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3.1 TESES JUDICIAIS

3.1.1 STJ e os Limites de tolerância para o Ruído

Para ambientar a decisão do STJ em relação à Petição nº 9.059 - RS, a qual consolidou a aplicação dos limites de tolerância do agente insalubre ruído na caracterização de atividades especiais, pode-se citar a percepção de Savaris e Gonçalves acerca da necessidade de respeitar-se as normas vigentes em cada período que pretende-se analisar como atividade especial:

Segundo a jurisprudência do STJ, por força do princípio tempus regit actum, a caracterização da natureza de uma atividade - se especial ou não - é regida pela lei vigente ao tempo da prestação do serviço, não sendo possível nem mesmo a retroação da lei com critérios mais protetivos à saúde de trabalhador. (SAVARIS, GONÇALVES, 2018, p. 159) [grifo do autor].

Nesse sentido, também contextualiza João Batista Lazzari:

A Turma Nacional de Uniformização dos JEFs havia editado a Súmula nº 32, admitindo como tempo de trabalho especial os seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto nº 53.831/1964 e, a contar de 5.3.1997, superior a 85 decibéis, por força da edição do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, quando a administração pública reconheceu e declarou a nocividade à saúde de tal índice de ruído. No entanto o STJ, ao julgar incidente de uniformização contra referida Súmula, entendeu que a contagem de tempo de trabalho mais favorável àquele que esteve submetido a condições prejudiciais à saúde deve obedecer à lei vigente na época em que o trabalhador esteve exposto ao agente nocivo, no caso, ruído. Assim, na vigência do Decreto nº 2.172, de 5.3.1997, o nível de ruído a caracterizar o direito à contagem do tempo de trabalho como especial deve ser superior a 90 decibéis, só sendo admitida a redução para 85 decibéis após a entrada em vigor do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003 (PET 9.059/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Dje 9.9.2013 ). Esse entendimento foi novamente mantido pela 1ª Seção do STJ no julgamento do REsp 1.398.260/PR (repetitivo), em 14.5.2014, apesar de que esse julgamento o resultado não foi unânime. (LAZZARI, 2017, p. 329) [grifo nosso].

Assim, observa-se que importa trazer à baila o histórico processual que levou ao Incidente de Uniformização do STJ que reformou a Súmula nº 32 da TNU, iniciando pelo ajuizamento do processo nº 2003.71.10.001836-6 (RS).

Em 21 de fevereiro de 2003 o segurado do RGPS aqui denominado JCMR, ajuizou na 3ª Vara do Juizado Especial Cível de Pelotas – RS, Ação para Concessão de Benefício Previdenciário de Aposentadoria Especial contra a Autarquia Previdenciária, processo protocolado sob o número 2003.71.10.001836-6 (RS) / 0001836-64.2003.4.04.7110.

O benefício requerido por JCMR havia sido indeferido na seara administrativa por não reconhecimento, por parte do INSS, das atividades exercidas em condições especiais insalubres, onde havia informação da incidência de ruído, conforme extraído do Portal da Justiça Federal da 4ª Região.

Após o período de instrução do processo, a sentença proferida pela Excelentíssima Juíza Federal Dulce Helena Dias Brasil publicada no dia 18 de janeiro de 2007, veio para indeferir os pedidos da petição inicial referentes à insalubridade causada por ruído. A justificativa para o indeferimento, neste ponto, foi a seguinte, ipsis litteris:

Com relação a tais atividades, foi juntado aos autos o formulário de fl. 41 e o laudo técnico, produzido especificamente para o autor, de fls. 42/44. O formulário informa que o autor esteve exposto ao "agente insalubre ruído a doses acima dos limites de tolerância - 90 (noventa) decibéis" (fl. 41). Já o

laudo produzido, informa os níveis de ruído em 91,1 dB (peneiras), 94,1 dB (máquina densimétrica), 102,9 dB (compressores de ar), 91,3 dB (seleção eletrônica), 89,1 dB (brunidores) e 89 dB (mesas separadoras), valores médios no ambiente, portanto. Note-se, acerca do laudo, que o mesmo foi produzido em outra empresa (GABEL Indústria e Comércio Ltda.), locatária das instalações da empresa que expediu o formulário, quase 10 anos após o início da atividade do autor. Nesse sentido, o perito afirma que "O lay-out do setor de beneficiamento de arroz foi modificado durante os diversos contratos laborais do segurado" (fl. 43, grifei), de maneira que as conclusões atuais não são hábeis a comprovar a exposição do autor ao agente físico ruído nos períodos pleiteados. (Sentença processo:

2003.71.10.001836-6 RS, p. 3. Portal da Justiça Federal da 4ª Região.

Acesso em 16/11/2020) [grifo original].

Da Sentença o autor recorreu para 1ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, com juntada de petição em 31 de janeiro de 2007, protocolado sob o número 2007.71.95.004182-7/RS. O Acórdão proferido em 29 de julho de 2009 pela Turma Recursal conheceu do recurso e veio no sentido de negar provimento e manter a sentença recorrida pelos próprios fundamentos.

Com o improvimento do recurso, o autor, por verificar divergências entre decisões tomadas nas esferas dos Tribunais Regionais Federais, interpôs Incidente Uniformização junto à TNU. A Excelentíssima Presidente da 2ª Turma Recursal Susana Sbrogio Galia negou seguimento ao Pedido de Uniformização com decisão proferida em 12 de abril de 2010, sob o seguinte argumento:

Não se vislumbra divergência, com relação à interpretação das normas aplicáveis ao caso, entre o acórdão proferido nos autos deste processo e a decisão apontada como paradigma. Há, tão-somente, divergência na apreciação do conjunto probatório. A via recursal eleita, porém, não se presta a reexame fático-probatório. Conforme se depreende do supracitado art. 14 da Lei 10.259/2001, o pedido de uniformização de jurisprudência se presta a solucionar controvérsias extraordinárias advindas de suposta duplicidade na interpretação de dispositivos legais, não devendo ser meio postulatório de nova análise dos elementos probatórios contidos nos autos.

Apesar dos argumentos carreados pela parte autora, o que ora é pretendido é o reexame de tais elementos. (Decisão Recurso Cível Nº 2007.71.95.004182-7-RS. Portal da Justiça Federal da 4ª Região. Acesso em 16/11/2020).

Em tempo, o autor requereu submissão do incidente ao Presidente da TNU, e assim, obteve provimento ao incidente, que, em relação ao tema desta pesquisa, decidiu neste sentido:

EMENTA-VOTO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM APÓS 28/05/1998.

EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE. PROVA DA EXPOSIÇÃO AOS AGENTES NOCIVOS NA LEGISLAÇÃO. LAUDO EXTEMPORÂNEO.

RUÍDO. REVISÃO DA SÚMULA 32 DA TNU. EPI. SÚMULA 09 DA TNU. […]

4. Revisão da Súmula n. 32 TNU: “O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831/64 e, a contar de 5 de março de 1997, superior a 85 decibéis, por força da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, quando a Administração Pública reconheceu e declarou a nocividade à saúde de tal índice de ruído”. (TNU, Portal da Justiça Federal da 4ª Região. Acesso em 16/11/2020) [grifo nosso].

Com isso, o INSS interpôs incidente de uniformização dirigido ao STJ, pois apresentou Acórdão paradigma dos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1100191/SC onde a decisão indicava para o interregno de 06 de março de 1997 até 17 de novembro de 2003 o limite de tolerância de 90 dB(A) (noventa decibéis no circuito de ponderação de curvatura tipo “A”).

Dessa forma, o STJ, derradeiramente, dando provimento ao incidente de uniformização interposto pela Autarquia, por meio do Acórdão publicado em 09 de setembro de 2013 pela Primeira Seção do STJ na Petição nº 90.059 - RS (2012/0046729-7), no ponto decidiu:

EMENTA PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ÍNDICE MÍNIMO DE RUÍDO A SER CONSIDERADO PARA FINS DE CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL.

APLICAÇÃO RETROATIVA DO ÍNDICE SUPERIOR A 85 DECIBÉIS PREVISTO NO DECRETO N. 4.882/2003. IMPOSSIBILIDADE. TEMPUS REGIT ACTUM. INCIDÊNCIA DO ÍNDICE SUPERIOR A 90 DECIBÉIS NA VIGÊNCIA DO DECRETO N. 2.172/97. ENTENDIMENTO DA TNU EM DESCOMPASSO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR.

1. Incidente de uniformização de jurisprudência interposto pelo INSS contra acórdão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais que fez incidir ao caso o novo texto do enunciado n. 32/TNU: O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831/64 e, a contar de 5 de março de 1997, superior a 85 decibéis, por força da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, quando a Administração Pública reconheceu e declarou a nocividade à saúde de tal índice de ruído. 2. A contagem do tempo de trabalho de forma mais favorável àquele que esteve submetido a condições prejudiciais à saúde deve obedecer a lei vigente na época em que o trabalhador esteve exposto ao agente nocivo, no caso ruído. Assim, na vigência do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, o nível de ruído a caracterizar o direito à contagem do tempo de trabalho como especial deve ser superior a 90 decibéis, só sendo admitida a redução para 85 decibéis após a entrada em vigor do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003.

Precedentes: AgRg nos EREsp 1157707/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 29/05/2013; AgRg no REsp 1326237/SC, Rel.

Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 13/05/2013; REsp 1365898/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 17/04/2013; AgRg no REsp 1263023/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 24/05/2012; e AgRg no REsp 1146243/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 12/03/2012. 3. Incidente de uniformização provido. (Supremo Tribunal Federal, 2013).

Diante disso, vale a elucidação dada no voto do relator Ministro Benedito Gonçalves no mesmo Acórdão:

Assim, a aquisição do direito pela ocorrência do fato (exposição a ruído) deve observar a norma que rege o evento no tempo, ou seja, o caso impõe a aplicação do princípio tempus regit actum , sob pena de se admitir a retroação da norma posterior sem que tenha havido expressa previsão legal para isso. Esse é o entendimento assentado nesta Corte Superior para a hipótese sob exame, o que equivale a dizer: na vigência do Decreto n.

2.172, de 5 de março de 1997 , o nível de ruído a caracterizar o direito à contagem do tempo de trabalho como especial deve ser superior a 90 decibéis , só devendo ser reduzido para 85 decibéis após a entrada em vigor do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003. (Supremo Tribunal Federal, 2013) [grifo nosso].

Segundo João Batista Lazzari (2017), ficam assim consolidados jurisprudencialmente os limites de tolerância para o agente insalubre ruído em relação a cada período de exercício laborativo, com base na decisão do STJ: antes de 05 de março de 1997, na vigência do Decreto nº 53.831 de 25 de março de 1964, o limite de tolerância é até 80 dB(A) (oitenta decibéis no circuito de ponderação de curvatura tipo “A”); a partir de 05 de março de 1997 até 17 de novembro de 2003, na vigência do Decreto Lei nº 2.172 de 05 de março de 1997, o limite de tolerância aumenta para até 90 dB(A) (noventa decibéis no circuito de ponderação de curvatura tipo “A”); a partir de 18 de novembro de 2003, vigente o Decreto 4.882 de 18 de novembro de 2003, o limite de tolerância diminui para até 85 dB(A) (oitenta e cinco decibéis no circuito de ponderação de curvatura tipo “A”).