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Realidade e encenação discursiva

enigmas e decifrações

2.2. A linguagem como lugar crítico

2.2.1. Realidade e encenação discursiva

Há uma curiosa semelhança na forma como Eça se pronuncia, em pontos distantes destes textos – distantes quer porque quase um ano os separa, e por isso também algumas centenas de páginas, quer pela natureza do objeto abordado em cada um deles –, acerca das implicações éticas da mentira. No primeiro, está em jogo a necessária adesão da imprensa à causa das Conferências, em nome da coerência com posições anteriormente assumidas:

Vejamos: não tem a imprensa confessado todos os dias a podridão do país e a desorganização das suas forças vivas? (Jornais políticos, passim.)

Não ameaçam perpetuamente os governos com uma intervenção popular? (Jornais políticos, passim.)

Ou são sinceros, ou não. Se não são, então faltam duplamente à dignidade porque desconsideram os outros enganando-os, e desconsideram-se a si mentindo. (F: 43) O segundo passo encontra-se no artigo em que Eça aborda vários aspetos relativos à condição e à formação da mulher, nomeadamente da «menina solteira», abrangendo o

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período que vai da infância à idade núbil. É sobre o início deste percurso formativo que Eça escreve o seguinte:

A pequerrucha Bebé, aos cinco anos, quando possui inteiramente a palavra e a frase – começa a mentir. Bebé mente. Uma senhora inglesa ou francesa ou alemã – se vê sua filha mentir, sente-se verdadeiramente ofendida. Uma mentira são duas degradações; deixamos de nos respeitar porque afirmamos o falso, e deixamos de respeitar os outros porque os lançamos em erro. (F: 421)

Claramente, Eça não distingue os diferentes planos convocados nos dois casos: de um lado a opinião política da imprensa, do outro a asserção individual, produzida num contexto circunscrito às contingências do quotidiano. A opinião política, em regra, furta-se ao regime binário de verdade ou falsidade, por maioria de razão quando ela tem por objeto de incidência «o país» e as suas «forças vivas», uma realidade suficientemente complexa para que dela se façam leituras divergentes e ainda assim sustentáveis – isto é, um campo propício para as antilogias de Protágoras. Mas As Farpas parecem não reconhecer a existência de quaisquer planos discursivos que gozem de um estatuto que os dispense de ser submetidos a um escrutínio fundamental: aquele que verifica a sua relação com a verdade. No número de agosto de 1871, é Ramalho que se cruza com esta questão, quando censura a aparente prerrogativa que a classe política tem de conduzir os seus atos através de processos ilegítimos e inadmissíveis ao cidadão comum. «O homem político – simples influente eleitoral, mero candidato a deputado – lisonjeia, mente, difama, atraiçoa. […] Toda a gente o sabe», escreve Ramalho, para, linhas depois, identificar o problema de fundo do qual decorre este hábito instalado: «Ainda assim o público não considera desonrados esses homens, porque o público distingue a honra política da honra individual. Ora isto é que não deveria continuar a ser» (F: 158). Em última instância, quando As Farpas afirmam a solidariedade entre a obra literária e o escritor, defendendo a existência de uma sólida implicação entre o universo ético da obra e o ethos autoral, este postulado (realista) pode ser lido como uma derivação do mesmo princípio segundo o qual não é admissível subtrair ao juízo ético a leitura da imagem pública que qualquer indivíduo projeta. Daí as várias faces do retrato do «sr. X», o modelo do poeta romântico que, «por farfanteria lírica», sendo honesto na sua vida, se diz perverso na sua rima. Uma vez que o produto da criação inventiva é entendido como medida de aferição do carácter do criador, qualquer que seja o ângulo de abordagem do caso do «sr. X», o resultado

69 do inquérito é invariavelmente a evidência da contradição, da mentira70.

Entre a mentira da «pequerrucha Bebé» e a mentira da palavra política ou da palavra poética desenha-se assim um arco que parece recobrir toda uma existência social, fundada sobre a cisão inaugural entre a realidade e a sua representação discursiva. A palavra e a mentira surgem associadas desde o início da apropriação que o indivíduo faz da linguagem, e é nesta possibilidade que a linguagem oferece de se deixar perverter enquanto expressão da realidade que radica o desencontro entre o indivíduo e o mundo, os outros e ele próprio. Quando, noutro ponto do mesmo artigo sobre o perfil feminino do seu tempo, Eça escreve «De resto, aqui a mentira é um hábito público. Mente o homem, a política, a ciência, o orçamento, a imprensa, os versos, os sermões, o romance – a arte, e o país é uma grande consciência falsa» (F: 421), está no fundo a propor, como síntese descritiva do desconcerto nacional, a generalização daquele pecado original da infância que consiste na distorção da relação de correspondência ideal entre a linguagem e o mundo.

Este hiato entre a palavra e a realidade está na base de uma importante dimensão metalinguística e metadiscursiva d’As Farpas, que se reveste em regra de um duplo desígnio:

denúncia dos desvios detetados e proposta da respetiva retificação. Uma das manifestações

frequentes desta componente de reflexão metalinguística traduz-se numa preocupação recorrente em restaurar certas correspondências entre nomes e conceitos, uma vez que tal desencontro representa uma ameaça: ele distorce as condições de perceção da realidade nos termos em que esta é construída com base na imersão do sujeito em linguagem. Quando Eça escreve que «[h]á lupanares mais castos do que certos livros de versos, que se chamam melancolicamente Harpejos ou Prelúdios» (F: 26); quando, referindo-se a certo poema

70 «Ou o sr. X pinta a verdade quando escreve os seus versos, e então é um homem perigoso, um poseur de sedução, um artista em perversidade, é além disso um indiscreto, dá um exemplo detestável a seus filhos, se os cria, desconsidera sua esposa, se a tem: não merece a nossa estima, e cai no domínio policial. / Ou o sr. X não diz a verdade quando escreve os seus amores em verso. Nesse caso é ridículo, é pedante, dá-se ares, e sendo um burguês honrado quer fazer acreditar às costureiras que é um sedutor temeroso. – Assim como havemos de acreditar na seriedade do seu carácter? / Ou faz aquilo simplesmente, como um luxo de retórica, escreve a sangue frio aqueles delírios, todos aqueles êxtases são rimados, muito aconchegadamente à mesa do chá, entre um dicionário e uma poética, com um barrete de algodão na cabeça. – Neste caso como havemos de acreditar na seriedade da sua arte?» (F: 26). Em Uma Campanha Alegre, este esquema de três faces é reduzido a um esquema duplo, que opõe de forma mais eficaz verdade a mentira e arte a carácter: «Ou o Sr. X pinta a verdade quando escreve estes seus versos, e então é um devasso que dá um exemplo detestável a seus filhos, e desconsidera sua esposa… Como havemos de acreditar em tal caso na seriedade do seu carácter? /Ou o Sr. X não diz a verdade, e todos aqueles seus êxtases são rimados muito aconchegadamente à mesa do chá, entre um dicionário e uma poética, com um barrete de algodão na cabeça… Neste caso como havemos de acreditar na seriedade da sua arte?» (UCA: 22).

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licencioso publicado na imprensa, explica o léxico do romantismo, ensinando que «[q]uanto é

vil, na moral71 da poesia lírica é o mundo real, a família, o trabalho, as ocupações domésticas, a altivez do pudor, etc.» (F: 74); quando, a propósito dos equívocos da linguagem urbana, esclarece qual o verdadeiro sentido do verbo comprometer-se72, ou, a propósito dos eufemismos da linguagem política, descreve as manobras que efetivamente se realizam quando alguém diz que o governo protege a eleição de certo deputado73, a sua grande preocupação é assinalar, em todos os casos de distorção semântica, o perigo de uma outra distorção – a da perceção da própria realidade. Com efeito, este tipo de distorção semântica desloca, e por vezes inverte, a polaridade moral dos significados em jogo; ela tende a alastrar e a revestir os lugares críticos do mundo, tecendo uma realidade virtual, um simulacro feito de linguagem que se interpõe entre o sujeito e o real: não estamos muito longe dos receios orwellianos da criação de uma novilíngua capaz de programar a perceção e a avaliação coletivas da realidade.

Quando não é eufemística, a linguagem cristaliza-se em fórmulas cujo uso sistemático se torna progressivamente acrítico, afastando-se também por essa via da tradução da realidade. O voto, esclarece Eça no artigo do número de junho de 1871 em que decide explicar aos leitores d’As Farpas toda a mecânica das eleições em Portugal, é obtido através da mobilização de múltiplas formas de corrupção, da chantagem, da coerção – mas esse voto é, «segundo os jornais de Lisboa, livre, espontâneo e consciente!» (F: 62). Um dos aspetos mais interessantes deste artigo parte da assunção de que toda a complexidade jurídica e cerimonial associada às eleições pode constituir um potencial obstáculo à sua leitura, pelo que Eça adota um registo pedagógico ostensivamente elementar – que lhe permite, por sua vez, chamar a atenção, entre outras coisas, para a relação equívoca entre os nomes e as instâncias que estes designam. As afinidades oblíquas entre as noções de eleger e nomear, a amplitude semântica da palavra voto ou da palavra urna, a catalogação específica da noção genérica de deputado, as diferenças e semelhanças entre os verbos demitir e dissolver em contexto político (F: 61-2) são

71 Em Uma Campanha Alegre, esta «moral» é substituída por «gíria» (UCA: 66), reforçando-se assim a centralidade da questão linguística.

72 «O homem de mais reto juízo e de mais completa honra não se atreveria a declarar-se publicamente tal qual é. Recearia comprometer-se. Comprometer-se é a vaga mas permanente ameaça constantemente levantada, pelo espírito da época sobre todas as determinações radicais. Comprometer-se quer simplesmente dizer: que os ministros nos demitam dos nossos empregos, que os centros políticos nos expulsem, que os partidos nos reneguem, que os frequentadores do Grémio ou do Martinho deixem de cumprimentar-nos e que alguns dos nossos conterrâneos discutam nos periódicos a nossa vida pública e a nossa vida particular, ou que meramente nos espanquem à esquina das nossas ruas» (F: 35).

73 «[…] é disto que se diz: o governo protege-lhe a eleição. Isto é – auxilia com a pressão e corrupção que exercem as suas autoridades oficialmente, a pressão e corrupção, que o deputado (proprietário, ricaço, agiota) exerce particularmente» (F: 62).

71 objeto de uma abordagem que pretende recuperar um estádio anterior à contaminação do olhar pelas construções retóricas através das quais todo este universo político se dá a conhecer.

Ao denunciar a forma eufemística como forma retoricamente contaminada do termo que ela oculta (mesmo como forma suja: «Somente [os deputados] não se chamam demitidos: dá-se-lhes um nome menos asseado – chamam-se dissolvidos» – F: 58), Eça explora por uma outra via o mesmo desígnio de explicar a linguagem aos leitores d’As Farpas. Quando revela os sentidos que se ocultam sob o uso de termos ou expressões como «vil», «comprometer- se» ou «proteger a eleição», o seu procedimento é essencialmente analítico; já esta contiguação de formas lexicais alternativas constitui uma modalidade sintética que, ao trazer à superfície do texto elementos pertencentes ao mesmo eixo paradigmático, põe em destaque o facto de que todo o discurso, longe de ser um tecido ‘natural’, é produto de uma série de operações de seleção, às quais, em certos domínios críticos, subjaz uma clara intenção ideológica.

É sintonizando esta modalidade sintética que As Farpas prosseguem de forma mais consistente o seu programa de retificação da seleção lexical promovida por determinados usos sociais da linguagem, procurando reaproximar a palavra da realidade que ela deve exprimir. Mas nem sempre esta operação de renomeação decorre da necessidade de despojar a linguagem dos seus revestimentos eufemísticos, como acontece quando Eça propõe a opção pelo verbo demitir, que exprime de forma mais rigorosa do que dissolver o procedimento através do qual um deputado é afastado do governo. Por vezes, a desadequação da nomeação resulta de um fenómeno de degradação da coisa nomeada – resulta do próprio processo de

decadência das instituições. É o que acontece, por exemplo, quando Eça propõe que não se

chame discussão parlamentar à prática desqualificada através da qual os deputados da nação interpretam este conceito, sugerindo que se lhe chame assuada74, ou que os conceitos de pátria ou de nação, referindo-se a Portugal, sejam substituídos pela noção mais consentânea de

sítio75, ou que a identificação do regime constitucional português enquanto monarquia dê lugar

74 «A câmara dos deputados vive há um mês, tendo no seu seio o insulto em perpétua ordem do dia – e engorda! / Mas o sr. António Aires, esse, para que continua a dizer com a sua voz eloquente: / – Para amanhã continua a mesma discussão? / A dignidade da franqueza e o escrúpulo da verdade – e s. ex.ª sacerdote e católico está adstrito a observar este regimento da consciência – pedem que se diga: / – Amanhã continua a mesma assuada. /Assim – a curiosidade ficava avisada e os srs. deputados também!» (F: 142-43).

75 «[…] é justo que pensemos também um pouco na Pátria. Porque enfim, temos uma pátria. Temos pelo menos – um sítio. Um sítio verdadeiramente é que temos: isto é – uma língua de terra onde construímos as

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à categoria de chinfrim76. Assim, se por vezes é a linguagem que se desloca, arrastando consigo nesse movimento a perceção de uma comunidade face à realidade designada e promovendo, em última instância, a sua rearrumação no paradigma axiológico vigente (é o caso dos desvios semânticos de termos como «vil», «comprometer-se», etc.), outras vezes a deslocação verifica-se no eixo da própria realidade, cuja trajetória de decadência lhe subtrai determinados aspetos valorativos inerentes ao conceito representado pela palavra que a designa – correndo neste caso a realidade o risco de perverter o conceito.

Do cruzamento destes dois processos resulta em grande parte essa impressão geral que se tem ao ler as farpas queirosianas de que nelas se projeta uma instabilidade sistémica na relação entre a linguagem e a realidade – poder-se-á dizer, creio mesmo, que a encenação multiforme dessa instabilidade é um dos aspetos mais interessantes destes textos. Para além dos dois movimentos que referi, há no entanto outros que concorrem para este efeito de instabilidade. O atrito entre a lógica da linguagem e as distintas lógicas do mundo é manifesto, por exemplo, também num passo como aquele em que Eça observa que certas

inscrições lexicais são inamovíveis e conflituam abertamente com a fluidez da realidade:

Mas, cousa notável!

Os cinco que estão no poder, fazem tudo o que podem – intrigam, trabalham, para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se para deixar de ser – o mais depressa que puderem – os verdadeiros liberais e os interesses do país! Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros – os verdadeiros liberais – entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país, e os que caíram do poder, resignam-se cheios de fel e de amargura – a vir ser os verdadeiros

liberais e os interesses do país. (F: 68-9)

O recurso ao itálico é muitas vezes, n’As Farpas, precisamente a marca da cristalização do discurso, da sua desvinculação do mundo, da sua automatização e ritualização. Eça compreende o fenómeno da repetição da palavra até ela não significar coisa alguma – ou, o que é talvez mais grave, até ela significar algo que o espírito reconhece como fórmula tranquilizadora que cauciona uma ordem sem interpelar o seu real sentido. O itálico assinala assim a subtração da linguagem ao domínio vivo do pensamento e a sua transformação em pedra: expressões usadas na retórica política e repetidas com a insistência de refrães (como a

nossas casas e plantamos os nossos trigos. O nosso sítio é Portugal. Não é uma nação, não é uma nacionalidade, não é uma pátria; mas é um sítio» (F: 322).

76 «– As geografias dizem que é uma monarquia: pelo que vi pareceu-me que nem era uma monarquia, nem uma república, e que era apenas um chinfrim…» (F: 323).

73 «emancipação das classes operárias» ou o «terrível proletariado»77) concorrem com aquelas de que a poesia se foi apropriando, tornando-se desta forma um sistema reprodutor de lugares comuns, que Ramalho faz questão de inventariar num artigo datado de junho de 1871: «vívidos anelos, crenças férvidas, fugazes ilusões, doces enleios, pungentes deceções, atrozes descrenças,

profundos letargos, ígneas visões e raptos febris» (F: 84).

Este estreitamento do discurso enquanto instrumento de expressão de um pensamento atinge aquela que é porventura a sua manifestação mais extrema no artigo em que o partido reformista é representado a responder sempre com a mesma palavra («Economias!») a todas as perguntas que a imprensa lhe faz – sobre religião, moral, educação, trabalho, jurisprudência ou literatura (F: 44-5). Mas uma alternativa à cristalização das fórmulas discursivas consiste na variação aparente do discurso:

O partido histórico diz gravemente que é necessário respeitar as Liberdades Públicas. O partido regenerador nega, nega numa divergência resoluta, e prova com abundância de argumentos que o que se deve respeitar são – as Públicas Liberdades.

A conflagração é manifesta! (F: 36)

A variação mínima do quiasmo «Liberdades Públicas» / «Públicas Liberdades» é a máscara retórica que recobre uma identidade indiferenciada, mas essa variação mínima ocorre multiformemente ao longo do texto, em todo o elenco das «irritadas divergências de princípios» que Eça ironicamente aponta aos partidos portugueses: quer também sob a forma de quiasmo (um «é constitucional, monárquico», outro «é monárquico, é constitucional»), quer através da combinação entre a repetição e a sinonímia78. Já num artigo de janeiro de 1872, Eça coloca face-a-face as sínteses dos discursos do chefe da oposição e do ministro do Reino, optando por uma dispositio simétrica: o resultado é a indiferenciação genérica dos dois blocos textuais, cada um deles progredindo, por vias claramente análogas,

77 «A burguesia invejosa e desempregada fala na federação, na república federativa, na extinção do funcionalismo, na emancipação das classes operárias; mas entende que o país pode esperar por esses benefícios todos se no entanto lhe derem a ela lugares de governadores civis, ou de chefes de secretaria» (F: 20-1); «Parecia realmente indecoroso que Lisboa, civilizada, com teatro lírico a grandes ordenados e outros regalos de capital eminente, não tivesse esse tic – a greve! Oeiras, com uma dedicação antiga, forneceu-lhe este aparato: Oeiras deu a greve: alguns estadistas puderam ter ocasião de dizer a nossa última greve: e os jornais exultaram por ter a oportunidade chic, de falar no terrível proletariado» (F: 278).

78 Há nas farpas queirosianas múltiplos casos que ilustram o recurso a estas variações mínimas. O artigo que Eça dedica ao modo como a imprensa, ao noticiar a visita do Imperador do Brasil a Alexandre Herculano, opta sempre por usar sinónimos mais ou menos rebuscados da palavra ‘casa’, em detrimento deste termo simples (F: 382), assenta todo ele no recurso a variações lexicais («diz», «afirma», «declara», «confessando», «afiança», «sustenta», «ensinam», «mantém»; «ao contrário», «porém», «ainda que», «todavia», «contudo», «por seu turno»; «homem eminente», «ilustre historiador», «eminente vulto», «venerando cidadão») que enquadram – e caricaturam – aquela que inicialmente se pretende destacar («mansão», «retiro», «tugúrio», «tebaida», «aprisco», «abrigo», «albergue», «solidão», «exílio»).

74

para o mesmo reconhecimento final: «que o país está na última decadência administrativa» (F: 350). Daqui resulta que, no ponto subsequente do artigo, os dois atores políticos, representantes de quadrantes opostos, sejam congregados num sujeito plural («Resultado: o ministro e o chefe da oposição – declaram oficialmente – o país num estado deplorável de administração»), para logo a seguir a expressão da diferença entre o efeito (nulo) da ação de um e de outro ser reduzida, mais uma vez, à mera variação sinonímica de uma palavra isolada: «Nem a reforma do sr. Luciano se efetua: nem a reforma do sr. Sampaio se aplica» (F: 350).