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1.4 A REFORMA DE 2019

1.4.1 Reflexos no RGPS

Antes das profundas modificações da Reforma de 2019, Tiago Faggioni Barchur explanou acerca da manutenção das características da aposentadoria especial no decorrer das transformações legislativas que “A aposentadoria especial está prevista na Constituição Federal (art. 201), na Lei n° 8.213/91 (arts. 57 e 58) e no Decreto n° 3.048/99 (arts. 64 a 70) e desde que foi criada, isto é, pela Lei n°

3.807/60, a aposentadoria especial pouco se modificou” (BACHUR, 2010, p. 99).

Com a aprovação da EC 103/2019, é importante analisar-se o Texto Constitucional reformado, pois, nos pontos em que se refere à Aposentadoria Especial, reconhecimento da especialidade e conversão de períodos especiais em comuns, houveram significativas alterações.

As modificações na CF/1988 trazidas com a reforma da Previdência, quanto à temática deste TCC, podem ser abordadas iniciando-se pelo artigo 201, §1º, inciso II, que a Emenda alterou para o seguinte texto:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. § 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: I - com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar; II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupa ção . (BRASIL, 1988) [grifo nosso].

Nesta alteração, encontra-se o que alguns juristas como Luiz Alberto dos Santos denominam de “desconstitucionalização das regras Previdenciárias”

(SANTOS, 2019, p. 1), referindo-se ao ato que, segundo Cezar Britto, “retira da Constituição Federal qualquer debate qualificado sobre o direito à aposentadoria decente” (BRITTO, 2019, p. 3), no mesmo tom, reforça João Batista Lazzari, referindo-se à PEC 6/2019, “desconstitucionaliza as regras de concessão dos benefícios” (LAZZARI, 2019, podcast).

Enquanto uma lei complementar não é formulada, valem as determinações do artigo 19, § 1º da EC 103/2019 quanto as idades mínimas para aposentadoria especial:

Art. 19. [...] § 1º Até que lei complementar disponha sobre a redução de idade mínima ou tempo de contribuição prevista nos §§ 1º e 8º do art. 201 da Constituição Federal, será concedida aposentadoria: I - aos segurados que comprovem o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, durante, no mínimo, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, quando cumpridos: a) 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 (quinze) anos de contribuição; b) 58 (cinquenta e oito) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 (vinte) anos de contribuição; ou c) 60 (sessenta) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição; II - ao professor que comprove 25 (vinte e cinco) anos de contribuição exclusivamente em efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio e tenha 57 (cinquenta e sete) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem. § 2º O valor das aposentadorias de que trata este artigo será apurado na forma da lei.

(BRASIL, 2019).

Em seguida, pode-se destacar o artigo 25, § 2º, que foi alterado para o seguinte, ipsis litteris:

Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal. [...] § 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data. (BRASIL, 2019).

Acerca desta alteração feita no artigo 25 da CF/88, Claudia Deud e Renata Baars (2019) explicam que mantém-se a possibilidade garantida “de conversão de tempo especial em comum” (DEUD; BAARS, 2019, p. 26), porém, somente para as atividades especiais exercidas até a data de publicação da emenda.

A regra de transição, para os segurados do RGPS, veio com o artigo 21 da EC 103/2019:

Art. 21. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional cujas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, na forma dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, poderão aposentar-se quando o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de: I - 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição; II - 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e III - 86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição. § 1º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se refere o caput. § 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei. § 3º Aplicam-se às aposentadorias dos servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, na forma do § 4º-C do art. 40 da Constituição Federal, as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social. (BRASIL, 2019).

Nesta senda, cabe referenciar o quadro Comparativo entre a PEC nº 287 de 2016 e a PEC nº 6 de 2019, das Consultoras Legislativas Cláudia Deud e Renata Baars.

Resumidamente, a regra de transição, conforme referido Quadro Comparativo, determina que, os segurados filiados antes da data de promulgação da Emenda, que implementarem tempo de atividade insalubre de 15, 20 e 25 anos de acordo com o grau de insalubridade, terão direito à aposentadoria, se a soma de sua idade e seu tempo de contribuição for igual a 66, 76 ou 86 respectivamente relacionada ao grau de insalubridade da atividade exercida, “[...] elevando-se cada somatório, a partir de 2020, em um ponto a cada ano, até atingir 89, 93 e 99 pontos, para ambos os sexos” (DEUD; BAARS, 2019, p. 26).

Quanto ao cálculo da RMI, no entendimento de Castro e Lazzari, a fórmula para estipular o valor dos benefícios relativos à aposentadoria especial, tanto para a regra permanente, quanto para a regra de transição, será promulgada por lei complementar, conforme § 2º do artigo 19 da EC 103/2019. Por isso, até que isso ocorra, vale a regra prevista no inciso IV, § 2º, artigo 26 da EC 103/2019. Ou seja, equivalente a 60% (sessenta por cento) da média salarial do segurado, contando as contribuições efetuadas a partir de julho de 1994, com acréscimo de 2% (dois por cento) da média para cada ano contribuído que exceder 15 (quinze) anos de tempo de atividades especiais da categoria de aposentação com 15 (quinze) anos, na data da aposentação (CASTRO; LAZZARI, 2020).

Segundo Deud e Baars, diferentemente do que foi aprovado para a EC 103/2019, a PEC 6/2019 previa acréscimo de 2% (dois por cento) também para as categorias de aposentação com 20 (vinte) e 25 (vinte e cinco) anos. Segundo suas palavras, a proposta inicial previa que o valor do benefício corresponderia a “60% da média salarial com acréscimo de 2% a cada ano que superasse 15 anos quando a atividade ensejar aposentadoria nesse TC e a partir dos 20 anos, quando ensejar aos 20 ou 25 anos de TC” (DEUD; BAARS, p. 27, 2019).

Por isso, conforme demonstrado, analisar a evolução legislativa é de suma importância para compreender a aplicação das leis vigentes, principalmente quando o estudo exige o afunilamento restritivo à normas específicas, nesse sentido corrobora Horvath Júnior, quando cita Carlos Maximiliano:

Carlos Maximiliano afirma que mais importante do que a história geral do direito é, para o hermeneuta, a especial de um instituto, em proporção maior, a do dispositivo ou norma submetido à exegese. A lei aparece como último elo da cadeia, como um fato intelectual e moral, cuja origem nos fará conhecer melhor o espírito e o alcance do mesmo. (HORVATH JÚNIOR, 2014, p. 327).

Com este capítulo que agora se encerra, contextualiza-se historicamente a Previdência Social, explicitando-se a evolução legislativa frente a proteção aos trabalhadores e seus dependentes nos eventuais momentos de impedimento ou redução de capacidade laborativa, com o amparo estatal na forma de normas direcionadas à preservação da saúde, destacando a aposentadoria especial e a conversão dos períodos especiais para aproveitamento em outros benefícios, pois, podem trazer certa compensação aos segurados expostos aos agentes insalubres.

2 ATIVIDADES ESPECIAIS E O RUÍDO

Com as explanações do Capítulo anterior, tem-se que, para fins previdenciários de concessão de aposentadoria especial, ou conversão de tempo especial exercido antes da EC nº 103/2019 para tempo comum nas aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, é necessário a caracterização e enquadramento de períodos laborais especiais.

O foco desta pesquisa está na análise da possibilidade de enquadramento das atividades laborais, como especiais, pela incidência de insalubridade causada por agente insalubre, quantitativo, físico, ruído contínuo ou intermitente. Portanto, neste capítulo são abordadas as principais características e definições para o reconhecimento e enquadramento dessas atividades, enfatizando o estudo acerca do agente insalubre ruído, suas características e os limites de tolerância para o ser humano.

Para José Ricardo Caetano Costa é impossível que o legislador preveja em norma todas as profissões insalubres, como demonstra a própria evolução do rol de profissões dessa categoria na legislação. Por isso, a legislação deixou de elencar as profissões insalubres, e, passou a adotar a comprovação da exposição a fatores insalubres, via laudo técnico (COSTA, 2011).

Antes da vigência da Lei nº 9.035, de 28 de abril de 1995, havia a possibilidade de enquadramento das atividades especiais por categoria profissional descritas nos quadros dos Decretos nº 53.831/64 e 83.080/79. Segundo explana Tiago Faggioni Bachur, após isso, “[...] passou a ser necessária a comprovação da efetiva exposição, de forma habitual e permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde”. (BACHUR, 2010, p. 100).

Importante ressaltar que a lei mais nova não pode vir a prejudicar o direito adquirido e assim contrariar o princípio tempus regit actum, bem como explanado por José Antônio Savaris:

A caracterização e a comprovação da natureza especial de determinada atividade seguem distintos critérios legais informados pela atividade e pela lei vigente ao tempo de seu exercício. É de alta relevância para o tema, portanto, o princípio tempus regit actum. Como exigência da segurança jurídica, da proteção da confiança do cidadão e da boa-fé administrativa, o princípio lex tempus regit actum impede a retroação da lei nova mais restritiva. Assim, por exemplo, na hipótese de uma alteração legislativa superveniente ao cumprimento dos requisitos para a obtenção do benefício,

a lei a ser aplicável persiste sendo aquela vigente ao tempo do fato que lhe determinou a incidência (direito adquirido). (SAVARIS, 2018, p. 296 - 297).

Conforme entendimento de Castro e Lazzari, “A lei nova que venha a estabelecer restrição ao cômputo do tempo de serviço, não pode ser aplicada retroativamente, em razão da intangibilidade do direito adquirido.” (CASTO;

LAZZARI, 2016, p. 742). Portanto, o enquadramento das atividades especiais deve ser analisado sob a ótica das normas e leis vigentes em cada período pretendido.