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2. Introdução Geral

2.6 Propriedades mecânicas

A biomecânica de células humanas e biomoléculas têm sido alvo de estudo por diversas razões. O corpo humano é constantemente exposto à diversas fontes de stress físico. Interações biofísicas dele decorrentes ocorrem em diferentes níveis, dos macroscópicos, como no sistema músculo-esqueleto, até níveis celulares e moleculares. Deste modo, a investigação sobre processos biomecânicos fornece informações quantitativas sobre mudanças nas propriedades físicas de células e biomoléculas que permitem, por exemplo, mapear a progressão de certas doenças cardíacas [59] e câncer [46].

As propriedades mecânicas de células vivas têm sido quantificadas utilizando vários métodos, tais como micropipeta de aspiração, pinças ópticas e magnéticas [60,61], nanofios semicondutores [62] ou micropilares de PDMS [63], e nanoindentação. As limitações e especificidades de cada técnica orientam a escolha para uma dada aplicação, assim como a melhor maneira de obter a resposta de uma dada região da amostra [64].

Nesta seção será dada ênfase a técnica de nanoindentação, utilizada neste trabalho. Comparando com as demais técnicas de medida, a nanoindentação traz como vantagens o mapeamento da amostra em alta resolução, um bom controle da posição da ponta de prova sobre a região de interesse da amostra, além da flexibilidade de usar pontas de prova de diferentes geometrias (cônica, esférica, piramidal) para obtenção de respostas mecânicas específicas de cada região de interesse da amostra [65].

A técnica de nanoindentação pode ser aplicada utilizando um nanoindentador ou um microscópio de força atômica (AFM). Os nanoindentadores são em geral utilizados para medir

propriedades mecânicas de materiais rígidos, como cerâmicas [66]. Já o AFM é mais utilizado na análise de matéria mole [67–69], pois pode operar com forças menores se comparadas as forças utilizadas nos nanoindentadores [70]. Em ambas as técnicas obtemos curvas que relacionam a força aplicada e a profundidade de penetração. A partir delas, é possível obter os parâmetros que caracterizam as propriedades mecânicas do material.

Para definir esses parâmetros podemos considerar um exemplo simples de um corpo sólido submetido a uma dada força aplicada e a deformação gerada por esta força (Figura 2.5).

Figura 2.5 - Corpo sólido submetido a força aplicada na direção normal.

O stiffness (k) é a medida da força aplicada necessária para induzir uma dada deformação no material. Considerando a curva de força aplicada versus deformação mostrada na Figura 2.6a, k é determinado pelo coeficiente angular da curva. Este parâmetro não caracteriza unicamente o material, pois é obtido como uma resposta elástica do material e da sonda de prova de forma conjunta. Assim, é usado para comparar materiais de forma qualitativa, fornecendo a informação do grau de rigidez. São encontrados diversos trabalhos na literatura que utilizam o stiffness para caracterizar o grau de rigidez de células cancerígenas [71,72] e de células bacterianas [73].

Figura 2.6 – Gráficos ilustrando em (a) Força aplicada (F) versus deformação (δ), e em (b) Tensão-deformação (σ- ε), forma normalizada da curva de força-deformação, para obtenção de parâmetro elástico puramente do material analisado.

Já o módulo de Young (E) fornece a resposta elástica do material analisado. É dado pelo coeficiente angular do gráfico normalizado da força aplicada pela deformação. Neste caso, a força aplicada (F) é normalizada pela área (A), ou tensão (σ); e a deformação (δ) é normalizada pelo comprimento original do sólido (L0), ou deformação (ε) [74].

Para o calcular o módulo de Young é necessário conhecer os parâmetros relacionados a área deformada e utilizar modelos teóricos para processar as curvas de força-deformação. Existem basicamente quatro modelos teóricos para este tipo de tratamento e cada um deles responde a algumas condições de contorno específicas relacionadas ao tipo de superfície (se é mais adesiva ou não) e a geometria da sonda utilizada (esférica, cônica, piramidal).

As leis de indentação e adesão são altamente não-lineares. Hertz foi o primeiro a formular as de interação de um corpo esférico com uma superfície plana (1881). Este modelo é bastante simplificado por não considerar a presença de forças adesivas ou quaisquer outras de longo alcance. As curvas de força-indentação são ajustadas pela seguinte equação [70]:

𝐹𝐿 =4 3𝐸

∗√𝑅∗𝑖3⁄2 (1)

FL é a força na curva de aproximação (load force), E* é o módulo de Young reduzido 𝐸∗ = 𝐸 (1−𝜗2) (𝜗 é a razão de Poisson), R * é o raio reduzido 1 𝑅∗ = 1 𝑅𝑡𝑖𝑝+ 1 𝑅𝑠𝑢𝑝𝑒𝑟𝑓í𝑐𝑖𝑒, e i é a profundidade de indentação.

Já o modelo DMT (Dejargin-Muller-Toporov) é o mais próximo da teoria de Hertz, tendo como diferença o fato de considerar a adesão na junção [75]. Engloba um termo adicional na equação (1), que é a força adesiva de desprendimento da sonda da superfície Fpull-off.

𝐹𝐿 =4 3𝐸

√𝑅𝑖3⁄2 + 𝐹

𝑝𝑢𝑙𝑙−𝑜𝑓𝑓

(2)

Nos dois casos anteriores considerava-se o contato entre uma sonda esférica e a superfície. O modelo de JKR (Johnson-Kendall-Roberts) é utilizado para ajustar a mecânica de contato de sondas cônicas ou piramidais, em superfícies de alta adesividade. Nele são consideradas as forças de atração dentro da área de contato causadas pela energia de superfície [76]. Este modelo não possui solução explícita para FL. Para ajustar as curvas experimentais de força-indentação, é necessário utilizar as seguintes equações paramétricas:

𝑖(𝑎) = 𝑎 2 𝑅∗− √ 2𝜋𝑎𝑤𝑎𝑑ℎ 𝐸∗ (3) 𝐹𝐿(𝑎) =4𝐸 ∗𝑎3 𝑅∗ − 2√2𝜋𝐸∗𝑤𝑎𝑑ℎ𝑎3 (4)

a é o raio de contato entre a sonda e a superfície, wadh a energia de adesão (por unidade de área) de interação entre sonda e superfície. Esta energia pode ser calculada usando:

𝑤𝑎𝑑ℎ = − 2 3( 𝐹𝑝𝑢𝑙𝑙−𝑜𝑓𝑓 𝜋𝑅∗ ) (5)

O modelo Oliver-Pharr, assim como o de Hertz, ignora a presença de forças adesivas entre sonda e superfície [77]. É utilizado para sondas que possuem forma arbitrária. A descrição matemática deste modelo é bastante complexa se comparada às demais, possuindo dependência de muitas variáveis [70].

O ponto importante sobre os modelos teóricos apresentados é que à medida que inserimos variáveis para torná-los mais próximos do experimento (por exemplo, considerando forças adesivas), o grau de complexidade de suas equações cresce. Assim, muitas vezes apenas o stiffness é utilizado para descrever a rigidez de um material de forma comparativa, minimizando o problema de mecânica de contato. Nesta tese utilizamos o stiffness para caracterizar as propriedades elásticas do sistema formado por células e EPS.