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Parte I – Estudo de Propriedades Mecânicas

4.1 Variações na cobertura de EPS – dependência com o estágio de adesão e do tipo de

A determinação da presença de EPS secretado pelas células de Xylella fastidiosa ao longo de estágios iniciais de adesão precursores à formação do biofilme é um passo importante para nossa investigação das propriedades mecânicas do sistema EPS/célula. Inicialmente foi analisada a distribuição espacial de células, bem como a cobertura de EPS associada, em condições estáticas, usando imagens de microscopia de fluorescência de amplo campo (Wide Field Microscopy –WFM).

É possível medir a intensidade de autofluorescência de células do tipo selvagem usando WFM, mas não é simples detectar a presença de EPS nestes casos. Por isso foi utilizada a estirpe 11399 da X. fastidiosa com mutação gênica para expressar GFP; esta proteína é encontrada no EPS excretado pelas células [13], permitindo assim facilmente medir a emissão fluorescente do sistema EPS/célula nos diferentes estágios de adesão.

As imagens mostradas na Figura 4.1 mostram grandes diferenças quando comparamos as amostras com dois e cinco dias de crescimento. No primeiro caso (Figura 4.1a), as populações mais frequentes na superfície são de células únicas e pequenos agregados, embora alguns poucos biofilmes tenham sido vistos (não mostrados na figura). Células alongadas e filamentadas, reportadas para X. fastidiosa por Janissen et. al [13] são vistas também em nossas imagens, bem como estruturas de forma esférica (mostradas por flechas na Figura 4.1), com diâmetros em torno de 500 nm, que sugerem a presença de vesículas (outer membrane vesicles – OMVs), comuns em bactérias gram-negativas [13,95,130]. As áreas com intenso sinal de fluorescência para uma camada de células únicas, assim como áreas onde as formas das células não são facilmente identificadas, sugerem uma grande concentração de EPS. Para a amostra com 3 dias de crescimento (Figura 4.1b) observamos maiores extensões de EPS em torno das células, bem como dos agregados de células. É importante salientar que as regiões com maior

intensidade de fluorescência sugerem o início da formação do biofilme. Poucas estruturas associadas à OMVs são observadas neste estágio. Para a amostra com maior tempo de crescimento, 5 dias, boa parte da superfície observada está coberta por agregados e biofilmes (Figura 4.1c). A maior magnificação na imagem da Figura 4.1d permite ver mais detalhadamente o biofilme ilustrado na Figura 4.1c; verificamos assim que as formas de células individuais não são mais resolvidas. Nossos resultados estão de acordo com os modelos de biofilme que predizem um grande volume de EPS em estágios mais avançados de maturação [40]. As regiões com maior intensidade de fluorescência nas Figura 4.1(c, d) poderiam ser associadas à arquitetura tridimensional (3D) da matriz polimérica, formada pelas células e EPS. Ao mesmo tempo, um número grande de células únicas mais próximas ao plano do substrato estão presentes nas Figura 4.1(a,b). Vale lembrar que em amostras secas, como as que discutimos aqui, a estrutura 3D do biofilme colapsa na superfície devido a remoção do meio de cultura.

Figura 4.1 - Diferentes estágios da parte inicial do ciclo de adesão bacteriana. Imagens WFM mostrando a distribuição espacial para amostras com diferentes tempos de crescimento: (a) para dois dias de crescimento, são vistas células alongadas e células únicas bem como agregados; (b) após três dias, predominantemente pequenos agregados e biofilmes; (c) para 5 dias, pequenos agregados e alguns biofilmes. (d) Imagem de maior magnificação de um biofilme da amostra com 5 dias de crescimento, mostrando sua estrutura e cobertura em maior detalhe. As células bacterianas aqui mostradas foram cultivadas em substrato de vidro.

Verificamos com as imagens de WFM que a amostra com 2 dias de crescimento exibe uma grande diversidade de populações de células sobre a superfície. A espectroscopia Raman confocal foi então utilizada para investigar a presença de EPS nestas diferentes estruturas. De modo geral, porém, nós esperávamos uma camada muito fina de recobrimento de EPS devido ao pouco tempo de crescimento.

Em nossas medidas identificamos algumas bandas Raman associadas à formação de EPS, conforme mostrado na Figura 4.2.No espectro Raman da amostra, identificamos as bandas de Amida I em 1660 cm-1 [38], Amida III em 1247 cm-1 [38,39] e a banda em 1451 cm-1 [40,41,131], que pode ser atribuída a deformações em proteínas, carboidratos e lipídios. A banda em 1247 cm-1 pode também ser atribuída a deformações do tipo δ(CH2) em carboidratos [42]. Para esta medida, contudo, temos um intenso background no sinal, devido à fluorescência do vidro como substrato utilizado, que impossibilitou a identificação de bandas Raman com deslocamentos menores que 1200 cm-1. Porém, as bandas acima citadas são usualmente atribuídas a presença de EPS na matriz do biofilme de bactérias gram-negativas [40,132], dando assim suporte a nossa interpretação da variação de intensidade de fluorescência nas imagens da Figura 4.1.

Verificamos bandas Raman mais intensas em um biofilme se comparadas às obtidas no agregado (cluster) pequeno, na mesma amostra. Esta diferença em intensidade pode ser devido à grande quantidade de EPS presente no biofilme. Contudo, as intensidades das bandas apresentam razões levemente diferentes para os dois espectros, indicando variações na composição do EPS, de acordo com trabalhos anteriores [13,37].

Figura 4.2 -Espectro Raman confocal para amostra com dois dias de crescimento, cultivada sobre substrato de vidro. O espectro Raman mostra bandas de moléculas orgânicas usualmente presentes em EPS, para um agregado e um biofilme pequenos, localizados na mesma amostra. O espectro foi adquirido com uma excitação em 532nm, tempo de aquisição de 20s, 20 acumulações.

Não existe mutante da X. fastidiosa subsp. pauca com knockout de genes relacionados a produção de EPS. Embora algumas tentativas já tenham sido feitas por Souza et al. [133], a interrupção de genes associados à produção da goma não interferiu na síntese de EPS pela X. fastidiosa, in vitro. Desta forma, utilizamos como controle para os nossos experimentos células submetidas a um procedimento de lavagem (descrito na seção 3.2.1) para remoção de EPS. Curiosamente, as amostras preparadas com células lavadas mostraram bandas similares às amostras não lavadas e, portanto, com o EPS intacto, conforme ilustrado na Figura 4.3. Este é um forte indicativo que o EPS provavelmente estava fortemente ligado as células, e não foi removido, mesmo tendo sido submetido ao processo de lavagem.

Figura 4.3 - Espectro Raman confocal para amostra lavada. O espectro Raman mostra bandas de moléculas orgânicas usualmente presentes em EPS, para um agregado (cluster) pequeno. O espectro foi adquirido com uma excitação em 532 nm, tempo de aquisição de 20 s, 20 acumulações.

Nas amostras lavadas, utilizamos protocolo de marcação fluorescente (seção 3.2.2), após a análise do espectro Raman, para mostrar que o EPS ainda estava nelas presente. Nós utilizamos Wheat Germ Aglutinin (WGA) com fluoróforo Texas Red, que se liga a N-acetyl-D- glucosamine (NAG) presente no EPS da matriz do biofilme [134] e nas células bacterianas cercadas por uma camada de EPS solúvel [13].

Na Figura 4.4 mostramos a mesma amostra utilizando diferentes filtros de excitação/emissão de luz, (a) GFP (excitação/emissão ~ 475/509 nm) e (b) emissão do WGA- Texas red (excitação/emissão ~ 595/615 nm). Marcamos com círculos brancos algumas regiões que nitidamente estão diferentes quando comparamos as duas imagens de WFM. Em (a) as células estão bem definidas, devido a fluorescência do GFP; verificamos neste caso um sinal mais intenso nos polos celulares onde ocorre acúmulo de EPS no processo inicial de adesão [13]. Em (b) é ilustrada a fluorescência devido a marcação, onde principalmente as regiões polares são fluorescentes. O NAG marcado na amostra aponta a presença de EPS mesmo em células lavadas. Além disso, diferente do caso do GFP (Figura 4.4a), observamos um background não-homogêneo na Figura 4.4b, provavelmente devido a resíduos de polissacarídeo ainda presentes na amostra.

Figura 4.4 - Imagens WFM de amostras com células submetidas a processo de lavagem para remoção de EPS. Em (a) mostramos somente a emissão do GFP presente nas células bacterianas e EPS (excitação/emissão ~ 475/509 nm). Em (b) emissão do WGA-Texas red, marcador fluorescente utilizado (excitação/emissão ~ 595/615 nm).