conteúdos disciplinares que estudamos. Eu acredito que o principal benefício que o Ensino Médio Politécnico trouxe foi à possibilidade de aprendermos a produzir, executar e apresentar um projeto, possibilidade essa que apenas escolas profissionalizantes ofereciam até então. Um ponto negativo foi à mudança na maneira de avaliar os alunos, que antigamente era por notas e agora é por conceitos, isso acaba desestimulando o aluno já que um excelente ficará com o mesmo conceito de um satisfatório. Concluo que para melhorar o Ensino Médio Politécnico deve haver mais comprometimento dos alunos, professores e direção escolar, cada um deve ajudar da sua maneira para um bom funcionamento dos projetos como uma ferramenta

de aprendizagem. (E10- 3º Ano).

O Ensino Médio Politécnico iniciou no ano de 2012 aqui na nossa instituição. Eu estava na 8º série do Ensino Fundamental e quando os alunos que estavam no 1º ano do EMP começaram a falar sobre ele, fiquei um pouco assustada, pois falaram que era muita coisa e estudo dobrado. No ano de 2013, meu 1º ano do EMP, começamos com a ideia do Seminário Integrado, pra que servia e o que teríamos que fazer de avaliações. Realmente foi bastante coisa, portfólio, Diário de Bordo e a organização do seminário, projeto e aulas normais, com a matéria comum. Nossa professora coordenadora foi muito paciente conosco, e ajudou

muito. Fizemos muita coisa com ela, e nosso projeto, foi um sucesso. (E9- 3º Ano).

Conforme o relato dos estudantes verifica-se que estes tem consciência da importância da pesquisa na vida deles, que o EMP possibilitou ampliar horizontes, principalmente para aqueles alunos que souberam aproveitar a proposta. Mas também teve alguns que não compreenderam o seu significado devido à falta de interesse, envolvimento e comprometimento com as atividades que estavam sendo desenvolvidas. Os alunos destacam nos relatos a importância do envolvimento e participação de todos os segmentos da comunidade escolar para o sucesso da proposta e das pesquisas escolares.

Quanto aos relatos do 1º ano e 2º ano, constata-se certa resistência, receio e dificuldade dos estudantes em expor suas opiniões, realizar os primeiros registros, escrever e relatar com mais profundidade, por isso foram escritas mais descritivas do que reflexivas. No entanto, procurou-se constantemente incentivá-los a registrar com mais detalhes e informações. Conforme Zabalza (1994), o Diário pode ser um recurso penoso, mas ao mesmo tempo prazeroso, pois permite que permaneçam vivos os dados, os sentimentos e as experiências. O professor precisa ficar atento ao que os alunos escrevem e falam, para realizar as possíveis e necessárias interferências no sentido de contribuir positivamente para a construção da aprendizagem.

Pois, escrever é preciso (MARQUES, 2001), pesquisar sempre, na busca da reconstrução das nossas aprendizagens e de novos conhecimentos. Penso que o uso de Diários pode ser um caminho interessante para valorizar os escritos dos alunos, resgatar a

essência das informações estudadas e favorecer a internalização mais efetiva do conhecimento. De acordo com a teoria sociocultural de Vigotski, as interações são a base para que o indivíduo consiga compreender (por meio da internalização) as representações mentais de seu grupo social, aprendendo, portanto os conceitos. Para Vigotski (1991, p. 63), a internalização é “a reconstrução interna de uma operação externa”. Ela é uma atividade social desenvolvida pelos seres humanos e nos diferencia dos animais. A construção do conhecimento ocorre primeiramente no plano externo e social (com outras pessoas) para depois ocorrer no plano interno e individual. Nesse processo, os sujeitos mais experientes (adultos, e professores em particular) são parte fundamental para a estruturação e mediação de que e como aprender. Por isso, ao utilizar esse instrumento, é importante que o professor organize tempo para fazer a leitura desses Diários com vistas a refletir sobre o processo de construção de conhecimentos de cada aluno, ao observar e destacar avanços e desafios. É importante olhar a produção escrita do aluno não somente para avaliar os seus equívocos, atentando apenas para a linearidade do texto, mas, também, na perspectiva de ver o significado e a evolução das formas de construção desse significado.

Galiazzi (2014, p. 96) reafirma “a importância de todos os professores trabalharem a leitura e a escrita em sala de aula, e essa minha crença se fundamenta no princípio de que os recursos naturais transformam os processos cognitivos”. Portanto é fundamental desenvolver o hábito da escrita no dia a dia da escola, não somente como atividade ou prática da disciplina de Português, mas em outras atividades e disciplinas. Além disso, a escrita deve ser vista como constitutiva do sujeito e de sua própria identidade. E como diz Marques, “escrever como provocação ao pensar, como o suave deslizar da reflexão, como a busca do aprender, princípio da investigação” (2001, p. 26). Assim, a aventura do ato de escrever exige começar a escrever, ler, reler, reescrever, recomeçar, estruturar e reestruturar o texto, buscar a interlocução com outros sujeitos, pois, segundo Marques (2001, p. 43) “escrever é preciso”.

Por isso, a intervenção do professor do SI na escrita nos Diários dos alunos é importante. Assim, os alunos poderão avançar em suas escritas e registros. Conforme Zabalza (1994) os Diários constituem-se importantes espaços narrativos, e como tal, precisam ir além do mero relato, ao possibilitar analisar e investigar a ação, fatos e acontecimentos derivados dos processos de aprendizagem em sala de aula e fora dela. Não existe uma única maneira para realizar tal escrita, pois cada sujeito narra e analisa os fatos e fenômenos de uma determinada maneira. O registro das impressões dos alunos parece ser um meio interessante de valorizar as descobertas pessoais, promover o interesse e

envolvimento pelos conteúdos trabalhados em sala de aula e outros espaços, além de servir de sistematização dos conhecimentos construídos ao longo das aulas ou da pesquisa escolar. A compreensão crítica do ato de escrever não pode se esgotar na decodificação pura da palavra, mas permitir criar o hábito de pensar as práticas e de se pensar a própria aprendizagem.

A leitura e a escrita são pontes fundamentais na constituição e inclusão dos indivíduos na sociedade, sendo a escola a instituição responsável por priorizar e sistematizar essas habilidades. No desenvolvimento destas capacidades, o professor é o mediador fundamental do processo. Lembrando Marques (2001, p. 91) “escrever é iniciar uma ventura que não se sabe onde nos vai levar; [...] que, depois de algum tempo, se saiba não ser mais possível abandonar” , em síntese “não existe o ato de escrever sem a suposição do ato de ler, uma suposição que tem sua própria história nas muitas e circunstanciadas formas da recepção, por leitores em carne e ossos, da obra do escrever” (p. 89).

No texto que segue, procuro descrever e analisar as contribuições das atividades desenvolvidas nas aulas de Química e SI da área de CN, referente ao projeto de pesquisa da turma do 3º ano do EMP.