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Esta análise detalhou a participação dos componentes da rede de cuidadores no cuidado de crianças pequenas, e particularmente em atividades cotidianas de cuidado físico, essenciais nessa fase de extrema dependência. Em conjunto, os resultados replicam estudos anteriores (ARAÚJO; SCALON, 2005, 2006; SCALON, 2007; JA- BLONSKI, 2007) no sentido da prevalência da mãe como cuidadora em praticamente todas as tarefas de cuidado e da participação com- plementar ou periférica do pai, ainda que com alguns indícios de mu- dança. (BRAGA; AMAZONAS, 2007) Uma comparação detalhada com os resultados do presente estudo é dificultada pelo fato de que, em geral, o cuidado tem sido estudado em relação a crianças de uma faixa etária mais velha e mais extensa, à qual não se aplicaria à maioria das

13 Muitas vezes: dada a incidência relativamente baixa de respostas Maioria no caso dos pais, a emergência de respostas MV significativamente mais altas na Geração I do que na Gera- ção II implica em redução proporcional de respostas Às vezes e Nunca, ou seja, aumento de intensidade de participação.

atividades de cuidado analisadas aqui. Encontra-se também na litera- tura algum foco em outros cuidadores (ARRIAGADA, 2000; BORN, 1996; MOREIRA; ALVES, 2007), mas sem detalhamento sobre aspec- tos qualitativos e quantitativos de sua participação.

Na presente análise, esse detalhamento permitiu identificar uma clara predominância não só materna, mas também feminina, no cuidado de crianças pequenas – um resultado também relatado por Carvalho, Cavalcanti e Caldeira (não publicado). Além da maior incidência de outros cuidadores do sexo feminino, a análise dos perfis de outros cuidadores, além do pai e da mãe, desenha uma tipificação de atividades por gênero. Essa tipificação parece, em certos casos, in- teragir com outros fatores, ou ser suplantada por estes – como se ob- serva no Gráfico 9, que sintetiza a participação de outros cuidadores além do pai e da mãe em termos de respostas maioria e muitas vezes (cuidadores frequentes).

Gráfico 9 – Perfil das atividades: Cuidadores frequentes (maioria e muitas vezes)

Fonte: Pesquisa Gênero e família em mudança: participação de pais no cuidado cotidiano de filhos pequenos (UCSal-PPGFSC, 2009-2011).

Atividades diurnas de cuidado físico são tipicamente femini- nas, mas há uma hierarquia de incidência entre as cuidadoras, com babá e avó materna (acima de 20%) seguidas por outros cuidadores femininos (entre 10% e 20%). Cuidadores masculinos têm frequên- cias em torno de 10%. Nas atividades noturnas de cuidado físico, pra- ticamente não há participação desses outros cuidadores, implicando que são desempenhadas basicamente pela mãe e complementarmen- te ou esporadicamente pelo pai. Em brincar, há maior incidência de cuidadores masculinos (mais de 50%), o que apareceria como ainda mais marcante caso fosse incluído o pai. Outros cuidadores femininos também participam acima de 40% – o que se equipara à participação da mãe nessa atividade, e supera a de avós maternas e babás, retratan- do menos tipificação de gênero. Em educação/disciplina, o comparti- lhamento com outros cuidadores, quando ocorre, parece tender para

cuidadores familiares, considerando a pequena participação da babá; mas a participação mais expressiva continua sendo feminina (acima de 25% de outras cuidadoras e 13% das avós, contra 17% de outros cuidadores do sexo masculino). Atividades externas não apresenta- ram tipificação sexual e são pouco expressivas, em termos de frequên- cia de participação de outros cuidadores além do pai e da mãe, como já apontado por Carvalho, Franco, Costa e Oiwa (no terceiro capítulo deste livro intitulado Rede de cuidadores envolvidos no cuidado cotidia- no de crianças pequenas). Sintetizando, pode-se dizer que as atividades mais claramente tipificadas por gênero são as de cuidado físico.

Algumas considerações parecem pertinentes a partir desse quadro. Carvalho e colaboradores (2008) refletem sobre a tipificação sexual de atividades produtivas e reprodutivas na história humana, desencadeada principalmente pela passagem para o modo de produ- ção agrícola, com a progressiva restrição da atividade feminina ao âmbito doméstico e à vida familiar. Essa separação contribui para a consolidação de atividades reprodutivas – entre as quais se destacam a maternidade e o cuidado cotidiano dos filhos (o que inclui as tarefas domésticas em geral) – como tipicamente femininas, assim como das atividades produtivas, externas ao lar, como tipicamente masculinas. As autoras apontam ainda uma associação histórica entre cuidar de fi- lhos e cuidar do outro em geral, expressos nas práticas de curandeiras e parteiras e, na modernidade, pela tradição feminina de profissões como enfermagem ou cuidado e ensino de crianças pequenas. Delcor e colaboradores (2004, p. 189) refletem que o ensino e a enfermagem têm sido consideradas como “[...]atividades adequadas para mulheres porque envolvem o cuidar”; o trabalho de mulheres em berçários, cre- ches e escolas é visto como extensão das tarefas domésticas. (BERAL- DO; CARVALHO, 2006) Carvalho e colaboradores (2008) salientam, ainda, que, ao compartilharem tarefas de cuidado (seja dos filhos ou doméstico), as mães tipicamente as atribuem a cuidadoras mulheres. A prevalência feminina no cuidado poderia ser atribuída a di- versos fatores: a própria tipificação sexual dessas tarefas, que consi-

deraria as mulheres como mais qualificadas e mais confiáveis nesse campo; a maior oferta de mulheres para essas tarefas, usualmente mal remuneradas (e a relutância correspondente de homens para aceitá-las, tanto em termos de remuneração quanto de adequação de gênero) etc. Retomando os resultados descritos neste texto, podem ser apontados alguns contrastes ou desvios em relação a esse quadro geral. Embora, grosso modo, constate-se a prevalência da mãe e de cuidadoras mulheres – tanto em termos de incidência de cuidadores homens e mulheres quanto em termos qualitativos (maior seletivida- de de tarefas por parte de cuidadores homens) –, é principalmente em tarefas de cuidado físico cotidiano que essa prevalência é marcan- te. Nas demais categorias de tarefas, outros fatores parecem intervir: por exemplo, a predominância de pais e mães em tarefas externas e em educação/disciplina, esta última compartilhada seletivamente com membros da família; a participação relativamente equilibrada de cuidadores masculinos e femininos em atividades de lazer/convi- vência, especialmente em brincar, e alguma participação de pais (com tendência a aumento na geração mais jovem e no NSE médio alto) em atividades de cuidado físico compatíveis com horários de traba- lho (por exemplo, colocar para dormir de noite). A distinção histórica entre tarefas domésticas e tarefas externas é particularmente interes- sante, porque parece diluída nessa amostra contemporânea, em que mães assumem essas tarefas igualmente ou em maior proporção do que pais, particularmente no NSE médio alto. O mesmo ocorre com educação/disciplina: a participação significativamente maior de pais da geração mais velha desaparece na geração mais nova no NSE mé- dio alto e, no conjunto, a participação de mães nessas tarefas também é expressiva (maioria e muitas vezes: pais 80% e mães 73%).

A prevalência materna e feminina no cuidado parental, inclu- sive em funções historicamente tipificadas como masculinas (ativi- dades externas, educação/disciplina), apesar das mudanças em sua inserção no mercado de trabalho, indica que, ao passo que as mulhe- res parecem ser capazes de assumir essas funções e adicioná-las às

suas funções tradicionais, a maioria dos homens ainda não assume funções tradicionalmente femininas, especialmente as relacionadas ao cuidado físico, a não ser como coadjuvantes secundários. É possí- vel supor, portanto, que o gênero continue a ser um fator relevante nas formas pelas quais as mães compartilham o cuidado dos filhos, já que, ainda que continuem a ser as cuidadoras principais nos primei- ros anos de vida, as evidências indicam que aceitam e necessitam pelo

menos algum grau de auxílio de outros cuidadores. (HRDY, 2005)14

Pode-se perguntar: com quem, e por quais critérios as mães comparti- lham o cuidado dos filhos pequenos?

Carvalho e colaboradores (neste livro, no terceiro capítulo in- titulado Rede de cuidadores envolvidos no cuidado cotidiano de crianças pequenas) discutem alguns fatores possivelmente influentes nesses critérios: as condições econômicas da família, que permitem ou não a opção por auxílio remunerado doméstico ou institucional (berçá- rios e creches); a disponibilidade de auxílio institucional, particular ou gratuito, associada a atitudes e crenças dos pais a respeito da ade- quação do recurso a esse tipo de auxílio e do papel materno; a natu- reza das tarefas de cuidado e os estereótipos de gênero vinculados a elas; a disponibilidade de cuidadores familiares, particularmente de avós em condições de proximidade geográfica e de saúde compatíveis com o cuidado cotidiano;15 e, ainda, possivelmente, fatores motivacio- nais e atitudinais dos pais em relação às diversas tarefas envolvidas no cuidado. Os dados selecionados para a presente análise permitem explorar dois aspectos potencialmente relacionados a fatores motiva- cionais/atitudinais, com base em dois itens do roteiro de entrevista: quais tarefas os pais consideram mais agradáveis ou mais desagradá- veis, mais fáceis ou mais difíceis e em quem as mães e os pais confiam para realizá-las.

14 Ver terceiro capítulo Rede de cuidadores envolvidos no cuidado cotidiano de crianças pequenas, deste livro.

15 Ver Rabinovich e Azevedo, neste livro, no capítulo intitulado Participação dos avós no cuida- do cotidiano dos netospequenos.

Avaliação subjetiva das tarefas em termos de prazer versus