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2. HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO E ROMANIZAÇÃO NA HISPÂNIA

2.8 ROMANIZAÇÃO

2.8.1 Relações interétnicas: exército, colonos e indígenas

A presença do exército romano na Península Ibérica representou a progressiva conquista do território, ao mesmo tempo que desencadeava o início da romanização, um processo que em grande parte revelou a aculturação através do qual os povos e comunidades indígenas incorporariam e fariam seus costumes e formas de vida ao modo romano (SÁNCHEZ, 2009). A expansão romana pela Hispânia e o

estabelecimento de veteranos do exército em colônias, desencadeou a propagação de elementos itálico-romanos no território. Isto se fazia possível uma vez que a presença romana apresentava também um caráter misto de colonos, comerciantes e soldados, que se concentraram nos primeiros tempos nas regiões do sul e leste da Hispânia (TOVAR; BLÁZQUEZ, 1975).

Os meios pelos quais foram desenvolvidas as transformações no território foram diversas e cobriram variadas situações em que os habitantes da península tratavam com os colonos ou instituições romanas que os governavam. Uma delas, o exército, que entrou em contato com as populações locais, como também esteve composto de cidadãos romanos, aliados itálicos e auxiliares indígenas. A influência do exército sobre seus soldados ocasionava em uma intensa exposição ao impacto da cultura romana, sobre o idioma, modo de vida e costumes romanos. Também, ao término do serviço militar, aos soldados era concedida cidadania, direitos e prestígios romano (SÁNCHEZ, 2009).

Por outro lado, o exército se fazia presente no território através de acampamentos e guarnições apresentados em cidades, o que proporcionava contato diário com os habitantes e, consequentemente, desenvolvia relações de laços familiares entre soldados e mulheres indígenas – mesmo que não reconhecidas legalmente. Muitos destes legionários licenciados, depois de muito tempo de serviço, não regressavam à Itália, permaneciam na Hispânia e se instalavam em colônias. Junto a estes, se somavam colonos que chegavam a Hispânia atraídos por sua riqueza agrária e proteção oferecida pela presença do exército, além também dos indivíduos que se assentavam nas novas províncias com o intuito de fazer negócio e prosperar (Idem, 2009).

Desta forma, a romanização seguia manifestada em diversos elementos da vida cotidiana: na expansão do latim, trocas de vestiário ou tipos construtivos, uso de nomes romanos, aceitação do direito penal, a instauração de uma nova organização provincial, desenvolvimento de costumes, de banhos e espetáculos públicos romanos. Em todo o Império observa-se que a Hispânia por ser uma das primeiras províncias conquistas por Roma, interessada em controlar o território amplo, variado e rico, manteve em algumas regiões, desde os primórdios, uma profunda romanização. Entretanto, como observamos, considera-se que a romanização não foi um fenômeno imposto pelos conquistadores, mas sim um interesse das elites locais por integrar-se ao novo Estado romano, e garantir assim seus status e privilégios (Ibidem, 2009).

O desenvolvimento e a expansão da administração foram outro elemento romanizador, por abranger a totalidade do território controlado por Roma. O governo provincial seguia uma organização propriamente romana que pretendia unificar as diversas formas de organização social, econômica e política. A criação de novas cidades influenciou, por sua vez, todo o território e arredores que estendia seu poder e autoridade. Deste modo, os indígenas podiam conhecer as formas de governar dos romanos e de seus edifícios e construções, dedicados para diferentes deuses e atividades por eles desconhecidos (SÁNCHEZ, 2009).

A concessão de cidadania à população indígena pode ter impactado a vida dos habitantes do território, pois permitia direitos e privilégios aos que a possuíam, principalmente aos dirigentes autóctones. A concessão da cidadania funcionava como uma isca para integrar a população indígena com a cultura romana.

Entre estos privilegios destacaban el ius comercii, o derecho a la propriedade; el ius connubbi, es decir el derecho a contraer matrimonio reconocido por el estado; el ius sufragii, que no era otro que la capacidad de votar en la asamblea de ciudadanos; y el ius

honorum, el derecho a ejercer los cargos públicos (Idem, 2009, p. 54).

Essas influências diárias e permanentes foram transformando aos poucos o território peninsular e também a forma de vida das populações que habitavam estes espaços. Entretanto, o nível de romanização não atingiu uniformemente toda a Península Ibérica, apresentando diferenças regionais. A romanização na Hispânia foi mais profunda na Bética e atingiu algumas regiões como as áreas do litoral mediterrâneo e o vale do Guadalquivir; ao contrário de algumas zonas mais setentrionais e áreas do interior da península, onde as estrutura e formas de vida indígenas sempre foram mais intensas e enfrentaram maiores resistência (MORENO, 1988; Ibidem, 2009).

Mesmo assim, observa-se que o prolongado domínio romano da Hispânia afetou toda a população provincial. E isto permitiu, a partir do século I d.C., com o termo hispanorromanos, designar a população da Hispânia como pertencente a um novo ambiente cultural (Ibidem, 2009). Mesmo com resistências indígenas, a cultura romano-mediterrânea com suas formas e conceitos influenciou todo o território da Hispânia, ocorrendo processos de aculturação, criação de mistificações e sincretismos (MORENO, 1988).

Percebe-se que ao longo do desenvolvimento da história hispânica, com a romanização, ocorreram mudanças e rupturas nos problemas de assimilação cultural e resistência indígena em relação ao âmbito religioso (MORENO, 1988). Nesta esfera do religioso podemos notar o processo de aculturação. Nos primeiros momentos da conquista romana, o panteão romano – já identificado com o grego – foi penetrado. Sob o regime imperial, Augusto estabeleceu que determinados cultos se convertessem em símbolos deste, como uma espécie de religião oficial.

Tales cultos oficiales habrían sido el de la Tríada Capitolina – compuesta por Júpiter, Juno y Minerva –, el de la diosa Roma, el del emperador y el de los genios imperiales deificados tras su muerte. Los templos a ellos dedicados, sobre todo a los tres últimos, ocupaban un lugar preeminente en toda ciudad hipánica de tipo romano, y su culto estaba estrictamente garantizado por sacerdotes jerarquizados por municipios, conventos y provincias (Idem, 1988, p. 58-9).

Paralelamente, a unificação do mundo mediterrâneo via Império Romano significou uma transformação nas ideias e crenças religiosas entre suas diferentes regiões. Verifica-se que desde o século II a.C. as sociedades urbanas do Mediterrâneo vinham aceitando com grande êxito as crenças religiosas de procedência oriental. No Ocidente romano estes cultos orientais foram aceitos por grupos populares e intelectuais, pois não distinguiam diferenças sociais e ofereciam mensagens de consolação e salvação além vida. Entre estes grupos de difusão estavam comerciantes, escravos, artesãos e, principalmente, soldados, que formavam um meio social e cultural mesclado e propenso a esse tipo de crenças. Entre os séculos II d.C. e III d.C. os cultos de Ísis, Mitra e Serápis foram os mais difundidos na Península Ibérica (Ibidem, 1988).