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2.3. Abordagem Tipológica às Redes Interorganizacionais

2.3.2. Tipologias Processuais

As tipologias de natureza processual têm como foco principal de análise os diferentes tipos de fluxos ou recursos (tangíveis e/ou intangíveis) passíveis de serem partilhados, transferidos ou transacionados entre organizações. Através da revisão de literatura, foi possível depreender que as tipologias processuais têm sido alvo de um interesse crescente por parte dos investigadores dedicados ao estudo e compreensão das relações interorganizacionais.

Correspondendo a unidades de valor partilhadas e/ou transacionadas, os recursos ou fluxos podem constituir-se como os principais processos a terem lugar numa relação interorganizacional (Van de Ven, 1976). Van de Ven (1976), por exemplo, apontou três principais razões para este facto. Em primeiro lugar, os recursos ou fluxos são os elementos básicos da atividade estratégica entre organizações. Adicionalmente, materializam em si quer a função instrumental das atividades desenvolvidas, quer a função de manutenção das redes interorganizacionais. Ou seja, ambas as funções se tornam manifestas mediante os fluxos partilhados entre as partes envolvidas na relação interorganizacional. Sem a partilha, transferência ou transação de recursos, a probabilidade de que um ou mais membros decidam pelo término da sua participação numa relação interorganizacional aumenta, na medida em que passam a não existir razões, do ponto de vista individual, para a continuidade de uma ação coletiva em rede. Por último, os fluxos ou recursos partilhados permitem efetuar uma análise às dinâmicas processuais existentes dentro de uma relação interorganizacional, considerando quer a singularidade de cada uma das organizações envolvidas quer o sistema social como um todo. Quanto mais intensiva e frequentemente uma organização transacionar

recursos e comunicar com os restantes membros de uma rede (i.e., maior centralidade), maior será a sua posição estratégica na relação interorganizacional. Inversamente, quanto menor for a transação de fluxos por parte de uma organização, menor será o seu poder relacional estratégico e, consequentemente, maior será o seu isolamento. Como referiu Galaskiewicz (1979), não é o nível de recursos per si que determina o poder, mas antes o conjunto de recursos que os atores podem mobilizar através do conjunto de relações que detêm.

No âmbito das tipologias de natureza processual, considera-se o trabalho de Galaskiewicz (1979).

2.3.2.1. Tipologia de Galaskiewicz

Segundo Galaskiewicz (1979), os padrões estruturais nas redes interorganizacionais são produto de um processo onde as organizações procuram colmatar algumas das suas necessidades através da troca e/ou partilha de determinados recursos. Na medida em que existe uma delimitação nas ações de negócio em torno de determinadas atividades, as organizações têm, consequentemente, uma maior necessidade funcional relativamente a recursos particulares e específicos (Galaskiewicz, 1979; Levine et al., 1963; Neto, 1995). Assim, procuram envolver-se e formar redes interorganizacionais onde os fluxos trocados e/ou partilhados correspondam a esses recursos de interesse.

Para Galaskiewicz (1979), um dos problemas existentes no domínio de investigação sobre as redes interorganizacionais remetia (e continua a remeter) para as dificuldades na distinção e levantamento exaustivos dos diferentes tipos de recursos que são utilizados no processo de troca ou partilha e, consequentemente, na diferenciação dos diversos tipos de redes interorganizacionais. O autor sublinhou que, apesar da dificuldade (ou mesmo impossibilidade) em analisar e considerar todos os tipos de recursos partilhados ou trocados, podem ser destacados, em termos tipológicos, aqueles que se vislumbram como os mais preponderantes para a viabilidade e sucesso das organizações. Neste sentido, Galaskiewicz (1979) argumentou que os seguintes recursos se encontravam no topo de uma possível hierarquia entre os mais necessários e imprescindíveis aos diferentes tipos de organizações: dinheiro, informação/conhecimento e apoio. Segundo o autor, se, por um lado, o dinheiro facilita a transferência de bens e serviços, por outro, a informação ajuda a ultrapassar a incerteza e o apoio constitui um garante na legitimidade das organizações. Deste modo, o autor definiu três principais categorias de redes interorganizacionais, especificamente as redes de dinheiro; redes de informação/conhecimento; e redes de apoio. Relativamente às redes de dinheiro, estas representam o tipo de rede onde o recurso partilhado e/ou trocado é de natureza financeira. Segundo Galaskiewicz (1979), as organizações que se encontram ligadas por este tipo de rede pertencem, maioritariamente, ao sector da produção e distribuição de bens, assim como ao sector financeiro.

As redes de informação/conhecimento e de apoio traduzem os tipos de redes onde o recurso partilhado e/ou trocado é de natureza intangível. No que se refere às primeiras, o autor apontou as organizações orientadas para a resolução de problemas ou coordenação de outras organizações como aquelas que detêm uma maior probabilidade de se envolverem em redes com fluxos de

informação/conhecimento. Alguns exemplos remetem para os organismos públicos de tomada de decisão, empresas de advocacia, de comunicação e associações voluntárias. Os fluxos de informação reportam-se às mensagens ou comunicações sobre as unidades de troca ou a natureza da relação, transmitidas entre as partes organizacionais através do recurso a um conjunto de meios (e.g., cartas; relatórios; diálogos face-a- face; diálogos por telefone; encontros ou reuniões) (Van de Ven, 1976).

Por último, no que se refere às redes de apoio, o autor considerou as organizações ligadas aos sectores da saúde e da educação, bem como instituições religiosas, percebidas como detentoras de uma necessidade especial em obterem legitimidade face a outros atores da sociedade.

No âmbito das tipologias processuais, em especial, é importante frisar o facto de as redes interorganizacionais poderem diferir qualitativa e quantitativamente em função do tipo de fluxo que é utilizado ou considerado para avaliar a interdependência entre organizações (Baker & O’Brien, 1971). Assim, considerando o tipo de fluxo em causa, duas ou mais organizações podem estar envolvidas numa rede de cooperação muito próxima, mas distantes quando se analisa outras dimensões relacionais (Baker & O’Brien, 1971; Wiewel & Hunter, 1985).

2.3.3. Tipologias Temporais

As tipologias temporais são definidas, no presente trabalho, com base na assunção que as relações entre organizações podem assumir uma natureza temporária ou de longa duração (Galaskiewcz, 1979; Van de Ven, 1976; Van de Ven & Walker, 1984). Neste âmbito, é importante referir que aquilo que inicialmente constituiu uma solução temporária pode, eventualmente, assumir dimensões de um comprometimento interorganizacional a longo prazo, caso exista a percepção pelas partes envolvidas de que os compromissos, objetivos e resultados foram alcançados e que a relação é vantajosa, equitativa, produtiva e satisfatória (Corno et al., 1999; Kumar & Nti, 1998; Terreberry, 1968; Van de Ven, 1976; Van de Ven & Walker, 1984; White & Siu-Yun Lui, 2005).

2.3.3.1. Tipologia de Borgatti e Li

No âmbito das tipologias de natureza temporal, considera-se o trabalho de Borgatti e Li (2009). O Quadro 2.5 apresenta um síntese da tipologia dos autores.

Quadro 2.5

Síntese da Tipologia de Redes Interorganizacionais de Borgatti e Li (2009)

Tipos Subtipos Especificação - exemplos

Redes contínuas Similaridades

Relações

Associações empresariais

Distritos industriais e tecnológicos Interlocking directorates

Joint ventures Alianças estratégicas Acordos de distribuição

Relações pessoais entre gestores

Redes discretas Interações Fluxos

Transações de mercado Transferência de tecnologia Partilha de informações e ideias Investimento de capital financeiro

Borgatti e Li (2009) consideraram na sua tipologia dois principais grupos, especificamente as redes de natureza contínua e as redes de natureza discreta. As primeiras assentam nos princípios da estabilidade e continuidade a longo prazo, pelo que representam ligações que se mantêm e estão presentes de modo continuado e ao longo do tempo. Para estas redes, os autores consideraram a sua divisão, por um lado, em redes de similaridades, onde prevalecem para a sua definição a partilha de atributos, espaços físicos, grupo de pertença, não implicando necessariamente um conhecimento profundo entre os membros envolvidos. Por outro, as redes de relações definem e assentam numa maior profundidade e contacto direto entre as organizações (ou pessoas).

As redes discretas traduzem as ligações que apenas acontecem pontualmente e esporadicamente. No seu âmbito, os autores consideraram as interações, definidas a partir das transações de mercado, e os fluxos que implicam a transferência e/ou partilha de recursos, tais como informações, ideias e tecnologia.

O presente capítulo teve como objetivo construir uma visão clarificadora acerca das dinâmicas e processos que circunscrevem o domínio das redes interorganizacionais, considerando especificamente a natureza da interdependência entre organizações, os fatores impulsionadores da sua formação, bem como as suas diferentes tipologias. Neste âmbito, atendendo à complexidade da realidade das redes interorganizacionais, é importante referir que o quadro tipológico apresentado pretende constituir-se como uma linha orientadora compreensiva, ao invés de determinística e exaustiva. A este propósito, salienta-se que as diferentes tipologias não são mutuamente exclusivas, característica que retrata igualmente a complexidade do domínio aqui abordado. Tal como referiram Borgatti e Li (2009), o princípio da

multiplexidade ajusta-se a este campo de investigação. Posto isto, o próximo e último capítulo teórico aborda

especificamente as redes cujo fluxo relacional é o conhecimento, ou seja, as redes interorganizacionais de conhecimento.

C

APÍTULO

III

R

EDES DE CONHECIMENTO

:

DA PARTILHA INTERORGANIZACIONAL À UTILIZAÇÃO

INTRAORGANIZACIONAL

No seguimento dos capítulos anteriores, que apresentam e delimitam valências nucleares consignadas à gestão do conhecimento e às redes interorganizacionais, o presente capítulo centra-se nas redes interorganizacionais de conhecimento.

Como salientado no capítulo II, um dos principais fatores impulsionadores da criação de redes interorganizacionais prende-se com a necessidade de obtenção e acesso a recursos inexistentes e/ou insuficientes no interior das organizações (cf. secção 2.2.1.). Neste âmbito, o conhecimento tem sido apontado como um fator impulsionador determinante que motiva as organizações para a criação e manutenção de relações entre si (Alves et al., 2013; Anand & Khanna, 2000; Archer & Wang, 2002; Berg & Friedman, 1981; Boschma & Ter Wal, 2007; Büchel & Raub, 2002; Carlsson, 2001, 2003; Corno et al., 1999; Fey & Birkinshaw, 2005; Grant & Baden-Fuller, 2004; Gulati, 1999; Hackney et al., 2005; Inkpen, 2000; Inkpen & Tsang, 2005; Jolly, 2005; Khamseh & Jolly, 2008; Khanna et al., 1998; Kogut, 1988; Lambooy, 2004; Nielsen, 2005; Pardini et al., 2009; Peña, 2002; Podolny & Page, 1998; Schoenmakers & Duysters, 2006). Segundo Hackney et al. (2008), o conhecimento é um ‘ingrediente’ nuclear que se movimenta dentro das redes interorganizacionais. Como salientaram alguns autores (e.g., Bierly et al., 2009; Boschma & Ter Wal, 2007; Corno et al., 1999; Hackney et al., 2005; Inkpen, 2000; Mu et al., 2008; Pardini et al., 2009; Paruchuri, 2010; Peña, 2002), entre as vantagens associadas à construção e manutenção destas ‘plataformas’ encontra-se a obtenção de mais e melhores oportunidades de criação, aquisição e partilha de conhecimento, bem como o enriquecimento da base de conhecimento interna. Segundo Child (2001), mesmo quando as redes interorganizacionais não são criadas com o objetivo explícito de operacionalizar os processos de gestão do conhecimento, estes podem, todavia, emergir, na medida em que o conjunto diverso de conhecimentos e experiências tende a ser levado para a relação existente entre os seus membros.

Como referido anteriormente no presente trabalho (cf. capítulo I), a gestão do conhecimento tem vindo a ser abordada sob o prisma não apenas do nível interno das organizações, como também do nível externo, designadamente no que respeita ao seu desenvolvimento e operacionalização no âmbito das redes interorganizacionais (e.g., Balestrin et al., 2008; Bergman et al., 2004; Carlsson, 2001, 2003; Easterby- Smith et al., 2008; Ho & Chiu, 2011; Khamseh & Jolly, 2008; Meier, 2011; Nonaka & Takeuchi, 1995; Phelps et al., 2012; Seufert et al., 1999). Neste sentido, alguns autores (e.g., Carlsson, 2001, 2003; Seufert et al., 1999) referiram que a criação e aplicação de estratégias, métodos e práticas para gerar e gerir conhecimento passam inevitavelmente a ter lugar no âmbito e contexto das redes interorganizacionais, identificadas como facilitadoras e de apoio ao desenvolvimento de processos de gestão do conhecimento. O conhecimento não é apenas produzido e gerido no interior das organizações, pelo que as fontes externas de conhecimento são igualmente tidas em consideração (e.g., Chen, Duan, Edwards, & Lehaney, 2006; Durst & Edvardsson, 2012; López-Sáez et al., 2010; Nielsen, 2005; Schoenmakers & Duysters, 2006). Ou seja, é

reconhecida não só a necessidade, assim como a relevância de as organizações aprenderem quer consigo próprias, ao longo da sua história de vida, quer com a experiência de outras (Cohen & Levinthal, 1990; Pardini et al., 2009; Schoenmakers & Duysters, 2006). Tal como referiu Peña (2002), na economia do conhecimento, os exemplos de redes de conhecimento nas indústrias biotecnológicas, de telecomunicações e de tecnologia de ponta são numerosas. O autor referiu como exemplos os casos da Motorola, Novartis e Toyota, empresas que têm implementado esforços no estabelecimento de redes de partilha de conhecimento, no sentido de comercializarem com sucesso os seus produtos e de amplificarem e fortalecerem as suas competências core e bases de conhecimento. Todavia, alguns autores (e.g., Alves et al., 2013; Brown & Duguid, 2001; Chen et al., 2006; Grimaldi & Torrisi, 2001; Holtshouse, 1998; McLeod, 2010; Schönström, 2005; Swart & Harvey, 2011) afirmaram que a investigação que aborda a gestão do conhecimento para além das fronteiras organizacionais apenas pode ser descrita como escassa e/ou insuficiente.

Atendendo às considerações introdutórias elaboradas previamente, o presente capítulo procura fundamentar teoricamente o presente trabalho de investigação, delimitando os principais elementos integrados no modelo conceptual construído e empiricamente avaliado (cf. capítulo IV e capítulo V). Constitui-se, assim, como um importante elo de ligação entre os dois capítulos anteriores, encerrando a primeira parte da presente dissertação (i.e., estudo teórico). Neste contexto relacional, atendendo aos objetivos definidos, são focalizados dois principais processos da gestão do conhecimento, ou seja, a partilha interorganizacional de conhecimento e a utilização organizacional do conhecimento partilhado. Em interligação com estes processos e com o valor passível de ser atribuído e reconhecido às redes interorganizacionais (i.e., valor instrumental da rede interorganizacional), abordam-se os seus fatores facilitadores. Neste âmbito, salientam-se o comprometimento na rede interorganizacional, a capacidade de absorção organizacional e a confiança entre parceiros de partilha de conhecimento.

3.1. Redes Interorganizacionais de Conhecimento: Conceito e suas Características