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Com vista à delimitação compreensiva do conceito de redes interorganizacionais, é relevante abordar, numa primeira instância, um ponto basilar que remete para a interdependência relacional entre organizações. Tendo sido um conceito formalmente desenvolvido por Thomas (1957), a interdependência interorganizacional compreende o facto de duas ou mais organizações se terem mutuamente em conta ao

desenvolverem ações e estratégias conducentes à concretização dos seus objetivos36 (Baker & O’Brien, 1971; Litwak & Hylton, 1962). Neste âmbito, dois principais tipos de interdependência são considerados: a interdependência competitiva e a interdependência cooperativa (Litwak & Hylton, 1962; Pfeffer & Nowak, 1976; Thomas, 1957; Thompson & McEwen, 1958). No que se refere à interdependência competitiva, esta significa que as organizações competem com os mesmos produtos/serviços nos mesmos segmentos de mercado, usando recursos iguais e/ou similares (Bengtsson et al., 2010; Miles & Snow, 1986; Pfeffer & Nowak, 1976). Assim, uma organização procura a maximização de lucros e o alcance dos seus objetivos através da privação de expansão de uma outra, ou seja, quanto mais para uma, menos para outra (Litwak & Hylton, 1962; Polenske, 2004).

Relativamente à interdependência cooperativa, esta traduz a combinação de esforços num determinado tipo de relação entre duas ou mais organizações pela possibilidade de maximizarem simultaneamente o alcance dos seus objetivos (Litwak & Hylton, 1962; Schermerhorn, 1975, 1979). Nas palavras de Williams (2005), “in cooperative relations, all parties can gain, whereas in competitive relations the relevant goals of different parties cannot be satisfied simultaneously” (p. 224). Como referiram Pfeffer e Nowan (1976), uma das consequências da interdependência competitiva corresponde à vivência pelas organizações de situações de elevado grau de incerteza, pelo que a interdependência cooperativa constitui uma alternativa para colmatar esse fator (Aiken & Hage, 1968; Pfeffer & Leblebici, 1973; Provan, 1982; Van de Ven, 1976; Whetten & Leung, 1979).

Segundo Brusco (1990) e Thompson e McEwen (1958), bem como segundo a terminologia da ciência económica (e.g., Pfeffer & Nowak, 1976), a interdependência competitiva tende a existir ao nível horizontal, entre organizações funcionalmente equivalentes. Ou seja, organizações que produzem produtos e/ou prestam serviços para mercados similares, que necessitam de recursos e mercados idênticos no domínio das suas atividades (Baker & O’Brien, 1971; Bengtsson et al., 2010; Miles & Snow, 1986; Pfeffer & Nowak, 1976). Por sua vez, a interdependência cooperativa tende a ser mais provável ao nível vertical e entre empresas pertencentes a diferentes sectores de atividade. É neste e com este sentido que alguns autores (e.g., Guetkow, 1966; Litwak & Hylton, 1962; Marrett, 1971; Pfeffer & Nowak, 1976; Usdiken, 1983) descortinaram a problemática que envolve o desenvolvimento de relações entre organizações similares, considerando que, nesta situação, se espera a existência de mais competição do que cooperação.

Com base no racional apresentado, espera-se que a um aumento nos níveis de similitude entre as organizações corresponda um aumento na competição, potenciando a inibição da criação de relações de cooperação (Hamel, 1991; Levine & White, 1961; Levine et al., 1963; Schermerhorn, 1975, 1976; Van de Ven, 1976). Todavia, é importante igualmente considerar as orientações definidas com base no argumento da relevância da complementaridade de recursos e da proximidade cognitiva, em especial quando se tratam de ligações onde o conhecimento corresponde ao fluxo mobilizado e/ou partilhado entre organizações (Aguiléra et al., 2012; Antonelli, 2005; Antonelli et al., 2008; Broekel & Boschma, 2012; Broekel & Hartog, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

36 De referir que, segundo Baker e O’Brien (1971), a aplicação do conceito de rede interorganizacional implica interdependência,

mas também independência, no sentido de manter a integridade dos seus diferentes elementos através de processos de controlo de fronteiras. Neste contexto, Guetzkow (1966), Litwak e Hylton (1962) e Van de Ven (1976), entre outros, referiram que as organizações desenvolvem continuamente esforços conducentes à manutenção da sua autonomia.

2013; Cappellin, 2003; Cohen & Levinthal, 1990; Gurrieri & Petruzzellis, 2006; Inkpen, 2000; Lambooy, 2004; Lane & Lubatkin, 1998; Simonin, 1999). Neste âmbito, é definido que existe uma baixa probabilidade de ocorrência de processos de comunicação e de cooperação entre organizações cujo núcleo de competências, conhecimentos e objectivos é divergente ou dissimilar (i.e., pouco possuem em comum) (Baker & O’Brien, 1971; Dyer & Singh, 1998; Edström et al., 1984; Inkpen, 2000; Kale et al., 2000; Owen- Smith & Powell, 2004; Pesämaa & Hair Jr, 2007; Reid, 1964; Schermerhorn, 1975, 1976; Silverman, 1975; Szulanski, 1996; Van de Ven, 1976). Assim, quando existem muitas diferenças e disparidades entre organizações, as possibilidades de aproximação e de complementaridade de recursos são mais reduzidas (Edström et al., 1984; Pesämaa & Hair Jr, 2007). De um outro modo, quando duas organizações possuem características e áreas comuns e complementares (e.g., bases de conhecimento; recursos; linguagem; objectivos; compreensões; representações; significados), a emergência e manutenção de ligações de cooperação entre elas têm uma maior probabilidade de ocorrência (Baker & O’Brien, 1971; Broekel & Boschma, 2012; Das & Teng, 2003; Davenport, 2005; Dyer & Singh, 1998; Evan, 1965; Gurrieri & Petruzzellis, 2006; Inkpen & Pien, 2006; Lane & Lubatkin, 1998; Owen-Smith & Powell, 2004; Pesämaa & Hair Jr, 2007; Silverman, 1975; Thompson, 1958; Van de Ven, 1976; Warren, 1972).

Neste contexto, é relevante salientar que, embora a interdependência competitiva possa ser dominante (ou potencialmente mais provável) entre organizações operantes dentro do mesmo sector de atividade, as relações de interdependência cooperativa podem existir entre organizações do mesmo ou de diferente sector de atividade (Owen-Smith & Powell, 2004; Pfeffer & Nowan, 1976), envolvendo ou não organizações que são concorrentes entre si (Blau, 1964; Throrelli, 1986; Wiewel & Hunter, 1985). Como referiu Carney (1987), a relação entre organizações concorrentes pode variar num espectro que vai desde o conflito e hostilidade abertos até à cooperação encoberta. Há já algum tempo que os estudos empíricos têm revelado que as relações de cooperação entre organizações competitivamente interdependentes constituem uma realidade comum (e.g., Bengtsson et al., 2010; Birru, 2011; Edström et al., 1984; Galaskiewicz, 1979; Laumann & Pappi, 1976; Usdiken, 1983; Wiewel & Hunter, 1985). Já em 1984, os resultados do estudo desenvolvido por Edström et al. revelaram, inclusivamente, que algumas organizações criam relações de cooperação com concorrentes no sentido de implementarem estratégias de inovação e diversificação de produtos, bem como de alargamento dos mercados onde intervêm. De referir ainda que num conjunto de estudos empíricos (e.g., Ahuja, 2000; Balestrin, Vargas, & Fayard, 2005; Belso-Martínez et al., 2011; Boschma & Ter Wal, 2007; Hagedoorn & Schankenraad, 1994; Luo & Deng, 2009; Nieto & Santamaría, 2007; Shan, Walker, & Kogut, 1994; Stuart, 2000; Zeng et al., 2010) foi verificado, por exemplo, um efeito positivo das relações interorganizacionais (entre organizações operantes no mesmo sector de atividade) em indicadores de inovação e desempenho organizacional (e.g., número de patentes; criação de novos produtos/serviços)37.

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37 Destaca-se, a este propósito, o trabalho desenvolvido Luo e Deng (2009) que teve como objetivo estudar os efeitos da

similaridade entre parceiros de alianças estratégicas. Os autores verificaram empiricamente que: “similar partners can indeed yield more innovations, especially with a moderate level of similar partners in the alliance portfolio, when the focal firm is older and was founded with a strong industry norm of collaboration” (Luo & Deng, 2009, p. 1026).

A compreensão das redes interorganizacionais tece-se, assim, no presente trabalho, mediante uma perspetiva de coexistência e combinação contínua e dinâmica (aparentemente contraditória e paradoxal) entre duas estratégias relacionais paradigmáticas das organizações, tradicionalmente percebidas como forças opostas: a competição e a cooperação (e.g., Baiardi & Laniado, 2000; Bengtsson & Kock, 2000; Bengtsson et al., 2010; Chen, 2008; Hamel, 1991; Khanna, 1998; Khanna et al., 1998; Oliver, 2004; Walley, 2007). Tal como afirmaram alguns autores (e.g., Gulati et al., 2000; Jarillo, 1988; Lambooy, 2004; Newlands, 2003; Peña, 2002), a competição e a cooperação deveriam ser conjugadas numa abordagem compatível e complementar, ao invés de serem percebidas restritamente como comportamentos estratégicos opostos e unívocos. Se, por um lado, a competição é a força mobilizadora e incontornável da evolução dos mercados e da própria inovação, por outro, a cooperação tem vindo a assumir uma inegável relevância para o comportamento estratégico das organizações (Bengtsson et al., 2010; Jarillo, 1988; Newlands, 2003), especialmente em momentos que apresentam desafios não só novos, como também imprevisíveis (Emery, 1967; Newell & Swan, 2000).

Neste âmbito, é de referir o conceito de coopetição, introduzido e aplicado para traduzir o processo de combinação e interligação entre a competição e cooperação ou, de um outro modo, a existência simultânea e mútua de interações competitivas e cooperativas entre os mesmos atores3839 (e.g., Bengtsson & Kock, 2000; Bengtsson et al., 2010; Bonel & Rocco, 2007; Chen, 2008; Chin et al., 2008; Das & Teng, 2003; Ganguli, 2007; Gnyawali, He, & Madahavan, 2006; Kinra & Antai, 2010; Levy, Loebbecke, & Powell, 2003; Loebbecke, Fenema, & Powell, 1999; Luo, 2004, 2005; Mariani, 2007; Oliver, 2004; Padula & Dagnino, 2007; Walley, 2007; Winckler & Molinari, 2011; Zineldin, 2004). Este conceito foi popularizado por Brandenburger e Nalebuff através da publicação, em 1995, do artigo intitulado The right game: use game

theory to shape strategy (Neves, Diehl, Hansen, & Becker, 2011; Winckler & Molinari, 2011) e procura

descrever e analisar o fenómeno que transcende a dicotomia tradicional de cooperação e competição, que desafia, complementa e ultrapassa estes paradigmas e que implica uma lógica de interação equilibrada entre organizações40 (Bengtsson et al., 2010; Das & Teng, 2003; Ganguli, 2007; Loebbecke & Angehrn, 2012).

Face ao reconhecimento de que a interdependência externa é uma realidade importante (e inevitável) do comportamento organizacional (e.g., Baiardi & Laniado, 2000; Carlsson, 2001, 2003; Grandori & Soda, 1995; Lavie, 2006; Mu et al., 2008; Nohria, 1992; Schermerhorn, 1979; Thompson, 1967), as redes interorganizacionais representam o contínuo dualismo de interdependências que as organizações procuram !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

38 De referir que no âmbito da abordagem da coopetição enquanto processo (cf. Bengtsson et al., 2010) reside nuclearmente a

questão e divisão teórica que considera a sua ocorrência, por um lado, ao longo de um continuum e, por outro, ao longo de dois

continuums (e.g., Bengtsson et al., 2010; Padula & Dagnino, 2007). Enquanto processo de apenas um continuum, a coopetição é

descrita como variando desde a forte competição à forte cooperação, pelo que quando aumenta a cooperação diminui a competição e vice-versa. Entre os dois extremos, considera-se a possibilidade de várias relações coopetitivas. Enquanto processo de dois

continuums, a cooperação e a competição remetem para dois processos diferentes de interação dentro de uma relação coopetitiva, ou

seja, para a sua coexistência. Neste caso, considera-se a ocorrência de combinações de elevados níveis de cooperação e de competição e vice-versa (e.g., Bengtsson et al., 2010; Luo, 2004).

39 Este mesmo conceito tem sido igualmente aplicado e utilizado no âmbito intraorganizacional (cf. Ghobadi & D’Ambra, 2012;

Tsai, 2002).

40 Nas palavras de Bengtsson et al. (2010): “This is not an easy task; different combinations of cooperation and competition give

rise to varying kinds of co-opetitive interactions, each with their own inherent dynamics and challenges to balance and manage the contradicting logics of interaction within the relationship” (pp. 203-204).

gerir pela adoção de estratégias de ação quer competitivas, quer cooperativas (Archer & Wang, 2002; Carrillo, 2002; Jarillo, 1988; Khanna et al., 1998; Schermerhorn, 1979; Thompson & McEwen, 1958; Thompson, 1967; Turk, 1973). Neste sentido, as redes interorganizacionais baseiam-se em processos relacionais complexos e dinâmicos, onde se procura gerir o equilíbrio entre forças estratégicas de competição e de cooperação41 (Carrillo, 2002; Hackney et al., 2005; Lambooy, 2004; Powell et al., 1996; Turk, 1973; Van de Ven & Walker, 1984). Segundo Baiardi (2008) e Baiardi e Laniado (2000), a convivência e coexistência da competição com a cooperação são refletidas na realidade do tecido empresarial, marcada por atuações sistémicas, ação coletiva e trocas organizadas em rede que testemunham a possibilidade da cooperação como elemento fundamental, sem que a ela corresponda uma completa renúncia da competição.

Posto isto, no presente trabalho, uma rede interorganizacional define-se como uma estrutura composta por duas ou mais organizações autónomas42 que se encontram interligadas, direta ou indiretamente, mediante um conjunto específico de relações de natureza estrutural e/ou processual, edificado na e para a concretização de objetivos individuais e/ou comuns dos vários membros e facilitação de sinergias (Arora & Gambardella, 1990; Balestrin & Vargas, 2004; Benson, 1971; Edström, Högberg, & Norbäck, 1984; Kale et al., 2000; Lauman, Galaskiewicz, & Marsden, 1978; Marcon & Moinet, 2000; Nikolai & Bazley, 1977; Peña, 2002; Provan & Kenis, 2008; Salmi, Blomqvist, Ahola, & Kyläheiko, 2001; Schermerhorn, 1975, 1979; Throrelli, 1986; Van de Ven, 1976; Wasserman & Faust, 1994). Construídas e delimitadas tipicamente através de orientações comuns, tais como sector de atividade e localização geográfica (Imperial, 2005), estas estruturas interorganizacionais procuram, assim, a concretização de objetivos complexos e exigentes, difíceis de alcançar de forma isolada, atendendo ao nível de esforços e custos que seria requerido por parte das organizações individualmente consideradas (Dyer & Singh, 1998; Cricelli & Grimaldi, 2010; Huggins et al., 2012; Ireland et al., 2002; Levine & White, 1961; Levine, White, & Paul, 1963; Newell & Swan, 2000; Van de Ven, 1976; Waddock, 1991; Wittmann et al., 2008). Numa perspetiva macro, as redes podem, ainda, ser definidas como um modo alternativo de organização, coordenação e/ou regulamentação das atividades e relações económicas (e.g., Coase, 1937; Powell, 1990)43 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

41 Segundo Jarillo (1988), por exemplo, os investigadores da estratégia organizacional não faziam muito uso do conceito de

redes, precisamente pela dificuldade sentida na harmonização e ajustamento deste constructo com os postulados básicos da estratégia paradigmática da competição.

42 A valência da autonomia das organizações é de todo relevante para a definição da rede interorganizacional, no sentido que

permite estabelecer uma diferenciação com outros conceitos. Assim, o conceito de rede interorganizacional não se aplica à agregação de diferentes unidades numa única organização (e.g., fusões e aquisições de organizações), assim como à coordenação a partir dos mercados (e.g., preços e movimentos estratégicos) (Grandori & Soda, 1995).

43 Tradicionalmente, foram distinguidas por Coase (1937) duas formas alternativas de organização e coordenação das atividades

e relações económicas – o mercado e a hierarquia. Relativamente ao mercado, este assenta na ideia de que a organização e coordenação das atividades e relações se fundamentam em comportamentos individualistas com vista à obtenção de interesses, benefícios e lucros próprios (Powell, 1990). Neste domínio, reside igualmente o pressuposto de que qualquer organização é livre para estabelecer compromissos, negociações, transações e partilhas, onde o preço constitui o principal mecanismo de comunicação, coordenação e controlo (Powell, 1990). Assim, este modo perpetua e fomenta modelos e diretrizes de ação cimentados nos pressupostos básicos da competição, deixando de parte não só a existência de processos de cooperação, de confiança, de comprometimento como também processos estratégicos de partilha e transferência de recursos tangíveis e intangíveis entre organizações. Por sua vez, a hierarquia enfatiza uma organização e coordenação com base no mecanismo prevalecente do autoritarismo, bem como na monitorização através de um conjunto vasto de regras, normas e procedimentos estandardizados (Powell, 1990). O poder é assumido como o principal mecanismo de comunicação, coordenação e controlo. As redes interorganizacionais vieram, assim, desafiar estes modos tradicionais de organização e coordenação das atividades e relações económicas (Podolny & Page, 1998; Provan & Kenis, 2008), permitindo a difusão da ideia de que aqueles não detêm nítidas capacidades para esgotar as possibilidades eficientes de resposta face às exigências da globalização e à volatilidade da realidade

que recorre e aplica como mecanismo principal de comunicação e controlo a interdependência cooperativa entre organizações (Grandori & Soda, 1995).