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Organograma 01 − Estrutura hierárquica do mercado bancário

2.3 FINANCIAMENTO DE PROJETOS NO MERCADO BRASILEIRO

2.3.1 Project finance – definições e aplicações

No sentido amplo, todo empréstimo concedido a um empreendimento pode ser considerado como financiamento de projeto. Já no sentido estrito, objeto deste estudo, financiamento de projeto ou Project finance se distingue dos demais, pelos seguintes quesitos (ENEI, 2007, p. 3, 63; VIEIRA et al. p. 5):

[...]há segregação contábil do empreendimento financiado por meio de sociedade de propósito específico;

há presença de um financiamento, mútuo de escopo – espécie de mútuo bancário em que o mutuário se obriga a dar um determinado destino à quantia recebida por empréstimo, garantido precipuamente pelas receitas e ativos do próprio empreendimento; e há utilização de rede de contratos coligados para alocação de riscos entres os intervenientes.

Project finance, também chamado de project financing ou project-related, vem sendo aperfeiçoado ao longo do tempo e disseminou-se nos Estados Unidos da América, nos anos 1930, na exploração de recursos naturais. Mais tarde foi utilizado junto a empresas fornecedoras de energia elétrica e empresas concessionárias de serviços públicos.

Borges (1999, p.1) define Project finance como:

Uma forma de engenharia/colaboração financeira sustentada contratualmente pelo fluxo de caixa de um projeto, servindo como garantia à referida colaboração os ativos desse projeto a serem adquiridos e os valores recebíveis ao longo do projeto.

No Brasil, no final da década de 1970, essa modalidade de empréstimo já tinha evoluído quanto às suas características e se disseminado junto aos empreendedores que buscavam segurança no retorno dos investimentos.

Segundo Enei (2007, p. 27), Project finance era caracterizado como:

Empréstimo realizado a favor de uma unidade econômica individualizada, pela qual os mutuantes aceitam a capacidade de geração de caixa e lucros por parte da referida unidade econômica como fonte principal de pagamento do empréstimo, assim como os ativos alocados àquela unidade econômica como garantia real.

Tanto o Project finance quanto o Corporate financing são modelagens financeiras utilizadas em empreendimentos de longo prazo e conservam, na maioria das vezes, no mercados brasileiro e internacional, a nomenclatura original em língua inglesa. A decisão de financiar uma ou outra modalidade baseia-se em quesitos diferentes.

Por exemplo, na modalidade Corporate financing, a concessão de crédito se dá pela forma tradicional de análise do histórico de crédito passado e futuro da empresa como um todo, incluindo o balanço patrimonial, riscos e instrumentos de garantia.

empreendimento, em sua capacidade de geração de receitas, cujas obrigações contratuais têm o fluxo de caixa do próprio empreendimento como base para liberação dos financiamentos.

No caso de financiamento corporativo – Corporate financing – o foco do estudo de viabilidade concentra-se nas condições financeiras de um único demandante de crédito, tendo como garantias, os balanços e os ativos dos solicitantes do empréstimo para deferimentos dos recursos. Já no caso de financiamento de projetos – Project finance – o foco está no projeto em si, nas possibilidades de retorno do investimento, no qual deverá ser investido os recursos demandados.

Na modalidade tradicional Corporate financing, o tomador é responsável pelo pagamento do empréstimo independentemente dos resultados do projeto e sua capacidade de endividamento fica impactada pelos valores levantados e durante o tempo compromissado.

Dessa forma, muitas empresas que se encontram no limite do endividamento tradicional, lançam mão da modalidade Project finance, para realizarem novos empreendimentos, pela possibilidade de formalizar novos contratos sem aumentar a alavancagem financeira frente a determinados agentes financeiros, visto que as receitas, os ativos e os colaterais ficam separados em uma sociedade comercial.

Por demandar modelagens financeiras complexas, a estruturação de um Project finance exige várias negociações entre o grupo de interessados, normalmente com presença de entidades governamentais e atores internacionais, tais como bancos financiadores e investidores institucionais brasileiros ou estrangeiros. Bancos com atuação internacional, agências de crédito de exportação e agências multilaterais são exemplos de investidores ou co-investidores de financiamento de projetos.

Algumas características são comuns em Project finance de projetos e possibilitam maior alavancagem financeira, com a limitação do teto máximo de responsabilidade dos empreendedores. São elas:

• Formação de sociedade de propósito específico – SPE para ser beneficiária dos resultados do projeto;

• Redes de contratos com estrutura detalhada; • Participação dos agentes na elaboração do projeto;

• Vinculação ou cessão das receitas futuras do projeto em favor dos empreendedores;

• Estabelecimento de pacote de seguros, inclusive com grupos de seguradoras internacionais e com experiência reconhecida no mercado, dado às altas quantias envolvidas;

Em termos de fluxo de caixa:

• Foco em condições previamente acordadas para se alcançar um determinado fluxo de caixa, advindo com as receitas das operações do próprio projeto;

• Estabelecimento de fluxos de caixa esperados do projeto para saldar financiamentos;

• Contabilização dos riscos financeiros e operacionais em separado;

• Determinação de níveis de solidariedade entre os empreendedores, que normalmente são poucas ou nenhuma;

• Substituição das garantias reais por recebíveis, ou seja, títulos de créditos, tais como duplicatas, notas promissórias e outros documentos originados do faturamento de bens e serviços produzidos a partir do empreendimento financiado.

A modalidade Project finance pode ser utilizada não apenas em empreendimentos novos, mas, também, em restauração e ampliação ou, ainda, em manutenção de empreendimentos em operação.

Essas opções a priori, podem representar menores riscos aos investidores, devido aos históricos de créditos e operações já realizadas, sendo esse tipo de modelagem cabível, também, em refinanciamentos e aquisições financiadas.

Normalmente, é facultado aos empreendedores, participarem da execução ou operação, inclusive, fornecendo bens de capital próprios para serem utilizados no projeto, desde que mantenham o nível de garantias e de rentabilidade esperado pelo empreendimento. A utilização da modalidade Project finance é uma opção que exige mudança de postura dos técnicos dos setores público e privado, além de ser uma saída para a demanda reprimida de financiamento de infra-estrutura no País, que sobrecarrega as instituições financeiras públicas, segundo Borges (1999, p. 22).

Os principais aspectos de uma operação de financiamento de projetos envolvem as fontes de recursos e o plano de financiamento, a estruturação, análise de viabilidade, os arranjos de garantia. E, por ser uma alternativa para financiamento de projetos de infra- estrutura, com possibilidade de segregar e mitigar riscos, tem sido utilizada também para financiamentos de projetos industriais de grande porte, mas os setores onde a modelagem financeira Project finance tem sido mais usada são nos de infra-estrutura, onde são demandados vultosos recursos para sua viabilização.

Em nível mundial, o número de obras estruturadas via Project finance tem crescido exponencialmente, tanto nos países industrializados como nos países em desenvolvimento. No Brasil, nos anos 1976 a 1988, o financiamento de projetos na modelagem Project finance foi aplicado na indústria petrolífera, onde continua sendo útil e bem sucedido (MEYER e

ENEI, 2004, p.1). Mais tarde, a modelagem foi utilizada em outros setores como os de transportes, de energia, de plantas industriais, de mineração (Quadro 07).

Setores Projetos

Energia Construção e operação de usinas hidrelétricas, termelétricas, de geração nuclear e outras;

Construção, operação e manutenção de linhas de transmissão de energia.

Petroquímico, gás Construção e operação de gasodutos, refinarias, reservatórios de petróleo, plataformas, campos petrolíferos, dutos, oleodutos, indústria petroquímica.

Transporte Construção, operação e manutenção de aeroportos, de rodovias, de trens, de metrôs, de pontes, de instalações portuárias.

Água e saneamento Saneamento básico, tratamento de água, aquedutos. Mineração e siderurgia Prospecção e exploração de jazidas.

Plantas industriais Diversas.

Quadro 07 – Financiamento de Projetos – Setores de aplicação. Fonte: Enei (1999); Borges (1999) – Adaptado pela autora.

Mas, a modalidade Project finance tornou-se mais comum no Brasil, a partir dos anos 1994. A demanda por esse tipo de modelagem financeira foi incrementada pelos processos de estabilização monetária e de desestatização dos setores de infra-estrutura instaurados pelo Governo Federal, que além da venda de ações e ativos estatais autorizou a iniciativa privada executar serviços antes de domínio estatal, aumentando os investimentos de longo prazo.

A utilização do Project finance deu-se inicialmente para desenvolvimento dos setores de infra-estrutura, principalmente nos de energia elétrica e, devido a variáveis macroeconômicas e à incipiente experiência do empresariado brasileiro, as oportunidades foram aproveitadas por investidores estrangeiros que viram no Brasil um campo fértil para investimentos (FARIA, 2003, p. 61). Nessa época, agências multilaterais e outras instituições financiadoras, devido à falta de garantias reais dos demandantes de crédito de longo prazo, as quais eram exigidas pelo setor bancário brasileiro, valeram-se da modelagem Project finance largamente utilizada nos Estados Unidos.