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Repercussões metodológicas: vivências cotidianas e práti cas familiares

Para Bourdieu (1972), a teoria da prática insiste na dialética entre práticas e valores que são constantemente reconstruídos. Nesse sentido, ao analisar a esfera privada, encontra-se um cenário conju- gal e familiar permeado por desigualdades, em coerência com vários estudos sobre a realidade. Devreux (2006, p. 26), em pesquisa sobre

“a paternidade na França: entre a igualização dos direitos parentais e lutas ligadas às relações sociais de sexo”, demonstra que a redefini- ção dos direitos dos pais e das mães se desenvolveu em um contexto ideológico em que a noção de ética do cuidado (HELD, 2006) teve um papel importante, como em outras sociedades europeias.

Entretanto, o estudo das práticas masculinas na vida domés- tica e da efetiva responsabilidade por filhas e filhos mostra um des- compasso entre a ideia de que os pais teriam mudado a realidade da divisão sexual do trabalho na família. (SOARES, 2008; WALL; GUER- REIRO, 2005; CUTSEM, 2001) Devreux (2006) interroga sobre o que está em jogo no combate entre os homens-pais, se o caráter reversível e intermitente do engajamento deles na parentalidade ou a priorida- de que eles conferem à carreira profissional.

A autora conclui que os homens continuam a escolher em que momento e em quais condições eles se ocupam com suas crianças, assumindo, de fato, parcialmente, suas responsabilidades parentais diante do conjunto da sociedade e demandando a ela reconhecimen- to de prerrogativas iguais às das mulheres que não fazem escolhas: quaisquer que sejam as condições, o cuidado com as crianças lhes incumbe, tenham elas ou não, outros campos de atividade.

Por outro lado, O’brien (2005) acredita que, de agora em dian- te, os pais britânicos deverão ser mais acessíveis e carinhosos. Eles estão cada vez mais autoconscientes sobre os conflitos e malabaris- mos que precisam fazer para cuidar dos filhos e ter um emprego. A autora explora a possibilidade de os pais estarem mais incorporados às atividades de cuidar da família, com a contribuição de políticas vol- tadas para a paternidade. O estudo mostra que os pais estão utilizan- do mais tempo com seus filhos, embora ainda em um nível inferior às mães. A partir dessa assertiva, organiza um relatório onde fornece uma base de dados para examinar em que medida os pais podem ser

incorporados nas tarefas de cuidar da família e do emprego, com a

Neste sentido, despertar nos homens o interesse pela utiliza- ção da licença parental e pelas práticas de trabalho flexíveis aumenta a possibilidade de eles estarem disponíveis e envolvidos diretamente com seus filhos. No âmbito social, a inclusão do pai na família de- monstra consciência e aceitação de que acolheram suas crianças com responsabilidades relacionadas, além de manterem seu papel de pro- vedor. No entanto, indica que os problemas permanecem, especial- mente em relação à conciliação entre família e trabalho. A maioria das mães deseja que os pais sejam mais envolvidos na educação dos filhos, todos os dias, mas a transição precisa de mais partilha, por reconhecer o que é diferente entre os sexos (parto e amamentação), e as atuais desigualdades de remuneração.11

Isso pode ser observado na abordagem quantitativa, em que cerca de 80% das mulheres questionadas assumem o papel de cui- dadoras exclusivas (mais de sete horas de atenção e prestação de cuidados).

No Quadro 1, é possível identificar dados que comprovam essa dicotomia entre tempo e trabalho remunerado. Quando per- guntados sobre sustento/provisão, 29% dos entrevistados respon- dem que é responsabilidade paterna e 71% que ambos assumem. Entretanto, é necessário destacar que no recorte utilizado para esta pesquisa não foram consideradas mulheres chefes de família, por conta da seleção de casais que estivessem vivendo maritalmente e com filhos. Inúmeros trabalhos para a realidade brasileira revelam dados específicos para casos de chefia feminina e exclusiva. (HIRATA; KERGOÀT, 2007)

11 Vale uma aproximação com o trabalho desenvolvido por Saffioti (2004) sobre patriarcado e capitalismo, reforçando a noção de contrato social sexual e que as permanências são vistas como processos realmente de longa duração. Outras contribuições podem ser extraídas de Castro e Lavinas (1992). Para informações complementares ver Delphy (2009), socióloga francesa, que vem retratando as dicotomias entre gênero/patriarcado e capitalismo. (AR- RUZZA, 2010)

Quadro1 – Distribuição do tempo para o Cuidar

Tempo de

cuidados Mulheres Homens Mães Pais Avós Avôs

Outras cuidadoras femininas Até 2 horas 131 139 12 99 64 18 7 De 3 a 6 horas 156 172 59 159 33 6 30 De 7 a 10 horas 142 37 57 37 26 - 46 Acima de 10h 240 5 172 5 15 - 40

Fonte: Pesquisa Gênero e família em mudança: participação de pais no cuidado cotidiano de filhos pequenos (UCSal-PPGFSC, 2009-2011).

Foram apresentadas as seguintes questões norteadoras rela- tivas à responsabilidade principal: 1. Sustento; 2. Cuidados e bem- -estar físico; 3. Educação e disciplina e 4. Convivência e lazer. No que se refere à divisão de cuidados, 85,7% ressaltam a responsabilidade de ambos. Quanto à educação, disciplina e valores, encontramos o mesmo resultado (95,3%). Para o quarto aspecto, 99% consideram que ambos são responsáveis. Entretanto, prover-se é uma responsabi- lidade de ambos, com percentual de 71%, e, com isso, retomamos o questionamento inicial da investigação: quem cuida de quem?

De acordo com a tabela anterior, as prestações de cuidados acima de sete horas para crianças pequenas tem uma concentração quantitativa nas atividades domésticas e remuneradas das mulheres, sejam mães ou aquelas que possuem vínculos afetivos ou emprega- tícios. Destaca-se a relação tempo-cuidado mais equitativa para o período de até 6 horas, há um acréscimo significativo dos cuidados femininos e um decréscimo da atenção masculina, além do desapare- cimento do avô como cuidador quando do aumento da carga horária. Ademais, há uma maior participação de cuidadoras femininas remu- neradas (babás, cozinheiras, empregadas domésticas, etc.), saltando de sete para duas e chegando ao número de 40, que dedicam atenção por mais de 10 horas.

Na distribuição de atividades nos dias de semana e dias úteis, a participação dos pais chega a 54% no período de três a seis horas

diárias, enquanto que, para as mães, a atenção dirigida para mais de 10 horas chega a 51,3%. Nos períodos de final de semana, feriados e/ ou férias há uma relativa constância da participação paterna no cui- dado dos filhos menores: 32,7% de sete a 10 horas e 38% para mais de 10 horas diárias. No caso materno, pula-se de 12,7% para 82%, respectivamente. A análise possível é que para os cuidados diários há um predomínio mais equitativo de ambos os sexos. Quando a jorna- da de trabalho doméstico tem carga superior a sete horas, incluindo finais de semana, feriados ou férias, detecta-se uma permanência his- tórica: o domínio feminino no espaço privado. Na parte quantitativa, ao questionar aos pais sobre o período de licença paternidade que usufruíram, os resultados foram os seguintes:

Quadro 2 – Período de licença a paternidade

Período Utilizado Nº de pais

Utilizou 1 semana/ o previsto por lei 78

Não teve/não parou de trabalhar 39

Autônomo (não tem licença prevista por lei) 17

Estava desempregado 1

Utilizou mais de uma semana/mais do que o previsto em lei (emendou férias) 6

Não trabalhava/aposentado 1

Não respondeu 1

Fonte: Pesquisa Gênero e família em mudança: participação de pais no cuidado cotidiano de filhos pequenos UCSal-PPGFSC, 2009-2011).

Percebe-se, nesse sentido, que medidas para promover a igualdade entre homens e mulheres na vida educacional e profissio- nal devem ir de mãos dadas com as escolhas e os caminhos compar- tilhados. A simples abordagem da igualdade de direitos é demasiado simplista, podendo ser incorporada uma abordagem colaborativa para incluir mulheres/mães e homens/pais em iniciativas que vi- sam o equilíbrio entre vida profissional e familiar, para se alcançar um equilíbrio sustentável, tal como reconhecido em muitos países nórdicos. Um bom exemplo é incorporar a ideia de que as futuras

inovações legais, como uma cota-pai, precisam ser desenvolvidas – como a ampliação da licença parental, não subtraída da licença ma- ternidade e em conformidade com as regras de reprodução do capi- tal, reconhecendo as necessidades dos empregadores no processo. O que revela a influência do paradoxo da modernidade também está presente na ética do cuidar. Em suma, o desenvolvimento de políti- cas poderia se concentrar em uma série de áreas-chave que buscasse flexibilidade de paternidade para assegurar que haja provisão finan- ceira adequada para as famílias, impulsionando maior promoção de igualdade de gênero.

Cruzando investigações: referências para um universo