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4 ASPECTOS NÃO APLICÁVEIS

4.3 Relativos a negociação processual

O inciso I do art. 2º da IN nº 39/2016 do TST define a incompatibilidade ao Processo do Trabalho do art. 63 do NCPC, que traz possibilidade de modificação da competência territorial e de eleição de foro.

Observemos, de antemão, o que dispõe o Código de Processo Civil de 2015 em relação à competência territorial relativa, em seu artigo 63:

Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.

§ 1o A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.

§ 2o O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

§ 3o Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.

§ 4o Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão.

Mantendo na essência a disciplina do CPC anterior, o novo diploma estabelece que a competência territorial (como regra), bem como aquela estabelecida com base no valor da causa podem, porque adstritas ao sistema de incompetência relativa, figurar como objeto de negociação entre as partes, que deverão, se assim pretenderem, eleger, por escrito, o foro competente para a propositura da ação pertinente aos direitos e obrigações assumidos em relação a negócio jurídico específico.153

Todavia, as regras de competência em razão do lugar e relativas ao foro de eleição, na Justiça do Trabalho, são disciplinadas por norma específica da Consolidação das Leis do Trabalho, insculpida em seu Art.651154

153 OAB-RS. op. cit. p. 90

, o que, por si só, afasta a aplicação das normas de definição de competência territorial da legislação processual civil.

154CLT - Art. 651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade

onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

§ 1º - Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.

§ 2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.

§ 3º - Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.

Desse modo, a legislação trabalhista estabeleceu regras de competência territorial visando facilitar a propositura da ação trabalhista pelo obreiro, como a competência do foro do local de prestação dos serviços, para que este não tenha gastos desnecessários com deslocamento, seu e de testemunhas, bem como com produção de provas155

Desse modo, segundo nos ensina abalizada doutrina de Sérgio Pinto Martins, é considerada não escrita a cláusula no contrato de trabalho que estabeleça foro de eleição

. Lembremos que na relação jurídica processual trabalhista o pólo hipossuficiente, em regra, é o trabalhador.

A proteção desses valores é o supedâneo para o estabelecimento das normas definidoras de competência territorial trabalhista do artigo 651 como normas de ordem pública. Não pode haver, portanto, renúncia do empregado a tal dispositivo no contrato de trabalho, por meio da escolha de foro de eleição para a propositura de ação trabalhista.

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O artigo 190

. Portanto, além da incompatibilidade com o processo trabalhista, não se verifica omissão na CLT a ensejar a aplicação da cláusula de modificação da competência territorial gravada no artigo 63 no CPC/2015.

4.3.2 Da cláusula geral de negociação processual e da distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes

Os incisos II e VII do art. 2º da IN nº 39/2016 do TST veda aplicação ao Processo do Trabalho do art. 190 caput e § único, bem como do art. 373, § 3º e 4º do NCPC, que trazem a cláusula geral de negociação processual e a distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes.

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155 MARTINS, op. cit. p. 139 156 MARTINS, op. cit. p. 145

157 CPC/2015 - Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às

partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

do Código Processual Civil de 2015 inaugura em nosso ordenamento o que a doutrina convencionou chamar de “Cláusula Geral de Negócios Jurídicos Processuais”. Muito embora já fossem permitidos alguns negócios processuais típicos, como as conhecidas cláusulas de eleição de foro e de distribuição convencional

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

do ônus da prova (CPC/1973, arts. 11 e 333 parágrafo único), o novo CPC amplia as hipóteses de negócios típicos158

Destarte, o dispositivo em comento prevê a possibilidade de as partes, antes ou no decorrer do processo, em sendo plenamente capazes e em causa a versar sobre direitos disponíveis, que permitam a autocomposição, estabelecerem mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Há quem fale, inclusive, na criação do “princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil”

e permite, com a referida cláusula geral, a celebração de acordos procedimentais e convenções processuais não previstas expressamente, os negócios processuais atípicos.

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Uma vez extinto o contrato de trabalho, os direitos trabalhistas passam a fazer parte da categoria dos direitos disponíveis, o que, em tese, não implicaria qualquer impedimento para a aplicação subsidiária do referido preceito contido no NCPC, vez que esse permite a negociação processual quando versar sobre direitos disponíveis

.

Nesse mesmo mote está o artigo 373, §§3º e 4º do código processual, segundo o qual “a distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes”, a ser estabelecido antes ou durante o processo, salvo quando recair sobre direito indisponível da parte, ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. Trata-se de espécie de negócio processual típico.

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As próprias verbas trabalhistas, em que pesem tornarem-se “disponíveis” após o fim do contrato de trabalho, dada a faculdade de o trabalhador não reclamá-las Todavia, há que se levar em consideração que o contrato de trabalho, o qual enseja relação jurídica com potencial de originar um processo trabalhista, possui natureza que não se confunde com os contratos civis, razão pela qual é regido por gama principiológica, segmento de direito material e processual específicos.

158 Como exemplos de negócios processuais típicos, além da repetição dos já mencionados (NCPC, arts.

63 e 373, §3º), podem também ser citados: a fixação de calendário processual para a prática dos atos processuais (art. 191); a renúncia expressa da parte ao prazo estabelecido exclusivamente em seu favor (art. 225); a suspensão convencional do processo (art. 313, II); e a delimitação consensual das questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória e de direito relevantes para a decisão do mérito na fase de saneamento (art. 357, §2º). (ALVIM, Rafael. Cláusula geral de negociação processual no NCPC.

Instituto de Direito Contemporâneo, 29 de Abril de 2015. Disponível em

<http://www.cpcnovo.com.br/blog/2015/04/29/clausula-geral-de-negociacao-processual-no-ncpc/>. Acesso em 22 mai. 2016.)

159 NEVES, op. cit. p. 303

160 JÚNIOR, José Cairo. Negociação processual no Processo do Trabalho. Portal do Direito do

Trabalho, 30 de março de 2016. Disponível em

<http://www.regrastrabalhistas.com.br/doutrina/atualizacao-cdpt/3912-negociacao-processual-no- processo-do-trabalho>. Acesso em 10 jun. 2016.

judicialmente, tratam-se de parcelas alimentares, a garantir a própria sobrevivência do obreiro e de sua família, razão pela qual merecem diferente trato pelo Direito.

Vale lembrar que o Direito do Trabalho e, por conseguinte, o Direito Processual Trabalhista encontram-se emoldurados por uma série de normas inderrogáveis, de ordem pública, visando proteger a parte econômica, intelectual e juridicamente hipossuficiente da relação trabalhista: o trabalhador. Isso faz com que o Processo do Trabalho permita menor flexibilidade de suas faculdades processuais, com menor margem à autonomia da vontade, privilegiando maior rigor das formas processuais (princípio do tecnicismo e formalidade161

Já anda a doutrina no sentido de não permitir tais cláusulas no processo trabalhista, pugnando, por exemplo, que deva ser considerada não escrita a cláusula no contrato de trabalho que estabeleça foro de eleição

) a bem da proteção ao trabalhador.

Portanto, há disposições dos contratos civis que simplesmente não são compatíveis com a natureza dos contratos de trabalho, caso marcante das cláusulas negociais processuais.

Imagine-se que esdrúxulo seria, por exemplo, em um contrato de trabalho, o qual raramente é realizado por escrito, empregado e empregador virem a pactuar disposições a respeito das faculdades processuais de cada um, como prazos processuais e distribuição do ônus da prova em futura demanda trabalhista! Ademais, como se poderia esperar do trabalhador, na esmagadora maioria das vezes juridicamente leigo, a estipulação, em seu contrato de trabalho, de cláusulas de direito processual trabalhista, com os conhecimentos específicos e vocabulário técnico que lhe são inerentes?

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Haveria de ser, no mínimo, assistido por advogado, sob pena de ficar à mercê do estabelecimento de contratos abusivos pelos empregadores, ampliando a situação de hipossuficiência obreira. E a própria dinâmica e a infinidade de contratos de trabalho que se estabelecem todos os dias nos levam à impossibilidade da assistência de

, conforme já apresentado.

161 Princípio da formalidade no processo, porque o formalismo é necessário, não só como exigência de

interesse geral, para assegurar o bom funcionamento da justiça, mas também a serviço do interesse privado do litigante, como salvaguarda de seus direitos. Assim, ‘o princípio formalista do processo, em uma acepção, significa as formas precisas e determinadas dos fatos e atos jurídicos que constituem o conteúdo do processo, quer dizer, atos e fatos processuais que são o procedimento mesmo’ [...] por fim, acrescenta que o formalismo no Processo do Trabalho deve ser caracterizado pela simplicidade, diante das condições de uma das partes, o trabalhador, pessoa culturalmente não preparada. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 21ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002. p. 110)

advogado em cada um deles, isso, sem entrar no mérito da falta de recursos do trabalhador para custeá-lo.

Em face do exposto é que sustentamos acertada a decisão do Tribunal Superior do Trabalho em estabelecer a inaplicabilidade ao Processo do Trabalho das cláusulas de negociação processual do CPC de 2015.