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PARTE I: PREMISSAS CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS

4.2. PROPOSTA CLASSIFICATÓRIA DOS “FATOS JURÍDICOS

Observa-se entre os processualistas seguidores da proposta ponteana que a classificação dos fatos jurídicos processuais (lato sensu) se dá de acordo com o suporte fático (abstrato) da norma jurídica processual. Deveras, podem-se identificar, no elemento cerne da referida norma, fatos humanos e não humanos, voluntários ou não voluntários, lícitos ou ilícitos.

Assim, como ensinam Fredie Didier Jr. e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira, no direito processual, é possível falar em fatos em sentido amplo, os quais contemplam as seguintes espécies: “(a) lícitos, dentro dos quais se inserem (a.1.) fatos jurídicos stricto sensu processuais, (a.2) atos-fatos jurídicos processuais, (a.3) atos jurídicos stricto sensu processuais e (a.4) negócios jurídicos processuais, e (b) ilícitos processuais.”559

Trocando em miúdos, os fatos processuais lícitos são aqueles que se constituem sem qualquer violação ao direito, é dizer, o suporte fático da norma processual prevê um acontecimento autorizado (permitido).

Dentre os lícitos, os fatos stricto sensu processuais são aqueles que entram no mundo jurídico sem que haja um ato humano na composição do suporte fático da norma jurídica processual. Portanto, na referida hipótese de incidência há a previsão de eventos naturais (a exemplo de uma catástrofe ambiental) ou biológicos (a exemplo da morte).560 É por isso, por exemplo, que quando uma parte do processo morre, deve-se proceder com a habilitação dos herdeiros, como efeito irradiado daquele fato stricto sensu processual.

Pertinente, por aqui, uma observação. Para facilitar a compreensão dos termos utilizados neste trabalho, sempre que se fizer menção ao “fato jurídico processual” estar-se-á a referir ao gênero “fato jurídico processual lato senso”. Quando se quiser fazer menção à espécie, será especificado dizendo tratar-se de “fato jurídico stricto sensu processual”.

559 DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos

processuais, cit., p. 40.

Os atos-fatos processuais lícitos, a seu turno, são uma espécie muito própria de uma proposta classificatória ponteana e, conforme se verá, a adoção dessa tipologia acarreta importantes repercussões na interpretação do direito processual. Um ato-fato processual é um fato jurídico marcado por ter sido produzido por ação humana, mas com o detalhe de que o direito despreza a vontade (ou a encara como irrelevante) na prática do ato e, por isso, a ordem jurídica o toma como fato. O suporte fático da norma processual prevê ato humano, mas sem dar importância à vontade.561 Bons exemplos seriam: o adiantamento das custas processuais, a revelia, a execução provisória de sentença posteriormente reformada etc. – casos em que se mostra indispensável a ação (ou omissão) humana, mas em que a norma não especula sobre a vontade na realização do ato, razão pela qual os efeitos independem do querer. Aliás, a espécie (ato-fato processual) é tão interessante que, mesmo processualistas que não têm Pontes de Miranda como marco teórico, chegaram a admitir os atos-fatos processuais, a exemplo de Daniel Mitidiero, Luiz Guilherme Marinoni562 e Calmon de Passos. Este último, diga-se de passagem, em clássica obra, já ofertava importante exemplo: o preparo, “se feito, será eficaz, pouco importando quem o fez e com que intenção praticou esse ato”.563

Ainda no campo da licitude, os atos processuais lato sensu se bipartem em atos jurídicos stricto sensu processuais e negócios jurídicos processuais. Estes dois últimos têm em comum a circunstância de, no suporte fático da norma processual que os prevê, haver um ato humano volitivo. O que os diferencia, porém, é a possibilidade de escolha da categoria eficacial.564

Os atos jurídicos processuais stricto sensu se caracterizam por não darem margem de escolha da categoria eficacial. Por isso, aquele que pratica o ato deve se submeter à categoria de eficácia previamente estipulada pela norma jurídica processual, não havendo liberdade para modificá-la, como se dá no caso da citação, da intimação, da penhora etc. Tal espécie é a mais abundante dentre os atos que integram o procedimento.565

561 Ibid. p. 45.

562 MITIDIERO, Daniel Francisco; MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processo civil

comentado artigo por artigo. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 191.

563 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Esboço de uma teoria..., cit., p. 68.

564 Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, cit., §227.

565 DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos

Por outro lado, os negócios jurídicos processuais são marcados por abrirem margem de escolha da categoria eficacial. Em termos claros: o suporte fático da norma jurídica processual confere poder ao sujeito de escolher a categoria jurídica ou de firmar determinadas situações jurídicas, sempre se obedecendo aos limites fixados pelo ordenamento jurídico.566

Entre os fatos jurídicos processuais, também há aqueles que surgem da prática de um ilícito. No caso, frisa-se que os “ponteanos do processo” ainda não desenvolveram grandes estudos a respeito dos fatos jurídicos processuais ilícitos, mas, como aparente tendência, eles admitem, de regra, os “atos ilícitos processuais”, não mencionando a eventual existência de fatos jurídicos stricto sensu processuais ilícitos ou os atos-fatos processuais ilícitos.567

Outra marca que se tem observado é a adoção da subclassificação dos ilícitos processuais com base nos efeitos que eles produzem, aproveitando-se tanto dos ensinos ponteanos568 e de Marcos Bernardes de Mello569, quanto dos estudos de Felipe Braga Netto, sobre os ilícitos civis.570

Daí ser feita menção aos: (i) ilícitos indenizativos, consistentes em atos processuais contrários ao direito que fazem surgir o efeito de indenizar, como é o caso da litigância de má-fé (art. 81, CPC/15571); (ii) ilícitos invalidantes, consistentes

em condutas contrárias ao direito cujo efeito é a invalidação de um ato jurídico, como a prática de ato processual sem a intervenção do Ministério Público, quando a lei impõe a participação deste (art. 279, CPC/15572); (iii) ilícitos autorizantes573, que

566 NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais, cit., p. 133-136.

567 Assim é em: DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos

jurídicos processuais, cit., p. 66-67; BRAGA, Paula Sarno. Primeiras Reflexões sobre uma Teoria do Fato Jurídico Processual: Plano de Existência. In: Revista de Processo, São Paulo, nº 148, p. 293-320, junho de 2007; TRIGUEIRO, Victor Guedes. Teoria dos ilícitos processuais civis – plano da existência. In: DIDIER JR., Fredie; EHRHARDT JR. Marcos. (Coord.). Teoria do fato jurídico: homenagem a Marcos Bernardes de Mello. São Paulo: Saraiva, 2010.

568 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, tomo II, cit., passim. 569 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência, cit., p. 288-293. 570 NETTO, Felipe Peixoto Braga. Teoria dos ilícitos civis. 2ª edição revista, ampliada e atualizada.

Salvador: Juspodivm, 2014. p. 124-134.

571 Art. 81, caput, CPC/15. “De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar

multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.”

572 Art. 279, caput, CPC/15. “É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for

intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.”

573 Segundo Didier Jr., Felipe Peixoto Braga Netto avança na classificação dos ilícitos, “[...] propondo

a criação do conceito jurídico fundamental de ilícito autorizativo, que, ao lado dos ilícitos caducificante, indenizativo e invalidante, compõe a tipologia dos ilícitos civis.” (Comentário inserido na contracapa do livro: NETTO, Felipe Peixoto Braga. Teoria dos ilícitos civis, cit.)

têm como efeito o surgimento de uma situação jurídica ativa autorizativa para a prática de outro ato, como o direito que surge para o oficial de justiça de (com autorização judicial) arrombar a porta daquele que tenta obstar a penhora (art. 846, §1º, CPC/15574), e (iv) ilícitos caducificantes, que têm como efeito a perda de uma situação jurídica ativa, como é nos casos de preclusão (art. 218, CPC/15575).

4.3. A NOVA PROPOSTA CLASSIFICATÓRIA DOS FATOS JURÍDICOS