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Parte II – Efeitos do microambiente sobre adesão, crescimento e mobilidade da Xylella

4.6 Remoção de células únicas da superfície do microcanal provocadas por variações na taxa

Nesta etapa tínhamos como objetivo investigar a força necessária para remover células em estágios iniciais de adesão da superfície do microcanal. Tomamos como base os resultados mostrados anteriormente, nos quais a superfície tratada com a proteína XadA1 sempre apresentou um comportamento atípico se comparada às demais. Por este motivo, escolhemos o microcanal funcionalizado com esta adesina e o controle para o estudo em microambiente com fluxo variável.

Foram utilizados novos cultivos com um menor tempo de crescimento bacteriano (7 hs), para que tivéssemos majoritariamente uma população de células únicas. Variamos a taxa de fluxo do meio de cultura circulando nos microcanais de modo a remover células da superfície gradativamente, até o estágio em que não houvessem mais células aderidas à superfície.

Antes de mostrar os resultados deste estudo é importante fazer algumas considerações em relação a distribuição espacial celular nos casos controle e XadA1. Apesar do menor tempo de crescimento, observamos que havia um grande número de pequenos agregados no microcanal sem tratamento de superfície, diferentemente da superfície com XadA1 que mostra população

predominantemente constituída de células únicas aderidas a superfície, conforme ilustrado na Figura 4.16. Vale salientar que nos cultivos anteriores, onde tínhamos uma baixa taxa de fluxo, haviam mais agregados pequenos no microcanal controle.

Figura 4.16 – Imagem de WFM ilustrando a distribuição espacial celular para os dispositivos microfluídicos (a) controle e (b) funcionalizado com XadA1. Tempo de crescimento total aproximado de 8 hs, Q= 2 µL/min.

Sahoo et at. [54] fizeram uma marcação fluorescente para identificar a distribuição da adesina XadA1 em células únicas, e verificaram que ela está presente na membrana das células da X.fastidiosa. Em nossos resultados vimos que a funcionalização de superfície com a adesina aumenta a densidade bacteriana. Se a XadA1 está presente na membrana da bactéria, podemos inferir que a adesão célula-célula é mais favorável do que a adesão célula-superfície, fato que poderia justificar a presença de agregados no microcanal controle e de células individuais no microcanal funcionalizado com a adesina.

Introduzindo a variação da taxa de fluxo no nosso sistema, analisamos inicialmente os efeitos do aumento da tensão de cisalhamento devido ao fluxo do fluido na câmera (microcanal), sobre o número de células que permanecem aderidas às superfícies. O intervalo de tempo aproximado entre uma variação e outra da taxa era de aproximadamente 40 minutos, e após cada incremento no valor, esperávamos cerca de 3 minutos para dar início às medidas, garantindo assim que o sistema estava na condição mais estável.

Quanto à análise das imagens, somente foram contabilizadas células individuais (aderidas e removidas), devido às limitações impostas pelo modelo usado para analisar remoção de células da superfície. Porém, visualizamos também a movimentação de agregados pequenos no microcanal à medida que a taxa de fluxo era aumentada.

Do gráfico ilustrado na Figura 4.17 vemos que à medida que a tensão de cisalhamento aumenta, o número de células aderidas reduz drasticamente, chegando a zero no microdispositivo sem funcionalização. Na superfície tratada com a XadA1 também ocorre uma redução no número de células aderidas, mas neste caso ainda restam células para valores mais altos de tensão de cisalhamento.

Figura 4.17 - Gráfico do número de células únicas aderidas à superfície em função da tensão de cisalhamento provocado pelas variações de fluxo. Incerteza experimental ±2 células.

Analisamos quantitativamente os primeiros três pontos do gráfico, que nos fornecem informações importantes sobre a influência da funcionalização de superfície sobre o número de células únicas aderidas à superfície. Inicialmente, o número de células únicas é maior no controle do que na superfície com XadA1, para taxa de 1 µL/min. Quando aumentamos a tensão de cisalhamento pela segunda vez, taxa de 2 µL/min, verificamos um decaimento abrupto no número de células aderidas no caso controle, enquanto, na superfície com XadA1 este número aumenta momentaneamente. Nas variações de taxa de fluxo seguintes, em ambos os casos o número de células decresce.

Como mencionado anteriormente, no controle temos muitos agregados pequenos ao longo de todo microcanal; nos instantes iniciais (sob a taxa de 1 µL/min) estes podem estar servindo

de barreira para as células, evitando seu desprendimento da superfície. À medida que eles são removidos com as variações de taxa, as células únicas aderidas se desprendem em maior número. Para maiores valores da taxa de fluxo (32 µL/min) todas as células únicas foram removidas no controle; no caso da XadA1, ainda restam células com a taxa configurada para 100 µL/min. A XadA1 exerce o papel de tornar a superfície mais aderente para as células impedindo assim que estas células sejam removidas facilmente pela atuação da força de cisalhamento.

Durante o tratamento dos dados observamos que as células eram removidas da superfície de duas maneiras distintas. Algumas células eram arrancadas imediatamente da superfície e outras deslizavam por ela e posteriormente eram removidas pelo fluxo (mantendo a mesma taxa de fluxo), conforme ilustrado na Figura 4.18. Nas imagens de WFM acompanhamos os deslocamentos das células em intervalos de tempo relevantes para a observação dos fenômenos. Em (a) as células deslizam pela superfície, se deslocando em relação as áreas delimitadas pelos retângulos vermelhos ao longo do tempo. Já em (b) as células estão presentes até um determinado instante de tempo de monitoramento (17 s) e um segundo após já não as vemos, indicativo da remoção abrupta.

Em seus estudos em ambientes microfluídicos, utilizando Xylella fastidiosa de uma estirpe diferente da nossa, de La Fuente et al [16] também observou este tipo de movimentação das células na superfície e relacionou-o à presença de pili, no caso das células que deslizam.

Figura 4.18 – Imagens WFM de células sendo removidas da superfície. Em (a) células deslizando sobre a superfície antes de serem completamente removidas, valor da tensão de cisalhamento = 160dyn/cm2. Em (b) células sendo

removidas abruptamente da superfície, valor da tensão de cisalhamento =320 dyn/cm2.

Comparando o número de células únicas removidas abruptamente nas superfícies controle e na contendo a adesina, verificamos que para as primeiras variações de taxa de fluxo um grande número de células era arrancadas da superfície funcionalizada, até mais que no controle inicial, mas após um dado valor de taxa de fluxo esse número era reduzido. Já no caso do dispositivo sem tratamento de superfície, o número crescia de forma linear conforme a tensão de cisalhamento era aumentada (Figura 4.19).

Figura 4.19 – Gráfico de barras ilustrando o número de células única removidas abruptamente de cada superfície em função da tensão de cisalhamento. O número total de células removidas nos casos controle e XadA1 foram 30 e 8, respectivamente.

Em todo nosso estudo analisamos a força atuando sobre bactérias individuais aderidas à superfície. A força total exercida sobre cada célula pelo fluxo é chamada força de arraste (F), e apresenta contribuição da tensão de cisalhamento e da diferença de pressão ao longo do canal. A Figura 4.20 mostra os valores de força de arraste total exercida sobre a bactéria, nas condições utilizadas em nosso trabalho, computadas para as várias taxas de fluxo.

Figura 4.20 - Gráfico ilustrando os valores calculados de força de arraste correspondentes a cada variação de taxa de fluxo.

A partir da relação entre o número de células que desprendem da superfície em cada valor de força de arraste, obtivemos o valor aproximado da força de adesão atribuída a cada caso em estudo. Tomamos o valor da força de adesão resultante da interação superfície/célula única, como sendo o valor da máxima força de arraste na distribuição ilustrada no gráfico de barras (Figura 4.21). Temos que a força de adesão na superfície não submetida a tratamento químico é aproximadamente 3,7 nN. Na superfície funcionalizada, porém, este valor praticamente dobra (~7,5 nN).

Figura 4.21 - Gráficos de barra ilustrando o número de células únicas que desprendem da superfície em função da força de arraste para os dispositivos (a) controle e (b)XadA1.

Sahoo et al. [54] mediram a força de adesão para X.fastidiosa estirpe 11399 (a mesma utilizada neste trabalho), utilizando a deflexão de nanofios de InP submetidos à tratamento de superfície com XadA1 e nanofios controle (sem funcionalização). Foram reportados valores de força de adesão de (26±15) nN, no controle, e de até 45 nN em nanofios tratados com a adesina. Nosso valores para a força de adesão são menores, mas mantém a proporção de serem praticamente o dobro na presença da XadA1.

Vale salientar que estamos medindo a componente da força de adesão paralela à superfície com os dispositivos microfluídicos, enquanto as medidas realizadas em nanofios medem majoritariamente a componente normal da força em relação a superfície. Esse pode ser um dos motivos de estarmos medindo forças uma ordem de grandeza menores. Outro ponto que também deve ser levado em consideração é que as medidas realizadas em nanofios possuem

grande incerteza experimental devido ao ruído introduzido nas medidas que é da ordem de 5 nN.