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Relações temporais entre os dois domínios oracionais

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Capítulo 1 – Introdução

1.2. Distribuição do indicativo e do conjuntivo em completivas verbais do português

1.2.2. Revisão bibliográfica

1.2.2.3. Relações temporais entre os dois domínios oracionais

A questão das relações temporais em orações completivas com conjuntivo divide opiniões. Por um lado, encontramos defensores da dependência temporal da encaixada em relação ao tempo da oração matriz; por outro, alguns autores postulam que o conjuntivo possui tempo próprio.

De entre os primeiros, importa mencionar Raposo (1985), autor que estabelece a distinção entre dois tipos de verbos matriz, que designa por E-verbs e W-verbs. Os primeiros, que correspondem aos verbos epistémicos (como os verbos pensar e achar) e aos declarativos (como os verbos dizer e afirmar), seleccionam na encaixada o modo indicativo e permitem que o tempo da oração subordinada seja autónomo. Deste modo, o domínio temporal do verbo da encaixada é semanticamente independente do tempo semântico do verbo da oração superior. Segundo o autor, esta situação resulta do facto de este tipo de verbos possuírem em Comp o operador [+Tempo]. Apresenta-se em (80) exemplos de E-verbs:

(80) a. Eu digo/ disse que a Maria ganhou a corrida. b. Eu digo/ disse que a Maria ganha a corrida.

(op. cit.: 78; (7) e (8))

Os W-verbs, por seu turno, são verbos não-factivos (como temer e recear), volitivos (como querer e desejar) e verbos de influência e de permissão (como recomendar e exigir), que seleccionam na encaixada o modo conjuntivo. Nestes contextos, o tempo da encaixada é dependente do tempo da oração matriz, na medida em que é determinado pelas propriedades semânticas e morfológicas do verbo superior, estabelecendo-se entre os dois verbos uma relação de concordância temporal. Ao contrário do que acontecia com os verbos anteriores, Raposo (1985) mostra que os W-verbs possuem o operador [-Tempo] em Comp, daí resultando as restrições temporais impostas pelo verbo matriz ao verbo da encaixada, como se verifica em (81):

(81) a. Eu desejo que a Maria ganhe/ *ganhasse o prémio.

b. Eu desejava/desejei que a Maria ganhasse/ *ganhe a corrida.

(id.: 79; (9) e (11))

Do contraste entre (80) e (81) conclui-se que, com os E-verbs (cf. (80)), a escolha do tempo verbal na encaixada é livre, sendo possível diversas combinações, como [pas/pas], [pres/pres], [pas/pres] e [pres/pas]; com os W-verbs (cf. (81)), pelo contrário, o verbo da encaixada concorda temporalmente com o verbo da oração matriz, estabelecendo uma ligação anafórica com o operador [+Tempo] da oração superior, o que faz com que se permitam apenas combinações como [pres/pres] e [pas/pas]. Assim, Raposo (1985) defende que “(…) subcategorized complement clauses to E-predicates (…) are characterized by a [+TENSE] in their Comp position (…). Subcategorized complement clauses to W-predicates are characterized by the feature [-TENSE] in their Comp position.” (id.: 80).

Em trabalho posterior, o mesmo autor, em colaboração com Meireles (cf. Meireles & Raposo 1992), contrapõe os verbos epistémicos e declarativos aos verbos volitivos. Segundo os autores, com os verbos epistémicos e declarativos o tempo da oração encaixada é independente do tempo da oração principal, ao passo que com os verbos volitivos se verificam várias restrições que impedem que a referência temporal da

oração completiva seja livre, ou seja, independente da referência temporal da oração matriz. Deste modo, é atribuído o traço [+Tempo] às orações completivas com indicativo, e o traço [-Tempo] às encaixadas com conjuntivo, o que explica o contraste entre (82) e (83):

(82) O Manel disse/diz/dirá que a Maria chegou/ chega/ chegará tarde.

(op. cit.: 73; (13)) (83) *O Manel deseja que o filho fosse o melhor aluno.

(id.: 74; (16))

Assume-se portanto que “ In clauses selected by volitional predicates (with subjunctive mood in their verb), however, tense in INFL will have to be linked to the TENSE operator of the matrix clause, since the subjunctive clause will lack its own TENSE operator.”(id.: 75).

No seguimento da mesma ideia, Ambar (1992a) atribui ao Indicativo os traços [+T] e [+forte] e ao conjuntivo [+T] e [-forte]. Como corolário, o indicativo, sendo um modo temporalmente marcado, pode reger, e o conjuntivo, ao invés deste, tem de ser regido e só dessa forma pode reger.

Para reforçar esta tese, Ambar (1992b) estabelece a distinção entre duas categorias de tempo: o tempo morfológico (Tm) e o tempo semântico (Ts). No caso dos verbos epistémicos e declarativos, que regem indicativo, Ts é atribuído ao C encaixado e identifica Tm. Daqui resulta que o valor temporal da oração encaixada seja independente do valor temporal da oração matriz, podendo ocorrer qualquer tempo verbal nesta última:

(84) Eles pensam/disseram que os soldados abandonam/abandonavam/abandonaram/ abandonarão/terão abandonado os seus postos.

(op. cit.: 35; (14))

Já os verbos volitivos, que seleccionam conjuntivo, não possuem Ts, pelo que Tm deve procurar o seu ponto de referênciano tempo da oração matriz; desta forma, o tempo da encaixada tem de ser determinado a partir do tempo da matriz, como se exemplifica em

(85), em que o tempo verbal da encaixada (presente do conjuntivo) concorda com o do verbo matriz (presente do indicativo):

(85) Eles querem que a guerra acabe/*acabasse.

(id.: 37; (19))

Assim, segundo Ambar (1992b), “La présence du trait Ts dans Comp enchâssé dépend des propriétés de sélection du verbe principal.” (id.: 33).

Na esteira desta autora, e através de um estudo igualmente sintáctico, Mendes (1996) defende a ideia de que o conjuntivo é sempre lexicalmente seleccionado e sempre sujeito a restrições de ordem temporal. Segundo Mendes (1996), ao contrário dos verbos epistémicos e declarativos, os verbos volitivos e factivos não atribuem ao núcleo Comp da oração completiva o traço [+Tempo], existindo, por isso, uma relação de dependência marcadamente morfológica entre a flexão da frase matriz e a flexão da frase encaixada. O tempo da frase matriz c-comanda, assim, o traço de tempo do conjuntivo, pelo que se verifica uma dependência temporal do primeiro relativamente ao segundo, como visível no exemplo (86):

(86) O Pedro quer que o João diga/*dissesse a verdade.

(op. cit.: 141 (93))

Deste modo, a autora defende que, enquanto nas construções com verbos epistémicos e declarativos existem dois tempos no discurso (o tempo do verbo da oração superior e o tempo independente da encaixada), nas estruturas em que estão presentes verbos volitivos ou factivos, existe um só tempo no discurso, o tempo da oração superior, pois deste depende o tempo o verbo da encaixada. Mendes (1996) conclui que “De facto, o conjuntivo por si só não é capaz de estabelecer um domínio temporal. O tempo da oração matriz é tido como responsável pela atribuição de um ponto de referência temporal ao conjuntivo.” (id.: 186).

No mesmo sentido, Chitas (1998) defende que as relações temporais intrafrásicas em cadeias verbais com conjuntivo são essencialmente anafóricas, ou seja, existe uma dependência temporal entre a oração encaixada e a oração principal. Esta abordagem da

consecutio temporum tenta conciliar aspectos semânticos e morfológicos e segue a proposta de Reinchenbach (1947), no que diz respeito à dimensão anafórica e à importância do ponto de referência. Apoiando-se nestes dois conceitos, a autora adopta também a perspectiva de Kamp & Reyle (1993), no quadro da Teoria das Representações do Discurso (DRT), e tem em consideração dois parâmetros: (i) o Ponto de Perspectiva Temporal (PPT), que estabelece a relação entre o ponto de referência e o tempo da enunciação, T0, que, segundo Peres (1993), tem em português três valores: passado, presente e futuro, e (ii) a Localização Relativa (LR) que, através dos valores de anterioridade, sobreposição e posterioridade, indica a relação entre a situação descrita e o PPT.

Após uma análise dos contextos do conjuntivo, Chitas (1998) conclui que nas completivas em que ocorre este modo “As formas verbais cuja localização temporal serve de PPT à forma verbal com que co-ocorre surgem a operar localizações em {PRES, sobr}, em {FUT, sobr} e em {PRES,ant} e {PASS,sobr} e a fornecer um PPT {PRES}, {FUT} e {PASS}. As formas verbais temporalmente dependentes localizam as situações relativamente ao PPT que lhes é fornecido.” (op. cit.: 193). Chitas (1998) partilha, deste modo, das propostas referidas anteriormente, uma vez que defende que é a frase superior que localiza temporalmente o estado de coisas expresso na completiva com conjuntivo, ao fornecer-lhe o PPT.

Em Duarte (2003), estabelece-se igualmente uma distinção entre completivas com tempo independente e completivas com tempo dependente, embora não as associe a um modo específico. Esta distinção, de forma semelhante ao que é proposto em Ambar (1992a,b), decorre da presença ou ausência de um operador semântico de tempo. No primeiro caso, as completivas não dependem temporalmente da frase matriz porque têm no seu núcleo Comp um operador de tempo, sendo, por isso, completivas com “um domínio semanticamente temporalizado” (op. cit.: 626). Assim, o tempo da oração superior (passado ou presente) não condiciona o tempo da encaixada, como se verifica em (87), em que o verbo da completiva pode surgir em qualquer tempo do indicativo independentemente do tempo do verbo da oração superior (pretérito perfeito ou presente):

(87) a. O João afirmou que a Maria tinha ido/ vai/ irá a cinema. b. O João afirma que a Maria foi/ vai/ irá a cinema.

(id.: 626; (21))

Por seu turno, nas completivas com tempo dependente as “especificações temporais são dependentes das da frase superior, pelo que não formam um domínio semanticamente temporalizado” (id.: 626), daí que o tempo do verbo da oração superior condicione o tempo do verbo da encaixada. Deste modo, quando o verbo da oração matriz se encontra no pretérito perfeito do indicativo, o verbo da encaixada tem de estar localizado temporalmente no passado, não se aceitando, por isso, estruturas com o presente do conjuntivo ou com o futuro do conjuntivo (cf. (88a)); quando o verbo da oração matriz se encontra no presente do indicativo, apenas admite na completiva o verbo no presente do conjuntivo, logo, não são possíveis formas do conjuntivo no passado (cf. (88b)). A autora ilustra estas duas situações com os seguintes exemplos:

(88) a. O João quis que a Maria fosse/ *vá/ * for ao cinema. b. O João quer que a Maria *fosse/ vá/ *for ao cinema.

(id.: 626; (22))

Oliveira (2003) coloca também a tónica na questão da autonomia vs dependência do conjuntivo. A autora afirma que, por um lado, o conjuntivo pode estabelecer uma relação de anáfora temporal com o tempo da oração a que está subordinado (o tempo da oração matriz é o ponto de perspectiva temporal do conjuntivo), como acontece em (89), em que os verbos dos dois domínios oracionais (oração matriz e oração encaixada) se encontram localizados temporalmente no passado (pretérito perfeito do indicativo e imperfeito do conjuntivo, respectivamente), sendo o segundo dependente do primeiro:

(89) O Rui pediu-me que fosse falar com ele.

(op. cit.: 267; (107))

Por outro lado, o conjuntivo pode ter o seu ponto de referência no tempo da enunciação, estabelecendo com este uma relação deíctica, ou seja, o conjuntivo estabelece uma relação de posterioridade em relação ao momento da fala, logo, há independência temporal (cf. (90)).

(90) O Rui pediu-me que vá falar com ele.

(id.: 267; (106))

No entanto, Oliveira (2003) sublinha que em ambos os exemplos ((89) e (90)) a oração encaixada tem sempre interpretações de futuro, alterando-se apenas o ponto de perspectiva temporal: tempo da oração matriz ou tempo da enunciação.

No que concerne à concordância temporal entre a oração superior e a encaixada, a autora alerta ainda para o facto de as construções com conjuntivo não admitirem todas as mesmas combinações temporais: os verbos declarativos de ordem, como exigir e ordenar, e os verbos volitivos, como desejar e querer, “requerem uma informação de posterioridade, não aceitando a combinação de presente na oração principal e passado na subordinada.” (op. cit.: 270; cf. (91)); ao invés destes, os verbos factivos, como lamentar, “admitem os diferentes tempos, com as óbvias diferenças de leitura” (op. cit.: 270; cf. (92)).

(91) Ele exige que os concorrentes leiam/ *lessem/ tenham lido/ *tivessem lido as instruções.

(id.: 270; (126)) (92) Ele lamenta/ lamentou que a Maria perca/ perdesse/ tenha perdido/ tivesse perdido o emprego.

(id.: 270; (125))

Estudos sobre outras línguas, como o Espanhol, vêm ao encontro da necessidade de estabelecer uma dicotomia entre tempo dependente e tempo independente, não associando sempre tempo dependente ao conjuntivo, tal como também é defendido em Duarte (2003) e Oliveira (2003), para o Português..

Kempchinsky (1990) é uma das autoras que, no âmbito da língua espanhola, questiona a relação de dependência temporal, mostrando que o tempo do conjuntivo nem sempre concorda com o valor [+/- PAS] do tempo do verbo no indicativo. As características semânticas dos predicados da frase superior são tidas como condicionantes da interpretação modal das frases completivas, uma vez que, em relação ao tempo da oração matriz, os verbos volitivos introduzem um tempo posterior e os verbos

epistémicos ou emotivo-factivos fazem com que as orações de conjuntivo sejam interpretadas como simultâneas da matriz. A sustentar a sua posição estão contra-exemplos que evidenciam que a referência temporal do conjuntivo pode ser independente, na medida em que o verbo da frase matriz se encontra no passado e o verbo da oração encaixada no presente do conjuntivo, com interpretação de futuro. Assim, nas frases que se seguem, o verbo da oração matriz encontra-se no passado, tempo que, em (93a), é reforçado pela expressão temporal “la semana pasada”; o verbo da oração completiva encontra-se nos dois exemplos no presente do conjuntivo, sendo a noção de posterioridade também conferida pelo advérbio de tempo “manãna”, na frase (93a), e pelo nome “vacaciones”, na frase (93b), que tem igualmente a interpretação de futuro.

(93) a. Cuando le hablé la semana pasada, insistí en que se presente mañana a la una en punto.

b. Cármen les recomendó que pasen las vacaciones com ella.

(op. cit.: 238; (12))

A autora acrescenta ainda que, embora o verbo da completiva possa ocorrer, nos mesmos contextos, no imperfeito do conjuntivo, a interpretação seria necessariamente distinta da que se obtém em (93), o que decorre do ponto de referência da oração subordinada: o imperfeito do conjuntivo tem como ponto de referência o tempo do verbo da oração principal e o presente do conjuntivo tem como ponto de referência o momento da fala. A possibilidade desta última ocorrência vem pôr em causa a regra tradicional da concordantia temporum, concluindo Kempchinsky (1990) que “parece difícil mantener la opinión de que las cláusulas de subjuntivo carecen de tiempo.” (id.: 239).

A corroborar a mesma ideia, Suñer e Rivera (1990) apresentam uma proposta que contraria igualmente a tese mais comummente defendida de que existe uma concordância temporal total entre o tempo da oração subordinante e o da oração subordinada. Segundo estes autores, esta regra mecânica de concordância morfológica, assente na ideia de que o conjuntivo é uma forma completamente dependente do ponto de vista temporal, não é verificável em todas as estruturas. Assim, os verbos de desejo (querer, desear, preferir) e os verbos de falta de conhecimento (ignorar, desconocer)

constituem aqueles em que as relações temporais são muito estreitas, o que se verifica em (94) e (95), respectivamente:

(94) Quería que telefonearas/*telefonees.

(op. cit.: 190; (10a)) (95) Ignoraba que *esté/ estuviera en la lista.

(id.: 190; (11a))

Num pólo oposto, os verbos de negação (como negar) e os verbos emotivo-factivos (como lamentar) são os que menos restringem essa relação de concordância, como acontece em (96) e (97), respectivamente:

(96) Niego/ negué rotundamente que sostenga/ haya sostenido/ sostuviera/ hubiera sostenido vínculos com el Partido Nazi.

(id.: 188; (4a)) (97) Lamento que Bolívia no esté incorporada …

(id.: 188; (4c))

Finalmente, numa posição intermédia relativamente aos dois grupos anteriores, os verbos dubitativos (como dudar) permitem todas as combinações de tempos, à excepção da combinação [+pas /- pas] e os verbos de influência (como ordenar, exhortar e exigir) impõem como requisito que o domínio encaixado seja interpretado como futuro relativamente à matriz, interpretação esta que deriva dos traços lexicais destes verbos e não dos traços temporais da oração matriz. Os autores apresentam estas situações em (98) e (99), respectivamente:

(98) Dudo que reciba/ recibiera/ haya recibido/ hubiera recibido un premio por una actuación tan medíocre.

(id.: 188; (5a)) (99) El Presidente ordenó también al Departamento de la Defensa que incremente en todo el país el adiestramiento.

Em síntese, Suñer e Rivera (1990), bem como Kempchinsky (1990), apresentam argumentos empíricos fortes em favor de que a hipótese de o conjuntivo ser uma forma neutralizada do ponto de vista temporal não é defensável, afirmando, deste modo, que “las formas del subjuntivo poseen un valor temporal proprio, independiente del verbo de la oración principal.” (Suñer e Rivera 1990: 193). Esta perspectiva contrasta claramente com a maioria das abordagens ao conjuntivo, que defendem a dependência deste modo relativamente ao tempo do domínio matriz, o que o distingue do indicativo.

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