• Nenhum resultado encontrado

No sentido de aferir a qualidade educativa nas instituições escolares, Amparo Seijas Díaz (2003) propõe três modelos que, em nosso entender, se entrecruzam e complementam na medida em que colocam a ênfase nos resultados, nos processos que a

5 2 Qualidade educativa

58 No sentido de aferir a qualidade educativa nas instituições escolares, Amparo Seijas Díaz (2003) propõe três modelos que, em nosso entender, se entrecruzam e complementam na medida em que colocam a ênfase nos resultados, nos processos que a

instituição desenvolve para se transformar e nos aspectos organizacionais. Assim, os modelos propostos são: os modelos

“A qualidade em educação, mais do que um conceito rigoroso deve ser um meio de orientação que mostre os níveis de melhoria alcançados ao nível institucional-escolar [...] de tal forma que, numa primeira fase, o conceito de qualidade se entenda na relação da melhoria da qualidade da instituição e da melhoria da gestão” (Colom Cañellas, 2001, p. 34).

Gazïel et al enumeram três concepções de qualidade que se entrecruzam de forma a definir qualidade, a saber: a qualidade centrada nos processos; a qualidade centrada nos resultados da organização e a qualidade centrada no cliente e no contexto (cf. Gazïel et al, 2000, p. 67). Subjacente a cada uma das concepções de qualidade referidas, permanece um modelo organizacional. Os modelos organizacionais que privilegiam o carácter qualitativo, interpretativo e simbólico enformam as duas primeiras concepções de qualidade, enquanto os modelos organizacionais racional e burocrático, nos quais a gestão por objectivos é fundamental, enformam a concepção de qualidade centrada no cliente e no contexto.

Estes autores apontam ainda para duas perspectivas filosóficas que, em educação, podem influenciar o conceito de qualidade: a perspectiva igualitarista e a

perspectiva individualista. Assim, a perspectiva igualitarista enfatiza aspectos como a

equidade e a justiça social, enquanto que a perspectiva individualista enfatiza o individualismo e a competitividade, declinando as responsabilidades para os actores educativos (cf. Gazïel et al, 2000, pp. 68-69).

A semântica que o conceito de qualidade59 apresenta é compreensível à luz dos valores resultantes de sistemas éticos e culturais, políticos e filosóficos, assim como tem um sentido diferente conforme os observadores ou os grupos de interesses. É com base em tais pressupostos que Dias Sobrinho refere: “a noção de qualidade é uma construção social, variável conforme os interesses dos grupos organizados […]. [E, ainda,] é variável no tempo, no espaço e sobretudo nas diversas organizações intersubjectivas” (Dias Sobrinho, 1995, p. 60). Assim, quando se fala da qualidade e particularmente da qualidade do desempenho de uma escola temos que atender às subjectividades inerentes à sua definição, o que por vezes conduz a conceitos diferentes.

É neste sentido que Natércio Afonso admite que os conceitos de qualidade e de desenvolvimento organizacional “ultrapassam em muito as dimensões meramente técnicas, remetendo para valores intrinsecamente contraditórios ou de difícil conciliação

59

Referindo-se à necessidade de um modelo de avaliação inovador para assegurar a promoção da qualidade educativa, Ana Veiga Simão propõe o desenvolvimento de: “ i) uma cultura de reflexão/avaliação, quer ao nível institucional, quer pessoal; ii) uma ênfase no conhecimento estratégico, ou seja, na aprendizagem auto-regulada, velando pela sua qualidade; iii) uma credibilização da escola, nomeadamente pelos seus actores; iv) uma visibilidade e transparência dos resultados das diversas avaliações que permita a auto-regulação das escolas; v) um aprofundamento da ligação autonomia/avaliação; vi) a construção de um projecto de formação para os diversos agentes educativos, entre outros” (Veiga Simão, 2002, pp. 216-217).

[…]. Considerando a coexistência destes valores contraditórios na definição e condução das políticas educativas e na administração de educação, a noção de desenvolvimento organizacional ganha necessariamente uma dimensão pluralista e fluida. Há vários desenvolvimentos organizacionais possíveis, em função dos valores que são mais destacados, em cada momento, em cada instância organizacional, e em função das lógicas de acção dos actores” (N. Afonso, 2002b, p. 54).

Relativamente aos indicadores ou critérios de qualidade, a bibliografia disponível e consultada revela a existência de diferentes perspectivas (Clímaco, 1992; Felip, 1993; Gazïel 2000; N. Afonso 2002a, 2002b; Sá-Chaves, 2002; Seijas Díaz, 2003¸ Scheerens, 2003, entre outros)60. No entanto, optámos por privilegiar o enfoque proposto pela OCDE (1992) que apresenta indicadores caracterizadores das práticas das “boas escolas”, das escolas de qualidade, às quais Nóvoa (1992a) recorre para caracterizar uma “escola eficaz”. Assim, a OCDE destaca dez características que não procuram apenas a obtenção de resultados desejáveis (bons resultados escolares), mas abarcam as diferentes dimensões da organização escolar. As características a que o texto se refere são as seguintes:

- clima favorável61, associado à aquisição de conhecimentos e existência de

normas e finalidades claramente definidas e aceites por toda a organização educativa; - direcção dinâmica, que pressupõe a inexistência de contradições entre os princípios de direcção e de colegialidade;

- equipas docentes coesas, no sentido da colaboração e participação de outros actores educativos na planificação e na tomada de decisões e de um trabalho colegial baseado num espírito de experimentação e avaliação;

- estabilidade do pessoal, que cria um clima de segurança, o que não acontece

60 Neste sentido, Idália Sá-Chaves escreve: “os indicadores de qualidade poderão, então, passar pela clara identificação dos novos públicos educacionais, da suas culturas, valores e necessidades e por uma maior e mais diversificada oferta educacional que se traduz em, também novas, formas de reorganização curricular que possam enquadrar aquelas matrizes diferenciadoras numa perspectiva de cada vez maior inclusão sem perda de identidade” (Sá-Chaves, 2002, p. 111). No mesmo sentido, Luís Felip enumera um conjunto de indicadores que considera contribuírem para a melhoria da qualidade educativa, destacando: os

programas, tendo em atenção os interesses dos alunos, as suas características e motivação, não pondo nunca em causa a

igualdade de oportunidades; a avaliação e o controlo (não é suficiente identificar o que o aluno não compreende, mas perceber porque não compreende para poder responder a essa necessidade); os docentes, embora nem sempre seja determinado o que se espera de um bom professor, mas também não se dispõe nem de recursos, nem de estímulos adequados para efectivamente compensar os melhores; a organização do ensino e os recursos disponíveis, que são também indicadores que interferem ma melhoria da qualidade educativa; e os recursos económicos (cf. Felipe, 1993, pp. 10-11). No mesmo sentido, Amparo Seijas Díaz propõe um conjunto de indicadores, objectos de análise na avaliação das instituições educativas e que servirão de base para medir a qualidade das mesmas (cf. Seijas Díaz, 2003, pp. 39-49). Maria do Carmo Clímaco apresenta outra perspectiva de indicadores, na qual os indicadores de desempenho apresentados se constituem como um modelo de auto-avaliação institucional com a finalidade de apoiar a gestão e a tomada de decisões (cf. Clímaco, 1992, pp. 105-113). Por sua vez, Jaap Scheerens privilegia a função dos indicadores, destacando aqueles que entende mais relevantes para o processo educativo (cf. Scheerens, 2004, pp. 98-101).

61

A este propósito, Luc Brunet propõe uma análise de diferentes tipos de clima e o efeito dos mesmos na organização e na

quando as mudanças do pessoal são demasiado frequentes;

- formação permanente ligada às necessidades do estabelecimento de ensino, que pressupõe que todo o pessoal deve ter oportunidade de frequentar, a intervalos regulares, formação contínua no interior das escolas e acções de formação no exterior da mesma;

- programa de estudos cuidadosamente elaborado e coordenado, no sentido de cada aluno adquirir os conhecimentos teóricos e práticos adequados;

- elevado nível de participação dos pais, reconhecendo-se a importância da participação dos pais na vida da escola, sendo que a sua participação é ainda mais legitimada quando organizados em associações;

- o reconhecimento dos valores da escola e a adesão aos mesmos mais do que a

valores individuais, o que enfatiza a ideia de que os valores da escola devem ser

partilhados pelos actores educativos;

- uma boa gestão do tempo escolar, associada à ideia de que as diferentes matérias a ensinar e as sequências de aprendizagens devem ser harmonizadas de forma a evitar toda a repetição inútil;

- apoio à autoridade escolar, associada à ideia de que a escola pode dispor, por parte da autoridade que a tutela, do apoio necessário de que necessita (cf. OCDE, 1992, pp.197-201).

Em função das características apresentadas, é hoje reconhecido o facto das organizações terem o seu próprio clima e a importância do mesmo na determinação do bem-estar dos seus membros e, consequentemente, dos resultados das mesmas. A organização escolar não é alheia a este fenómeno, sendo cada vez mais associado o clima escolar ao factor de qualidade de uma escola.

Da mesma forma, a instabilidade, independentemente do nível em que se verifique, é sempre um factor de mal-estar e que em nada favorece as organizações. No que se relaciona com a organização escolar, a estabilidade do corpo docente é pouco frequente, constituindo-se este facto como um inibidor do espírito de equipa; ao mesmo tempo, a assiduidade e a dedicação são também afectadas, especialmente quando os professores ficam afastados das suas famílias. No mesmo sentido, a formação contínua dos recursos humanos de uma organização é indispensável para assegurar os processos de mudança com a qualidade que os mesmos exigem. Contudo, nem sempre as acções de formação propostas respondem às necessidades sentidas pela escola, ainda que se admita que a qualidade de uma escola possa variar de modo proporcional à quantidade e

à qualidade das acções frequentadas pelos seus professores.

Por outro lado, é também reconhecido que a participação dos pais na escola e o acompanhamento da vida escolar do seu educando são percepcionados como indicadores do nível de expectativas criado pelos mesmos em relação à escola e ao sucesso académico dos seus filhos.

Procuramos, agora, enquadrar o conceito de qualidade educativa noutros enfoques privilegiados por diferentes autores.

Assim, de acordo com o pensamento de Veiga Simão (2002), a procura da qualidade das escolas passa pela análise dos resultados das avaliações efectuadas, as quais se constituem como meio de apoio à reflexão das escolas sobre a sua própria acção, admitindo mesmo que a avaliação é indispensável à promoção da qualidade.

Da mesma forma, Perez Juste & Martinez Aragon (1992), ao referirem-se à qualidade, enfatizam duas posições que, de certa forma, se complementam. Por um lado, privilegiam o enfoque absoluto de qualidade baseado em critérios de totalidade – no sentido em que a qualidade da educação abrange todas as dimensões do ser humano – e de integridade, na medida em que respeita diferentes tipos de educação (moral, ética, física e intelectual) e se constitui como um projecto integrado. Por outro lado, defendem uma perspectiva de carácter relativo que centra as suas atenções nas relações existentes entre os diferentes elementos do contexto, o processo e o produto educativo (cf. Perez Juste & Matinez Aragon, 1992, pp.19-26)62.

Neste sentido, Natércio Afonso, acrescenta:

“A execução da avaliação é uma questão técnica, mas a produção de informação sobre a qualidade é uma questão política: os cidadãos têm o direito de conhecer os juízos de avaliação formulados, e de ter garantias quanto à qualidade técnica e à idoneidade com que são formulados” (N. Afonso, 2002a, p. 103).

Para Natércio Afonso (2002a), numa lógica de gerencialismo empresarial, compete a cada escola, de acordo com os seus objectivos, os seus recursos e os seus interesses, definir e implementar o seu próprio plano de desenvolvimento e não se limitar a executar a prestação do serviço conforme o prescrito pelo Estado, como acontece numa lógica meramente burocrática. As escolas determinam as suas metas,

62

A propósito das variáveis do contexto, Pierre Bourdieu escreve: “nada nos deve fazer esquecer com efeito que a ‘inteligência’

ou a vontade de triunfar nos estudos representam apenas uma forma particular de capital que, na maioria dos casos, se vai juntar à posse do capital económico e do correspondente capital de poder e de relações sociais; não esqueçamos também que os detentores do capital económico têm mais possibilidades de que os pobres de virem a possuir também o capital cultural e, em qualquer caso, de poderem dispensá-lo, pois o título escolar é uma moeda fraca, que só tem verdadeiro valor dentro das fronteiras do mercado escolar” (Bourdieu, 1982, pp. 344-345).

atendendo apenas às linhas gerais definidas pelas autoridades governamentais.

A esta lógica gerencialista está associada a criação, por parte das escolas, de estruturas de decisão que, alicerçadas na participação dos diferentes actores, pretendem instituir dispositivos de controlo social dos profissionais e de prestação de contas. Este dispositivo pressupõe o desenvolvimento de acções de auditoria e de avaliação do desempenho, o que conjectura responsabilizar publicamente as escolas, ou seja, levá-las a prestar contas da actividade desenvolvida (cf. N. Afonso, 2002a, pp. 95-104). Neste sentido, Estêvão admite que o discurso da qualidade pode, em nome de valores gerencialistas, ocultar outros valores que têm a ver com a cidadania e com os direitos democráticos (cf. Estêvão, 1998b, pp. 51-61).

Por sua vez, tendo por base mecanismos de avaliação externa, Almerindo Afonso alerta para a necessidade de se atender ao facto de que:

“A adopção de certos dispositivos de avaliação externa (sobretudo os que são exclusivamente baseados em indicadores quantificáveis e mensuráveis) não contribuirá para a tão propagandeada melhoria da qualidade do ensino, representando antes um retrocesso político e educacional injustificável face, sobretudo, aos progressos científicos e epistemológicos que vinham conduzindo a avaliação para perspectivas anti-positivistas mais complexas e plurais” (A. Afonso, 2001, p. 24).

Numa perspectiva sistémica, Rui Canário (1996) e Barroso (1997a) defendem uma abordagem aos estabelecimentos de ensino como unidades onde o actor e o sistema não podem ser dissociados. Esta conformidade é preconizada por António Nóvoa da seguinte forma:

“As escolas não podem mudar sem o empenhamento dos professores; e estes não podem mudar sem uma transformação das instituições em que trabalham. O desenvolvimento profissional dos professores tem de estar articulado com as escolas e os seus projectos” (Nóvoa, 1992b, p. 28).

Tendo por base diferentes estudos, Nóvoa esboça o retrato de uma escola eficaz que, sem ter uma intenção prescritiva, pode, no entender do mesmo, servir de apoio à regulação das organizações escolares e à compreensão do seu modo de funcionamento. Os itens a que o autor se refere são os apresentados pela OCDE (1992), dos quais já demos conta anteriormente.

Numa dinâmica de avaliação alicerçada em mecanismos de auto-avaliação em que a origem da iniciativa emerge da própria instituição (Simons, 1993; Rocha, 1999; Santos Guerra, 2002a, 2002b), Simons enfatiza:

“O processo de auto-avaliação das escolas, no qual os professores e os alunos desempenhem um papel central, é o caminho mais estimulante para a melhoria do ensino e da qualidade da

educação” (Simons, 1993, pp. 168).

Esta tese corrobora os pressupostos de que a avaliação não é um fim em si mesma e de que só faz sentido quando for capaz de mudar, inovar e melhorar os processos e os resultados educativos, envolvendo os profissionais e tornando-os, na perspectiva de Alves (2002), co-produtores do conhecimento. Isto porque “não é porque se avalia que se garante, que se ganha a qualidade, mas tão só quando se vai até ao fim do ciclo e se reinventam as mudanças a partir da observação do real” (Valente, 2002, p.142).

A qualidade deve emergir de uma dinâmica integradora das diversas estruturas internas das instituições e nas relações que se estabelecem entre estas e a sociedade. A qualidade deve ser compreendida nos dinamismos das acções educativas que procuram a concretização de um conjunto de propostas e compromissos que se organizam no interior das instituições de formas mais ou menos coerentes.

Neste sentido, Bruggen refere:

“Se quisermos avaliar qualidade de uma escola, temos de considerar não apenas os resultados, mas também o ensino, a gestão da sala de aula, as medidas tomadas relativamente aos alunos com dificuldades de aprendizagem, a gestão escolar e a liderança, etc. – aspectos diversos da qualidade, mas todos com igual importância” (Bruggen, 2001, p. 7).

A relação entre os conceitos de avaliação e de qualidade é uma relação muito próxima, sendo que (do ponto de vista da avaliação educacional) uma não poderá ocorrer sem a outra. Só do ponto de vista teórico faz sentido apresentar de forma independente algo que apenas em unidade tem sentido e significado. Assim, avaliar com intenção formativa não é o mesmo que medir. Pelo contrário, a avaliação, deste ponto de vista, está associada às actividades de qualificar, corrigir, certificar, examinar, mas não se confunde com elas. De acordo com Álvarez Méndez (2002), estas actividades de avaliação partilham o mesmo campo semântico, mas diferenciam-se pelos métodos e recursos que utilizam e as finalidades a que se propõem. Em educação, este processo de avaliação não faz sentido sem a participação do sujeito avaliado, o que deixa implícita a presença do sujeito avaliador.

Consideramos, assim, ser indispensável desenvolver um modelo de avaliação que se adeqúe à complexidade da realidade e se estabeleça capaz de implementar uma dinâmica de mudança, inovação e melhoria em cada uma das instituições, baseada numa avaliação pluralista, participativa e integradora. É através de processos de avaliação

como os que acabámos de referir que se caminha no sentido da qualidade nas organizações escolares e, consequentemente, para o desenvolvimento organizacional, sendo o conceito entendido, na perspectiva de Libório (2004, p. 113), como “[…] um processo de desenvolvimento de uma organização escolar que implica mudança, inovação e melhoria”.

Tendo como referente o contexto apresentado, no qual abordámos as organizações educativas na perspectiva de diferentes autores e, no âmbito das mesmas, a avaliação educacional nas diferentes dimensões e, ainda, o desenvolvimento organizacional perspectivado em torno dos conceitos de avaliação e qualidade, no capítulo seguinte, abordamos a avaliação das escolas numa perspectiva legal e normativa, a evolução das funções da Inspecção-Geral da Educação, também do ponto de vista da legislação para o efeito produzida, e alguns programas de avaliação promovidos ou não pelo Ministério da Educação, programas que têm em comum a melhoria da acção educativa.

CAPÍTULO II

Avaliação das Escolas: Enquadramentos Normativos,

Outline

Documentos relacionados