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1)Considerando a questão do direito, como fluir no processo de formulação das

políticas de saúde num contexto de desmobilização social ou, ainda, de que for- ma a consciência das necessidades contribuem para o processo de formulação de políticas públicas?

2)Considerando que as necessidades são reflexo das desigualdades sociais do

contexto do “Estado mínimo”, como fazer para prover ações que levem ao

disten-sionamento dos conflitos originados nestas necessidades? Nesse sentido, até quando ficaremos terceirizando, através de ONGs, a solução desses problemas? Qual o custo

social para buscar respostas através destas alternativas?

3)Há no Brasil um Estado democrático capaz de administrar por delegação e controle da sociedade a transformação das riquezas produzidas em bens, serviços,

conhecimentos e tecnologia em favor das populações mais carentes? A crise social de legitimidade de Estado em que vivemos hoje pode ser indutora de um pacto

social para que a democracia política alcançada possa se deslocar em direção a uma democracia socioeconômica?

4)A concentração da riqueza e a consequente riqueza arrecadatória do Estado não

são uma ação inibidora das iniciativas que visam aos problemas dos segmentos populacio-nais de maior concentração das necessidades produzidas pela própria desigualdade social? Nesse contexto, como promover um processo de mobilização social a partir da consciência das necessidades? Como a gestão colegiada revista no pacto de gestão pode potencializar

novos arranjos e induzir as mudanças pretendidas que são de ordem macroestrutural?

NELSON RODRIGUES DOS SANTOS:

Vamos fazer alguns comentários que rapidamente tive de selecionar, porque cada uma das perguntas, da mesma maneira que aconteceu à minha companheira de mesa,

é suficiente para todo um debate, toda uma palestra. Fui pinçando num critério que tive de usar aqui. Na primeira pergunta, já diria de início que, na minha intuição, na minha sensação e, por que não, na minha subjetividade, calcada nessa visão acumu -lada da minha militância dentro das políticas públicas nessas duas últimas décadas, acho que não é possível fugir da relação sociedade-Estado de alguma coisa parecida

com Assembleia Nacional Constituinte. Convocar uma assembleia por pressão da sociedade, como foi em 1986, 1987 e 1988, não acontece bem assim. As coisas não se repetem nesse encadeamento. As tensões são muito mais complexas hoje e muito

maiores, mas por qual caminho se vai chegar eu confesso que não sei. Mas acho que não dá para se conseguir tamanha mudança na relação sociedade-Estado por conta de tanta perversão que se acumulou. Recentemente, vimos o Daniel Dantas

declarando publicamente na imprensa que o problema dele são os juízes de primeira

instância. Ninguém contestou, ninguém achou ruim. Não houve uma reação. Isto é, quando se trata de desembargador para cima, é comigo mesmo! Ministro do tribunal é comigo mesmo. E não é só o Daniel Dantas, são todos eles. São todos eles que se

concentraram lá em cima... No sistema financeiro, no sistema industrial, na Fiesp, seja onde for. Na própria burocracia estatal, que pode até ser chamada de “a nova

classe”. É uma burocracia que reproduz a si mesma. Existe uma cúpula que seleciona o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e parece-nos que a privatização do Estado por dentro chegou a um ponto de complexidade, de intensidade, que a sociedade, em

seu conjunto, com todos os desvios e desvirtuamentos, vai demarcar para si mesma

essa reação, não sei como. Não vai ser em ponto pequeno, não vai ser um acerto de uma comissão do Congresso Nacional, nem uma decisão do Supremo, nem uma greve em massa da sociedade que é pouco visível, pouco previsível, mas algo de peso que abale a relação sociedade-Estado, que se assemelha a alguma coisa de revisão do pacto social que foi ensaiado nos anos de 1987 e 1988.

Quanto à questão da consciência das necessidades, provavelmente vai

começar por aí... A consciência corporativista, oportunista e imediatista percebendo, pela ação até do tempo (se não for por outras ações mais politizantes), a ineficácia e

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a improcedência só dos movimentos corporativos e individuais e de espertezas, de golpes para sair das desigualdades. Então, a consciência das necessidades como o caminho de enxergar que a própria saída pessoal, grupal ou corporativa está umbili-calmente ligada à saída social, essa tomada de necessidade é a própria liberdade... ou

algo parecido. Essa consciência das necessidades como ponto de partida e refletida

nas entidades e nos movimentos sociais talvez possa caminhar facilmente ou inevi-tavelmente para a consciência política. Da consciência da necessidade para a cons-ciência política e da conscons-ciência política para a conscons-ciência de conquistas políticas e de mobilização da sociedade.

No caso da Reforma Sanitária da saúde, eu pensaria que o aprendizado desses

vinte anos já pode colocar alguma coisa a mais que não seria município por municí

-pio dos mais de 5.600 municí-pios, nem categoria por categoria, por profissão. Acho

que pelo menos na área da saúde a visualização das desigualdades em nível regional, onde se deverá construir um dia os sistemas regionais de saúde com atenção inte-gral e com base na igualdade, pode ser um algo a mais. O pacto pela vida em defesa

do SUS e de gestão que foi discutido e aprovado nas instâncias oficiais do SUS, na gestão e nos conselhos de saúde entre 2006 e 2007 já aponta alguma coisa. Só que

esse pacto de gestão, por enquanto, só está na área federada. É um pacto federal, não é um pacto social ainda. Os conselhos aprovaram porque não tinham como reprovar, mas essa aprovação pelo conselho nacional e conselhos estaduais não pas-sou das salas de reuniões dos conselhos. Os conselhos nem pensaram, nem tiveram como contaminar a sociedade nessa visão de pacto na saúde. É mais um pacto de sobrevivência dos atores dentro do setor saúde. Em 1993, quando “acabaram” com

o SUS, retirando a contribuição previdenciária, o Ministério da Saúde teve de “correr de joelhos” no Fundo de Amparo ao Trabalhador no Ministério do Trabalho, pedir empréstimo e só foi pagar até 1999 para que o SUS não tivesse de fechar as portas.

Isso levou a uma revisão do pacto federado. Dali nasceram a instituição do Inamps, comissões intergestoras, o reconhecimento pelos gestores, o Fundo de Saúde etc. Dali se contaminou também. Os conselhos tiveram alguma contaminação para o

lado da sociedade. Então, o golpe dado em 1993 para acabar com o SUS chegou a ter

o apoio da sociedade para não acabar. Em 1988, houve o pacto social que levou ao pacto federado. Houve a sociedade nas ruas. Eu estou me lembrando desses pactos

anteriores a 1987 e 1988, já saindo da ditadura, com todo mundo se mobilizando. Isso gerou a Constituição Cidadã e, dentro dela, o SUS. E, então, esse esforço da

sociedade foi para o pacto federado com descentralização, regionalização e todos os

princípios e diretrizes do SUS. O município se tornou unidade federada, o que não

era antes. Já em 1993, o pacto se originou dentro do âmbito federado e contaminou um pouco a sociedade. Já em 2006 e 2007, estava só no âmbito federado. Então, a desmobilização realmente está muito grande aí...

Eu pertenço a uma geração que militou no final dos anos 70 e início dos 80, quando surgiram o Cebes, a Abrasco, os grandes estudiosos, os militantes, os formadores de políticas públicas que batalharam no processo da Assembleia Na -cional Constituinte, o Conass, simpósios com o Congresso Na-cional sobre política

de saúde que pararam as resistências do poder Executivo durante os anos 80... A

Lei Orgânica da Saúde não ia ser enviada para o Congresso por pressão conserva-dora. Mas, em 1989, houve um grande simpósio – promovido pela Câmara Federal e pelas entidades das reformas sanitárias – que sacudiu o Executivo. Sarney, que na

época era o Presidente, acabou tendo de mandar o projeto de Lei Orgânica para o Congresso. Passados esses 18 a 20 anos, como, hoje, estão as entidades da Reforma

Sanitária, qual é a capacidade, qual o potencial de análise, de avaliação, de formulação

de estratégias, de formulação de mobilização política? E surgiram mais atores.

Apa-rentemente, por paradoxo, nos anos 90 se somaram as entidades da Reforma Sani-tária dos anos 80 com mais outras. Não existia Conasems nos anos 80, mas passou a existir, o que foi uma tremenda força nessa gestão descentralizada dos anos 90. Não

existia Ministério Público, mas surgiu o Ministério Público, que foi um aliado do SUS nos anos 90. A Associação Brasileira de Economia em Saúde (Abres), que estava en -gatinhando nos anos 80, se atirou mais, avançou nos anos 90. O Ministério Público

criou até uma entidade, a Associação dos Membros do Ministério Público em Defesa da Saúde (Ampasa), surgiu a Frente Parlamentar da Saúde na Câmara Federal e no Senado que, com todo o fisiologismo e a construção de maiorias a favor do Execu -tivo, tem algum grau de autonomia no Legisla-tivo, ao qual tem se aliado mais que o

seu posto ao SUS. Os conselhos de saúde surgiram nos anos 90. Ou seja, muito mais atores de peso foram criados nos anos 90. E qual é o paradoxo? A desmobilização

aprofundou muito mais nos anos 90. E o que está acontecendo? Eu só posso real-mente partir para a utopia, para a fantasia, se for necessário, mas por enquanto ainda

não cheguei à fantasia, estou só na utopia de buscar, de ficar participando da busca

de qual é o estalo, o start de remobilização que possa chegar a um ponto parecido

com a Assembleia Nacional Constituinte, mas o formato eu não sei.

Nas considerações da primeira pergunta, eu já avancei na maior parte das outras, mas, na segunda pergunta, em que se fala até quando ficaremos terceirizando através das ONGs, isso já foi do Estado mínimo... Tem de se lembrar que, quando

se fala em Estado mínimo, tem que se falar também no Estado máximo. O Estado mínimo só surgiu porque construíram o Estado máximo. Máximo para arrecadar, máximo para pagar dívida e máximo para concentrar riquezas.

VIRGÍNIA FONTES:

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