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4 DO COTIDIANO PARA A CIÊNCIA: TRAJETÓRIAS PARA TORNAR O LINCHAMENTO

4.3 Questões Metodológicas

Uma das características do conhecimento científico que o diferencia de outros conhecimentos como, por exemplo, do religioso, do filosófico, do senso comum, é a utilização de métodos para explicar fenômenos.

Ao pensar em métodos de pesquisa, instantaneamente dois se sobressaltam: Quantitativo e Qualitativo. Por conseguinte, também é comum se fazer a analogia: Quantitativo para ciências duras e Qualitativo para Ciências Humanas e Sociais. Será que é assim mesmo? Vejamos.

Segundo Johnson & Onwuegbuzie (2004) os puristas quantitativos, chamados também de positivistas, sustentam o argumento de que a pesquisa em ciências sociais deva ser objetiva e livre de contexto e generalizações para, assim, ser confiável e validada. Já os puristas qualitativos, os construtivistas, argumentam que há múltiplas realidades construídas; que as generalizações livres de tempo e de contexto não são desejáveis e nem possíveis; que é

impossível de diferenciar causa e efeito totalmente; que a lógica flui do específico para o geral; e que pesquisador e pesquisado não podem ser separados. Estes preferem uma descrição rica e densa por meio de uma escrita direta e informal. Aqueles são mais retóricos, preferindo um estilo formal, escrito em voz passiva impessoal e com termos técnicos.

Como alternativa ao purismo, Johnson & Onwuegbuzie (2004) propõem os Métodos Mistos de pesquisa que são, segundo eles, uma mistura ou combinação de técnicas quantitativas e qualitativas de pesquisa, métodos, abordagens, conceitos ou linguagens em um único estudo. Como tanto a pesquisa qualitativa como a quantitativa possuem pontos fracos, deve-se ter uma atenção maior ao escolher os métodos a serem misturados a fim de ressaltar o que ambos têm de melhor e que possam contribuir para uma pesquisa mais rica.

A escolha do método vai depender da pergunta de pesquisa. Muitas perguntas de pesquisa são melhores e mais plenamente respondidas por meio de soluções oriundas de investigação mista. Por exemplo, uma pergunta de pesquisa interdisciplinar necessita-se (na maioria das vezes, mas não necessariamente) de teorias de vários campos e métodos mistos:

Today's research world is becoming increasingly interdisciplinary, complex, and dynamic; therefore, many researchers need to complement one method with another, and all researchers need a solid understanding of multiple methods used by other scholars to facilitate communication, to promote collaboration, and to provide superior research (JOHNSON & ONWUEGBUZIE, 2004, p. 15).

Por ser nosso objeto de estudo interdisciplinar, conforme visto no item anterior, o método misto seria, então, o mais apropriado? Além de se pensar quais os caminhos para se chegar a resposta da pergunta de pesquisa, quais os outros fatores a serem considerados na escolha de um método?

Diante das três possibilidades de métodos de pesquisa – Quantitativo, Qualitativo e Misto – optamos pela pesquisa Qualitativa, pelos seguintes aspectos: (i) ser útil para descrever fenômenos complexos; (ii) possibilidade de comparações entre casos e análises; (iii) possibilidades de descrever, com detalhes, fenômenos e seus contextos e verificar como eles se relacionam; (iv) por ser uma abordagem mais sensível às circunstâncias, às partes interessadas e às mudanças que ocorrem durante a realização de um estudo; (v) objetiva a exploração de como e por que os fenômenos ocorrem (JOHNSON & ONWUEGBUZIE, 2004).

Entretanto, os seres humanos nunca são completamente livres de valores e estes afetam o que se escolhe para pesquisar: o que se vê e como se interpreta o que se vê. Além disso, baseados nos pontos fracos da pesquisa Qualitativa apontados por Johnson & Onwuegbuzie (2004), destacamos alguns que se aplicam ao objeto de estudo: (i) dificuldade de fazer previsões quantitativas, pois é impossível rastrear todos os casos de linchamentos virtuais ocorridos ou que estão ocorrendo no Brasil. É evidente que a mídia faz uma escolha do que publicar e, portanto, não se contempla uma totalidade; (ii) demora na análise dos dados, já que há questões complexas nos casos a serem identificadas; (iii) necessidade de se despir de preconceitos e idiossincrasias para não influenciar os resultados. Além disso, ao buscar casos na mídia não temos mais um dado puro, mas sim já interpretado.

Por outro lado, o método Quantitativo não é totalmente descartado na pesquisa sobre linchamento virtual. Ele poderia ser acrescentado à pesquisa para testar hipóteses, por exempo, em entrevistas on-line questionando: com que frequência o usuário compartilha sem ler todo o conteúdo da postagem? Com que frequência checa a veracidade da informação? Qual (ou quais) assunto(s) levam o entrevistado a participar de uma discussão on-line? Qual a faixa etária que mais participa de linchamentos virtuais. Entre outros.

No entanto, há uma certa ponderação em relação ao uso de entrevistas direcionadas para pessoas que se tornaram vítimas ou algozes de linchamento. No livro: “So You’ve Been Publicly Shamed”, de Jon Ronson (2015), há transcrição de entrevistas feitas pelo autor de pessoas que sofreram humilhação pública na rede. Justine Sacco, por exemplo, nega que sua postagem tenha sido com tom racista e relata somente o sofrimento dela. Com isso, mesmo sem generalizar, percebe-se que fora do contexto da Internet, longe da multidão, as pessoas tendem a serem mais contidas e tendem também a negarem o fato (mesmo este estando explícito na Internet). Todavia isso não deixa de ser um dado muito importante para a reflexão do que acontece além da Internet.

Utilizamos um quadro de dados e porcentagem (quadro 1) para ilustrar a expressividade do problema no contexto atual, mas não a consideramos como parte de um método Quantitativo, já que os dados não são resultantes de coleta ou análise; apenas contemplam a justificativa da pesquisa.

Por que, então, não foi escolhido o Método Misto em vez do Qualitativo para a pesquisa sobre linchamentos virtuais? O principal fator que influenciou na escolha foi o tempo. Por se tratar de uma pesquisa de Mestrado, cujo tempo de conclusão está em torno de

vinte e quatro meses, um único pesquisador teria de aprender outras abordagens e saber misturar adequadamente os métodos e isso demoraria muito tempo. Além de não conseguir aplicá-los simultaneamente.

Provavelmente em uma pesquisa de Doutorado seja possível complementar as análises qualitativas, já realizadas, com análises ou dados quantitativos (quantificação das respostas das entrevistas, gráficos de resultados, etc.). Além disso, com mais tempo seria possível observar outras variáveis: os episódios aumentaram ou diminuíram com o tempo? As motivações continuam as mesmas ou mudaram?

Dessa forma, considerando as variáveis apresentadas, acreditamos ser a pesquisa Qualitativa a melhor opção. Por isso, procuramos descrever os casos imergindo-os nas problemáticas e discussões contidas nas teorias das Ciências Humanas e Sociais, sobretudo as mais contemporâneas.