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Registradores e a Eficácia de Pré-Contratos

Segundo Pilati (2003, p. 57), o instrumento contratual nas vendas de imóveis a prestação, por volta dos anos 30, era o Contrato Preliminar ou o pré-contrato do art. 1.088 do CC/1916, que não oferecia garantia de obtenção da escritura definitiva.

Para se ter uma idéia, basta dizer que, enquanto pagava as prestações, o adquirente ficava indefeso perante a hipótese de o lote ser vendido e escriturado a terceiro; não havia como impedir o arrependimento do vendedor, que muitas vezes preferia devolver o dinheiro e revender o lote (valorizado) a novo pretendente; se o comprador fraquejasse nos pagamentos, estava sujeito a perder todas as prestações pagas, a título de multa, além do próprio lote, independentemente de notificação. (PILATI, 2003, p. 57-58).

O DL 58/1937 e o Dec. 3.079/1938 instituíram uma nova modalidade contratual chamada compromisso de compra e venda. Essa promessa tem se mostrado um instrumento eficiente na defesa dos adquirentes em processos judiciais contenciosos, conforme se constata nos acórdãos em Pilati (2003, p. 72-73). Apesar disso, há enormes dificuldades de sua aceitação no RI, ocasionando inúmeros conflitos contenciosos no país.

A maior dificuldade decorreu, talvez [...] de um erro primário de concepção: ao invés de entender o Compromisso de Compra e Venda como uma nova espécie de contrato (que fazia da escritura definitiva mero ato de execução) e o registro como uma garantia do promissário comprador, viu-se a figura de outra forma: como um novo direito real, dependente de título e registro, à semelhança da propriedade (que exige escritura e registro). Assim, quem não cumprisse todo o percurso - contrato e registro - não faria jus ao regime jurídico especializado do DL 58/37. (PILATI, 2003, p. 59).

Com outras palavras, era como se a validade do Compromisso de Compra e Venda estivesse submetida à vontade e interpretação do registrador (Registrocontrolador):

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a) Como não te precaveste de observar no RI, antes de assinar o contrato, se o loteamento estava registrado (‘exigência’ do DL 58/1937, art. 4º, a)221, agora não adianta reclamar: o DL 58/1937 prevê que o contrato deve ser averbado (art. 4º,b)222à margem do registro223. Como o registro não está feito, não se pode averbar o contrato à margem dele.

b) Como não te precavestes averbando o contrato antes de pagar todas prestações, agora não adianta reclamar. Se o alienante vendeu o mesmo lote para outro que já registrou enquanto pagavas as prestações, o problema não tem nada a ver com o Cartório. Quem registra primeiro adquire a propriedade no ato da inscrição224.

c) Como não te precavestes contra terceiros, averbando o contrato nos dez primeiros dias previstos no DL n. 58/1937 (art. 11, § 1º)225, agora não podes mais. O prazo já expirou.

d) Não adianta reclamares aqui no Cartório que o alienante não quer emprestar a 2ª via original do contrato. O DL n. 58/1937 ‘obriga’ (§ 1º do art. 11) que as duas vias devem ser entregues para averbação simultânea no RI. Assim, não aceitaremos apenas a sua via.

e) Nós já entendemos que o projeto do loteamento está aprovado na Prefeitura Municipal há anos e que várias pessoas já estão morando nas casas que ali construíram, mas não podemos fazer nada. Enquantoo Loteamento não estiver registrado (DL n. 58/1937 art. 1º)226, para o Cartórioele não existe, e o comprador que registrou ontem a escritura daquela ‘chácara’, ficou dono de tudo. O loteador enganou a todos e deve indenizá-los.

221 DL n. 58/1937, art. 4º Nos Cartórios do Registro Imobiliário haverá um livro auxiliar na forma da lei respectiva e de acordo com o modelo anexo.

Nele se registrarão resumidamente:

a) por inscrição, o memorial da propriedade loteada;

222DL n. 58/1937, art. 4º, b) por averbação, os contratos de compromisso de venda e de financiamento, suas transferências e rescisões.

223DL n. 58/1937, art. 4º. Parágrafo único. No livro da transcrição e à margem do registro da propriedade loteada, averbar-se-á a inscrição assim que efetuada.

224CC/1916, art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:

I – pela transcrição do título de transferência no Registro de Imóveis; [...]. No CC/2002, Da aquisição pelo registro do título (arts. 1.245-1.247).

225 DL n. 58/1937, art. 11. Do compromisso de compra e venda a que se refere esta Lei, contratado por instrumento público ou particular, constarão sempre as seguintes especificações: [...].

§ 1º O contrato, que será manuscrito, datilografado ou impresso, com espaços em branco preenchíveis em cada caso, lavrar-se-á em duas vias, assinadas pelas partes, e por duas testemunhas, devidamente reconhecidas as firmas por tabelião. Ambas as vias serão entregues dentro em 10 (dez) dias ao oficial do registro, para averbá-las e restituí-las devidamente anotadas a cada uma das partes.

226DL 58/1937, art. 1º Os proprietários ou co-proprietários de terras rurais ou terrenos urbanos, que pretendam vendê-los, divididos em lotes e por oferta pública, mediante pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas, são obrigados, antes de anunciar a venda, a depositar no Cartório do Registro de Imóveis da circunscrição respectiva:

I – um memorial por eles assinado ou por procuradores com poderes especiais, contendo:

f) Não adianta reclamar que compraste o lote por primeiro. Não podemos atender aquele pedido de registro que foi protocolado ontem. A Lei só aceita averbar (art. 4º, b) o pré-contrato. Podes vir amanhã confirmar, mas é quase certo que aquele Sr. que pediu hoje cedo a averbação do contrato dele, amanhã deverá estar com a propriedade de toda a quadra garantida, englobando, infelizmente, o lote que era para ser seu.

g) Deves reclamar ao promitente vendedor. Sabemos que se parares de pagar as prestações perderás tudo, mas não podemos fazer nada. Já avisamos que enquanto ele não acertar o nome da rua de Amaznoas para Amazonas, não aceitaremos averbar o contrato.

h) Por favor, não insista: Se quiseres a resposta de teu pedido de averbação por escrito, deves primeiro trazer um título válido. Antes de registrado o loteamento (art. 1º), a venda não tem valor jurídico. Agora o Sr. faz o favor de se retirar para não atrapalhar as atividades ‘normais’ do Cartório.

Com outras palavras, era como se, após o final do pagamento, o promitente vendedor pudesse dizer (cinicamente): como não te precaveste contra terceiros, averbando o nosso contrato, não preciso honrá-lo! (PILATI, 2003, p. 60).

Em regra, se o negócio jurídico é válido, produzirá todos os efeitos queridos e almejados pelas partes, os efeitos que lhe são próprios e admitidos pelo ordenamento. A conseqüência da validade, normalmente é a eficácia. (VELOSO, 2003, p. 597).