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Relação de dominação: a face hostil do outro

Capítulo 4 – O sujeito e a dupla face do outro: o processo de constituição psíquica

4.3 Relação de dominação: a face hostil do outro

A dupla face do outro implica em que o sujeito tem de conviver, então, não apenas com objetos – ou percepções de objetos – que promovem a satisfação, mas também com aqueles que lhe provocam dor. Quando o organismo começa a sentir dor, é tomado por um transbordamento energético não compatível com suas capacidades de ligação e simbolização. Ao lado deste aspecto da dor, o qual é da ordem do inassimilável, há uma dimensão dos traços que representam o objeto hostil (Freud, 1895/1976). A dor cria trilhamentos, forma intensas facilitações, fortes impressões, deixando marcas profundas no psiquismo e fazendo do trauma uma experiência eternizada, sempre atualizada no tempo presente pela via da compulsão à repetição. Nesse sentido, a experiência de dor é inscrita no psíquico por meio dos traços mnêmicos, mas se mantém, ao mesmo tempo, como a expressão da dor em si mesma – o que permanece inarticulado na fala.

O grito é, assim, o ponto limite entre intensidade e representação (Freud, 1895/1976). A associação de um som, que automaticamente desperta imagens motoras da própria pessoa, com uma imagem perceptiva, que em si já é complexa, dirige a atenção para esta imagem e ressalta o caráter hostil daquele objeto. A informação sobre o grito do próprio sujeito serve para caracterizar o objeto como tal: um objeto não dominado pelo sujeito, que lhe imprime excitação, aumenta o nível de tensão, ao invés de possibilitar sua redução. A dor infligida por

ele acarreta a elevação abrupta da energia no aparelho psíquico do infans, despreparado para tal, causando uma ruptura nas telas protetoras e configurando, assim, o trauma, a devastação. O sujeito é impactado sem poder explicar por quê.

Segundo Pontalis (2005), dor é devastação, diferentemente de desprazer, que é elevação controlada. A dor não causa, em princípio, desprazer, mas hemorragia interna, apatia. A dor é uma violação que produz uma descarga interna que teria um efeito de implosão. Assim, este autor nos traz o modelo da “dor-invasão”, referindo-se a este tipo de descarga interna e secretora que rompe violentamente as barreiras do psíquico, provocando efração do paraexcitação, da camada protetora do aparelho psíquico. Na dor, com este rompimento dos limites, é como se a psique se tornasse corpo e o corpo se tornasse psique, podendo o corpo ficar deslocado de sua própria imagem, com prejuízos para a unificação/integração do ego.

A experiência de dor, entretanto, aciona uma defesa primária, estruturando um primeiro eu como um grupo de neurônios fortemente ligados entre si por investimento colateral, que altera a circulação de energia no aparelho, inibindo os processos primários e procurando realizar alguma contenção da energia. A dimensão da dor em si mesma, definida pelo grito da criança enquanto pura intensidade, está fora do campo representacional e remete a das Ding. Contudo, a partir de uma elaboração, esta dor no interior de um eu-corpo pode ser vivida como desprazer, sendo representada como sofrimento.

Dessa forma, a dor seria uma reação direta à perda do objeto. “Lá onde está a dor, é o objeto ausente, perdido que está presente.” (Pontalis, 2005, p. 272). A angústia, por sua vez, aparece aí como sinal de que no caso de perda do outro vem o perigo da dor, na medida em que aí “o objeto deixa de ter a função de abonador possível” (idem). Nesse sentido, a angústia também pode ser dita, ou representada nos sintomas, como um apelo indireto ao outro, mas a dor em estado puro só pode ser gritada, ela é só para si. Nem mesmo o sujeito se comunica com sua dor, alternando entre o silêncio e o grito, pois ela é da ordem estritamente energética, situando-se aquém do simbólico, no registro real. “Dor nos confins e na junção do corpo e da psique, da morte e da vida.” (idem, p. 275).

Dorey (1981), no artigo “La Relation d’emprise”, afirma que este estado de sensibilidade e vulnerabilidade da criança, no qual ela grita, decorre de tudo o que reativa o estado de impotência originária consecutiva à experiência da perda do objeto. O outro, de quem é inseparável, é marcado por uma insegurança essencial na qual vive a criança, insegurança que determina nela uma fragilidade profunda, uma vulnerabilidade excessiva que a coloca a mercê do surgimento imprevisível de um verdadeiro estado de desamparo. Ao ser

confrontada com a perda do objeto parcial primordial, a criança, de maneira defensiva, tenta reinstaurar, com a mãe – esta já sendo percebida como objeto total –, uma relação sob o modelo mesmo da relação mais arcaica, na qual ela se identifica com o objeto de desejo da mãe. O desejo do outro, no entanto, é, por sua natureza mesma, revelador da falta do objeto, Objektlosigkeit, onde se situa a origem de toda angústia. Deste modo, se, por um lado, o surgimento do outro no campo do desejo é primitivamente criador, por consequência, ele será também reativador da experiência originária de desamparo.

A relação de dominação que a criança tenta, assim, estabelecer com seu objeto primordial consiste em uma formação defensiva, que tem como função essencial ocultar a falta tal como ela é revelada pelo reencontro do outro. Trata-se de uma organização que consiste em investir esse outro não sob a forma de seu reconhecimento como sujeito desejante, mas enquanto objeto, no sentido em que o objeto – Freud sublinha – é uma proteção contra todas as situações de desamparo (Dorey, 1981). A dominação exercida traduz o investimento regressivo e defensivo do sujeito em relação ao outro, reduzido à função de objeto de salvaguarda, o qual deve ser imperiosamente dominado e possuído de maneira totalitária, já que ele foi o objeto primordial, objeto este percebido em sua parcialidade, apenas em seu aspecto bom, semelhante. A vitalidade do ser, nesse sentido, precisa da pulsão de domínio, de certa expansão sobre o outro, justamente o que viabiliza o primeiro tempo do circuito pulsional (busca ativa do seio), abordado no capítulo anterior.

Como sabemos, tamponar a falta é algo impossível e logo o sujeito cai novamente no vazio de seu desamparo. A alteridade colocada no lugar de objeto apresenta, pois, resistência. O outro não é apenas dominado pelo sujeito, mas também imprime excitação ao sujeito. Assim, a assimetria dessa relação com o Outro, conforme apontamos no tópico anterior, leva a que, desde o início da vida, a face excessiva do Outro se apresente sob a forma da sedução materna. Neste sentido, Dorey (1981) aponta, através da clínica da perversão e da neurose obsessiva, as duas situações inferidas por ele quanto à relação primordial com a criança, respectivamente: uma mãe sedutora, para a qual a criança é plenamente objeto sexual e da qual ela tira satisfações eróticas quase exclusivas; e uma mãe destruidora, que, recalcando todo desejo, hipoteca gravemente o processo mesmo de engendramento do sujeito, escravizando a criança por sua ação mortífera. Por isso, enfatizamos a relação de dominação como sendo essencialmente uma formação defensiva específica, na qual o objeto tem por função ocultar uma falta, isto é, reduzir toda diferença.

Aqui, temos a dominação que aparece na história infantil de pacientes com desvios sexuais, marcada por condutas sedutoras sofridas pela criança por parte da mãe ou substituto,

traduzindo a realidade de uma sedução efetiva, geralmente muito precoce, massiva, intensa, repetitiva e polimorfa. Cria-se, nestes casos, entre os dois parceiros, uma ligação de prazer erótico que se desenvolve na cumplicidade, ao nível carnal e ao nível do olhar. O estado de felicidade de cada um dos protagonistas aplainados no olhar do outro decorre, ao mesmo tempo, da satisfação e do reflexo da sua própria satisfação, que lhe proporciona o outro (Dorey, 1981).

Investir o outro como objeto e não como sujeito significa precisamente instaurar uma relação direta, não mediatizada, especular, e por isso eminentemente reversível, que se desenvolve essencialmente no registro imaginário. No narcisismo primário, fascinado por sua própria imagem especular, o sujeito é a prova de uma verdadeira captação imaginária, vítima da dominação que exerce sobre ele seu reflexo no espelho, ao mesmo tempo, autor e beneficiário de um estado de beatitude que não é senão uma alienação profunda. Por isso, a perversão narcísica pode ser considerada o modelo prototípico de toda relação perversa (idem).

Segundo a hipótese do narcisismo, o surgimento da unidade original do sujeito se dá por meio da indistinção do sujeito e de sua imagem neste estado primitivo do psiquismo. Os casos de perversão, nesse sentido, nada mais são que a expressão de nossas tendências mais profundas colocadas em limites extremos, por revelarem a verdade natural em nosso ser mais íntimo: em cada um de nós, há um desejo de ser – e, de fato, somos todos, em graus diferentes – carrasco ou vítima, ou, mais frequentemente, os dois ao mesmo tempo (Dorey, 1981).

Conforme Freud (1905/1976), toda mãe é, para sua criança, a primeira sedutora, sendo possível ver, nos cuidados maternos e na sedução que eles comportam, o protótipo de toda relação de dominação. Pela inscrição dessa relação ao nível do corpo, de seu desejo e de seus fantasmas, a mãe faz nascer, na criança, investida como seu objeto sexual de pleno direito, uma sexualidade à imagem da sua e sob o domínio da qual este que ela procriou ficará situado por toda a sua vida. Deste modo, os efeitos desta dominação erótica em sua dimensão comum a todos os seres humanos estão sempre presentes na vida amorosa dos homens, mas em graus infinitamente variáveis. A estruturação psíquica de cada sujeito é, assim, marcada pelo registro da sedução originária protagonizada pelo Outro, o que nos sensibiliza à sedução, deixando-nos propensos a aceitar a dominação exercida pelo outro ou, inversamente, a lhe impor a nossa.

Portanto, sob determinado ângulo, a mãe busca exercer sobre a criança um controle onipotente que exige da parte desta última uma total submissão. A posição de passividade que lhe é destinada é essencialmente passividade face ao desejo da mãe, desejo que lhe é imposto,

uma vez que o é sem chance verdadeira de defesa, fazendo efração nele, invadindo-o e submergindo-o, negando toda a possibilidade de fazer valer seu desejo próprio, salvo ser a réplica exata daquele que o constrange (Dorey, 1981). Nesta relação exclusiva que se estabelece entre a mãe e a criança, o pai era constantemente mantido à margem. Esse fato deve ser interpretado como a consequência direta da posição que a mãe ocupa em relação à castração, posição imaginária em função da qual a ausência do pênis é sentida como dano ou como prejuízo que requer reparação, podendo inclusive ser negada sob uma realidade inaceitável. Seu filho será por ela identificado ao objeto mesmo de seu desejo, objeto fálico então, destinado a preencher a falta que a constitui.

A mãe não faz senão garantir que a criança esteja em sua própria posição identificatória, captando-a ao interior de uma relação especular fechada onde se prende seu desejo nascente. Ainda, ela é condenada à repetição incessante à qual não sabe escapar, reativando o estado de desamparo originário, já que o Outro se impõe a ela por seu próprio desejo. Porém, com a entrada do terceiro, do pai, que se interpõe entre a mãe e a criança, a identificação desta última com o objeto de desejo da mãe não se satisfaz mais, sendo ela conduzida a desviar-se dessa posição identificatória, na medida em que a mãe se impõe por isso que ela é de fato: um sujeito desejante que, por sua singularidade e sua especificidade mesmas, confronta a criança com esta experiência originária da diferença.

Assim, a importância que Freud sempre concedeu à sedução na psicogênese das neuroses sela o laço entre sedução e dominação, na medida em que o assujeitamento pelo Outro define e determina a posição do sujeito frente ao seu próprio desejo, conforme o desejo do Outro. Parece determinante na eclosão de um problema neurótico este tipo de relação, em que a interação entre dois desejos se solda pela escravidão de um em benefício do outro, por uma relação de poder. Mobilizado por um conflito interpsíquico entre dois aparelhos, no qual um obtém a rendição do outro, o sujeito submete-se ao desejo que ele desconhece, mas que, paradoxalmente, o fascina desde que o encontra no outro.

A dominação aparece, assim, como a resultante de uma dupla tendência, unificadora, por um lado, e destrutiva, por outro. O interminável jogo recíproco das pulsões de vida e de morte que se animam em todos os seres humanos caracteriza o funcionamento psíquico materno levado em conta pela criança desde os primórdios desta relação. A ação de Eros, por um lado, estabelece uma relação fusional muito característica fundada sobre a sedução, com a edificação dessa ligação exclusiva entre a criança e a mãe: uma relação de cumplicidade ou de conivência merecida, definida como um verdadeiro conluio entre mãe e criança, estabelecendo uma intenção secreta que se constitui ao prejuízo de um terceiro, isto é, uma

relação que separa a criança daquele que tem por função essencial se interpor à dupla, a saber, o pai. Certa empresa de sedução, então, tem por consequência última obstruir gravemente um outro processo de separação, aquele que implica justamente o engendramento do sujeito.

Portanto, complementarmente à tendência unificadora, as pulsões destrutivas configuram uma relação de dominação absoluta de um ser sobre seu semelhante, que progressivamente se vê despossuído de si mesmo, assujeitado ao desejo que o constrange. Essa dominação exercida pela mãe é profundamente alienante, uma vez que o sujeito é enlaçado ao interior de um circulo imaginário no qual é condenado a vagar indefinidamente, isto é, a repetir. Vítima de uma dominação tirânica que ele sofre passivamente, por um mecanismo de identificação ao agressor, ele vira ativo e exerce, por sua vez, seu poder sobre o outro, impondo-lhe seu desejo. Por conta da estrutura especular desta relação que o constituiu, ele será sempre preferencialmente dominante que dominado, mas pode ser aquele que exerce a dominação tanto quanto aquele que a sofre (Dorey, 1981).

Desde “O Estranho”, artigo de 1919, Freud reconhecia na mente inconsciente a presença de uma compulsão à repetição, procedente dos impulsos pulsionais e provavelmente inerente à própria natureza das pulsões, “uma compulsão poderosa o bastante para prevalecer sobre o princípio de prazer, emprestando a determinados aspectos da mente o seu caráter demoníaco, e ainda muito claramente expressa nos impulsos das crianças pequenas” (p. 297- 298). Acrescenta ainda que este fenômeno da repetição, sujeito a determinadas condições e combinado a determinadas circunstâncias, provoca indubitavelmente uma sensação estranha, a qual evoca a sensação de desamparo.

Segundo Pontalis (2005), para quem a dor esteve recalcada na obra freudiana, a compulsão à repetição, retornando somente em “Além do Princípio de Prazer” (1920), seria uma tentativa de efetuar certa ligação no excesso, no intuito de remediar a omissão da ligação no trauma, no qual se pode conceber uma força demoníaca em ação. Esta força demoníaca ganha o estatuto de uma pulsão neste artigo freudiano, a pulsão de morte, que inaugura o novo dualismo pulsional entre pulsões de vida e de morte, mencionado acima neste tópico. Analisando largamente o fenômeno da repetição, Freud dá-se conta de que este engendra a produção ativa pelo sujeito de vivências desprazerosas.

Chama sua atenção, neste sentido, certas brincadeiras das crianças, como aquela de seu neto com o carretel, conhecida como Fort-Da, em que ocorre algo que deriva da natureza mais íntima das pulsões, com poder suficiente para desprezar o princípio de prazer, destronando-o, na medida em que não serve à função de realização de desejo. Estas brincadeiras infantis de jogar longe o objeto (carretel) para depois reencontrá-lo parecem

remeter à situação de ausência do objeto primário, à partida da mãe, o que certamente não foi sentido pela criança como algo agradável ou mesmo indiferente. O primeiro ato, o da partida, é encenado com mais frequência, provavelmente porque, por mais desagradável que fosse, na repetição pela brincadeira, a criança assume um papel ativo frente a uma experiência vivida inicialmente de forma passiva, para a qual não estava preparada. Ainda assim, repetir essa experiência desagradável na brincadeira traz algum tipo de produção de prazer, mais primário e independente do princípio de prazer, ou seja, parece que estão em jogo aí tendências além do princípio de prazer (Freud, 1920/1976).

Essa repetição é uma tentativa de apropriação, de elaboração da situação traumática, saindo de uma posição passiva para uma posição ativa diante da mesma. Segundo Dorey (1981), com o termo Bewaltigung Freud designa uma dominação exercida sobre si mesmo, algo da ordem de uma mestria ou superioridade. É uma atividade de ligação (Bindung) das excitações que surgem não em oposição ao princípio de prazer, mas independentemente dele e parcialmente sem o ter em conta. O objetivo é o controle da excitação no interior do aparelho psíquico a fim de evitar uma situação traumática ou de encará-la. É isso que faz a criança, simbolicamente, ao entregar-se ao jogo do Fort-Da, que permite a ela suportar a saída da mãe sem manifestação de oposição e sem ser submergido por um desenvolvimento de angústia. A função desse jogo, portanto, é essa tentativa de dominação, de representação psíquica do trauma, “como um afluxo pulsional excessivo, sobrepondo-se à capacidade do psiquismo de ligá-lo e elaborá-lo.” (Maldonado & Cardoso, 2009, p. 46).

Ao reproduzir através do brincar esta alternância presença-ausência da mãe, edifica-se uma formação defensiva pela qual o sujeito tenta colar a falta, assegurando-se de uma dominação absoluta sobre o objeto substituto (o carretel) e realizando aos poucos um verdadeiro trabalho psíquico de elaboração interior de uma experiência sentida como angustiante. Uma tal produção no brincar representa a elaboração psíquica, isto é, o controle de uma situação traumática, a ausência da mãe, pela domesticação das excitações que ela determina. Lá, ainda, o fator principal pode ser relacionado ao objeto enquanto ele falha e, como tal, articulado ao desejo do Outro, à mãe, à qual pode “a sua vontade” aparecer ou desaparecer.

Nesse sentido, Dorey (1981) afirma que a dominação é, em Freud, atribuída à finalidade de uma pulsão específica, não sexual, associada à crueldade infantil e, posteriormente, ao sadomasoquismo, com a ação da pulsão de morte, o que, aliás, já foi por nós abordado ao tratarmos a questão da atividade e da passividade da pulsão, no capítulo anterior. A dominação, como um modo muito singular de interação entre dois sujeitos,

corresponde a um agenciamento complexo da relação ao outro, não se reduzindo à atividade de apenas uma tendência. Assim, a dinâmica pulsional que se faz presente nessa tentativa de dominar o objeto, de ligar o excesso, já apresenta em si um grau de mescla pulsional. Por isso, para este autor, antes de relacionar a dominação à atividade de uma só tendência, parece mais fecundo, ao contrário, neste tipo muito específico de relação de objeto, relacioná-la à ação predominante de uma categoria pulsional, mais precisamente, a da pulsão de morte sobre a pulsão de vida.

Percebemos, dessa forma, que Eros e Tanatos são duas forças presentes na vida psíquica desde seus primórdios, agenciando trabalhos de criação e destruição. Elas não se manifestam em estado puro, mas sempre mescladas, em diferentes proporções. São, nesse sentido, antagônicas, mas complementares, na medida em que uma nova criação só pode ocorrer mediante a destruição de um estado de coisas antigo, de antigas ligações, já que “o extremo da ligação é também o extremo da imobilização” (Laplanche, 1987, p. 153).

No entanto, apesar dessa tentativa de sujeitar a ameaça à vida e, portanto, preservá-la, há por trás uma força no interior do organismo que impulsiona para a evacuação total da tensão, com o fim não de restaurar a vida, mas a inércia, a morte. O elemento pulsional inerente à natureza humana se sobrepõe, então, à excitação desencadeada pelo trauma para tornar sua elaboração impossível, na medida em que se realiza um antitrabalho, garantindo a não ligação da energia psíquica. No domínio estrito da pulsão de morte, o traumático é a própria impossibilidade de dar conta do pulsional mortífero, dessa excitação que não encontra saída, ligação, destinação possível.

Se, no “Projeto”, Freud coloca a dor como sendo provocada por estímulos exógenos, em “Além do princípio do prazer”, a ruptura do aparelho pode se dar tanto por estímulos exógenos como endógenos, na medida em que há um excesso que se mantém no interior do psiquismo, gerando dor. Há, portanto, uma dimensão do traumático relativa ao próprio