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Parte I – Estudo de Propriedades Mecânicas

4.2 Propriedades mecânicas variam com o tempo

Para investigar a evolução das propriedades mecânicas ao longo dos estágios iniciais de formação do biofilme é necessário primeiramente obter imagens das estruturas superficiais com maior resolução espacial; para isso utilizamos o microscópio de força atômica. Através da análise de topografia da superfície foi possível fazer o mapeamento das estruturas de interesse (células, agregados e biofilmes) e posteriormente obter as propriedades mecânicas de estruturas escolhidas baseadas na morfologia. Neste caso, foi utilizado um microscópio de força atômica acoplado a um microscópio de varredura por laser confocal (CLSM), onde inicialmente identificamos áreas de interesse (através de imagens de ~212 µm x 212 µm). Destas imagens, escolhíamos regiões para varrer com o AFM (tamanho máximo de varredura 50 µm x 50 µm).

A Figura 4.5 ilustra as regiões mapeadas por CLSM, que foram usadas como guias para a varredura com AFM. De maneira geral, essas imagens mostram as mesmas estruturas vistas com WFM (Figura 4.1), estruturas esféricas, células alongadas e células únicas, agregados e biofilmes. É importante salientar que neste caso não estávamos preocupados com a qualidade de resolução das imagens, pois nosso interesse era apenas identificar as estruturas para a imagem subsequente com o AFM.

Figura 4.5 - Diferentes estágios da parte inicial do ciclo de vida bacteriano. Imagens de CLSM mostrando a distribuição espacial das células durante (a) 2 dias, (b) 3 dias, (c)-(d) 5 dias de crescimento. Flechas indicam formas esféricas, com diâmetro em torno de 500nm, que podem representar vesículas.

A Figura 4.6a mostra diferenças de altura de até 100 nm entre o substrato e a célula bacteriana, e de até 60 nm em um perfil de alturas ao longo da célula bacteriana e seu polo; os diâmetros das células estão em torno de 500 nm como esperado. A imagem de deflexão vertical na Figura 4.6b revela em mais detalhes a forma das células. Observamos estruturas esféricas bem definidas nos polos bacterianos (indicadas por flechas).

Para a amostra com 3 dias de crescimento (Figura 4.6c) são vistas diferenças de alturas similares para uma única camada de células sobre a superfície; neste caso o número de agregados pequenos e biofilmes é bem maior do que o encontrado na amostra de 2 dias. Verificamos também que as maiores diferenças de altura estão presentes nas amostras com maior tempo de crescimento. Um perfil de alturas traçado entre o biofilme e o substrato na amostra de 5 dias de crescimento (Figura 4.1d), mostra diferenças de altura de aproximadamente 340 nm, enquanto em regiões dentro do próprio biofilme as variações chegam a ~150 nm.

Figura 4.6 - Imagens de Microscopia de Força Atômica. (a) Topografia e (b) deflexão vertical de uma amostra de Xylella fastidiosa com 2 dias de crescimento, cultivada sobre substrato de vidro. (c) – (d) Imagens de topografia para culturas de células com 3 e 5 dias de crescimento, respectivamente. As flechas nas imagens (a) e (b) indicam estruturas esféricas nos polos bacterianos.

Embora as alturas medidas pelo AFM nas imagens de topografia não possam ser interpretadas como uma representação quantitativa da arquitetura da matriz do biofilme tridimensional, devido ao colapso das células promovido pela remoção do meio de cultura das amostras [13], elas ainda estão relacionadas ao número original de células e seu arranjo espacial original.

Para avaliar as variações de altura ao longo da superfície bacteriana quantitativamente, calculamos a rugosidade média quadrática (RMS), dada por:

𝑅𝑀𝑆 = √∑ (ℎ𝑛− ℎ̅) 2 𝑁 𝑛=1 (𝑁 − 1) (13)

h é a altura e N o número de pontos (pixels) na imagem. Para a amostra com 2 dias de crescimento, observamos duas diferentes populações de células, com valores RMS de aproximadamente 3 nm e 8 nm, respectivamente. Quando o tempo de crescimento é aumentado para 3 dias, as duas populações de células mostram valores RMS menores, respectivamente 2nm e 6 nm, aproximadamente. Este efeito de suavização da superfície observado para tempos de crescimento maiores, sugere um recobrimento de EPS contínuo na célula, embora não possam ser excluídas variações na composição do EPS ao longo da célula.

Em biofilmes, como o mostrado na Figura 4.6d, os maiores valores de rugosidade (~17 nm) são observados na região central. Neste caso as variações de rugosidade não podem ser atribuídas unicamente a mudanças no EPS, como no caso das células únicas. Como mencionado anteriormente, estes valores podem também refletir mudanças na topografia associadas a variações morfológicas causadas pelo colapso de células verticais que formaram o biofilme, quando o meio foi removido.

As medidas de espectroscopia de força foram subsequentemente realizadas para investigar as propriedades elásticas ao longo das diferentes regiões do sistema EPS/célula, de acordo com as morfologias observadas nas imagens de topografia. Vale lembrar que não foi possível dissociar o sistema EPS/célula para análise; desta forma, todos os resultados apresentados nesta tese correspondem a resposta elástica deste conjunto.

Após a calibração da alavanca pelo método térmico, como mencionado na seção 3.11, foram realizadas em torno de 30 medidas de força vs distância por imagem, em diferentes regiões ao longo da superfície da bactéria (para as amostras com 2 e 3 dias de crescimento) e dentro do biofilme (amostra com 5 dias de crescimento), tendo sido cada uma das medidas realizadas 3 vezes. Este procedimento foi realizado em três imagens para cada tempo de crescimento. Desta forma tínhamos pontos suficientes para a análise estatística dos parâmetros de elasticidade.

Para obtenção do parâmetro stiffness, calculamos a derivada da curva de aproximação e para a força de adesão medimos a profundidade da curva de retração (conforme descrito na seção 3.11, capítulo 3) na posição onde ocorre a perda do contato. O substrato foi utilizado para obter a sensibilidade da alavanca, utilizada na calibração pelo método térmico. Lembrando que o substrato neste caso consiste essencialmente do vidro, porém acrescido de um filme fino devido à resíduos não removidos durante o processo de secagem da amostra.

Em resultados obtidos por Janissen, et al. [13] verificou-se que havia uma mudança no valor do potencial elétrico de superfície, entre as regiões polar (PR) e do corpo bacteriano (BB). Por este motivo, investigamos as propriedades mecânicas nestas regiões da célula separadamente.

A Figura 4.7 ilustra as curvas de força obtidas neste caso particular, em (a) na PR e em (b) no BB de uma célula, para a amostra de menor tempo de crescimento. Como mencionado anteriormente a curva de força para matéria mole tem a maior curvatura nos pontos de contato.

Em nossas medidas esse comportamento fica evidente em (a) que é a região de menor valor de stiffness (~9,1 N/m) se comparado aos valores obtidos para o corpo bacteriano (~14,9 N/m). Nos dois casos vemos pequenas deformações nas curvas de retração (indicadas por flechas), no momento que a alavanca desprende do material. Este comportamento é indicativo de adesão específica [135], que pode estar associada ao fato do EPS “grudar” na ponta do AFM. Vale lembrar que o deslocamento z corresponde a distância ponta-amostra, que varia conforme a alavanca se aproxima ou é retraída da superfície.

Figura 4.7 - Curvas de força de aproximação e retração para as regiões polar (a) e corpo bacteriano (b), para amostra com dois dias de crescimento.

Analisando as curvas de força em diferentes regiões do biofilme (cultivo com 5 dias de crescimento), torna-se ainda mais evidente a modificação sofrida pelas curvas de força conforme o material se torna menos rígido. Neste caso, tanto a região de menor valor de stiffness, correspondendo região de maior altura na imagem ilustrada na Figura 4.6d (~2,4 N/m), quanto a de maior stiffness (~13 N/m) apresentam uma maior mudança na curva de aproximação, próximo ao contato ponta-amostra. As curvas de retração de ambos os casos também possuem indicativos de uma maior interação da ponta com a superfície no momento da retração (Figura 4.8a), principalmente na região central do biofilme ilustrado na Figura 4.6d.

Figura 4.8 - Curvas de força de aproximação e retração para as regiões (a) de maior altura do biofilme e (b) de menor altura, cultivo com 5 dias de crescimento.

Tomando todos os valores de stiffness obtidos com nossos dados, construímos um gráfico box plot ilustrado na Figura 4.9a, mostrando a distribuição estatística de valores de stiffness obtidos para os diferentes tempos de crescimento considerados neste estudo. Observamos grandes diferenças de stiffness nas amostras com 2 e 5 dias de crescimento; encontramos 16 N/m e 5 N/m como valores médios, respectivamente. De acordo com nossa análise, os valores de stiffness são estatisticamente diferentes para estes estágios do ciclo bacteriano. Plotamos também a distribuição estatística dos valores de stiffness de acordo com a região da célula analisada (Figura 4.9b). Observamos uma diferença estatística entre as duas distribuições; os valores médios são um pouco diferentes, 10 N/m (PR) e 20 N/m (BB).

Figura 4.9 - Gráficos box plot e análise estatística. Valores de stiffness obtidos em diferentes pontos ao longo das amostras com (a) 2, 3 e 5 dias de crescimento. (b) Valores de stiffness adquiridos nas regiões polar e do corpo bacteriano para amostra crescida por 2 dias. Para todos os box plots foram feitas análises one-way Anova com subsequente teste Tukey post-hoc para comparar os valores de stiffness e sua significância estatística; o asterisco indica o nível de significância, p=0,001(***) e p=0,0001(****).

Investigamos também se havia alguma mudança no valor de stiffness ao longo do corpo bacteriano das células alongadas ou filamentadas em nossas imagens [13], para verificar se existia alguma relação com a elasticidade celular que contribuísse para o tamanho atípico; como resultado não vimos nenhuma diferença quando comparados aos valores obtidos em células com tamanho mais normais ou frequentes.

Analisando as forças de adesão obtidas a partir dos nossos resultados, verificamos que a distribuição dos seus valores não apresentava nenhuma tendência de aumento nem redução em função do tempo de crescimento, e nem para a mesma amostra. Ao mesmo tempo, as diferentes formas encontradas para a curva de retração no ponto de perda de contato indicam que temos interações elásticas bem diferentes, mesmo que os valores da força de adesão sejam similares (Figura 4.6 e Figura 4.7). Portanto, somente ilustramos as formas das curvas de força obtidas, sem quantificações.

Parte II – Efeitos do microambiente sobre adesão, crescimento e mobilidade