Essa reparação deve ser feita, preferencialmente, através da reconstituição natural. Não sendo esta possível, entra a indemnização, a compensação pecuniária.
A responsabilidade civil da Administração Pública alicerça-se num princípio de justiça e no conceito de Estado de Direito.
Notas históricas:
1. Em Portugal, a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos só ficou consolidada em 1930. Até aí, o princípio geral era o da irresponsabilidade.
2. Só em 1967 é que foi emanado o primeiro diploma que regula a responsabilidade extracontratual do Estado.
3. 2007 é o ano em que é emanada a lei da responsabilidade extracontratual dos poderes públicos, através da lei 67/2007 de 31 de dezembro. Tecnicamente, era mais perfeito o diploma de 67 que o de 2007.
Tipos de responsabilidade civil da Administração Pública:
a) Danos de natureza patrimonial vs danos sem natureza patrimonial.
b) Condutas regidas pelo Direito Administrativo vs condutas regidas pelo Direito Privado – se a conduta que gera a responsabilidade está regulada pelo Direito Privado, será o CC a regular a situação. c) Violação de normas técnicas – a conduta pode ser a mesma, mas desde que o Direito que a regule seja
outro, as consequências serão diferentes.
d) Responsabilidade civil subjetivista (assente na culpa do lesante, do agente) vs responsabilidade civil objetiva – a tendência é a passagem para a responsabilidade objetivista.
e) Responsabilidade contratual vs responsabilidade extracontratual – a responsabilidade extracontratual pode ser sobre a formação, a execução ou a extinção do contrato.
A responsabilidade no âmbito da formação dos contratos é uma responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo).
Pode haver responsabilidade num momento posterior à celebração do contrato, nomeadamente quando haja deveres acessórios (extracontratual). A responsabilidade extracontratual pode assentar em três fundamentos:
i. Responsabilidade por facto ilícito – que pode, por sua vez, ser um comportamento concreto
de um particular ou de um funcionário ou consequência de um mau funcionamento do serviço (art. 7º/3).
ii. Responsabilidade por facto lícito ou pelo sacrifício (art. 16º) – a conduta é válida mas gera
um prejuízo para o destinatário. Ex: a expropriação. Esta responsabilidade tem como fundamento direto o art. 62º/2 CRP: quando há expropriação ou requisição há lugar a um
direito a uma justa indemnização (que é um direito fundamental). O conceito constitucional
de expropriação não é apenas a privação da propriedade privada, mas sim a privação de todo e qualquer direito de conteúdo patrimonial privado por razões de interesse público. Ex: a AP celebra com um particular um contrato por um período de 10 anos e o particular cumpre
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validamente o contrato. Mas, de um momento para o outro, a AP entende que há uma razão de interesse público que justifica a rescisão do contrato: nesse caso, o particular tem o direito a uma justa indemnização, uma vez que neste caso também há a privação de um direito de conteúdo patrimonial.
Na base deste entendimento há um princípio constitucional – princípio da justa repartição dos
encargos públicos: se são razões de interesse público que justificam que A seja lesado em nome da
coletividade, então é justo que toda a coletividade indemnize aquele que foi sacrificado em benefício da coletividade.
Como é que a coletividade suporta? 1) Através dos impostos
2) Através do recurso ao crédito público – remeter para as gerações futuras o pagamento da justa indemnização.
iii. Responsabilidade pelo risco (art. 11º) – a existência de serviços especialmente perigosos. Ex:
o funcionamento de uma barragem ou de uma central nuclear.
f) Responsabilidade pessoal vs responsabilidade institucional – quem responde pelos danos é o património do titular do órgão administrativo (pessoal) ou, pelo contrário, deverá responder o património da pessoa coletiva pública em que insere esse titular. A resposta está no art. 22º CRP, que estabelece o princípio da solidariedade – o lesado tanto pode pedir a indemnização à pessoa coletiva ou ao titular do órgão. Qualquer um deles responde, com duas ideias:
- Se o decisor administrativo decidiu ou não decidiu, e a sua conduta produziu danos, em termos de uma negligência, ainda que seja a entidade pública a satisfazer a indemnização ao particular, essa entidade terá direito de regresso sobre o titular do órgão que tomou a decisão (art. 271º/4 CRP).
g) Responsabilidade intra-administrativa – (i) entre duas pessoas coletivas distintas (responsabilidade civil intersubjetiva) ou (ii) responsabilidade civil dentro da mesma pessoa coletiva (responsabilidade civil intrassubjetiva) (iii) entre o funcionário e a entidade pública.
Questão: a responsabilidade entre titulares de órgãos colegiais é uma responsabilidade intrassubjetiva ou de
direito privado? Ex: o titular A acha que o titular B é teimoso e, numa reunião pública, ofende-o. Essa ofensa gera responsabilidade, mas será responsabilidade administrativa ou responsabilidade de direito privado?
Limites à responsabilidade civil da Administração Pública:
(a) Limites financeiros – justificam que exista um dever fundamental de pagamento das indemnizações, mas que nunca pode conduzir à ruína do Estado.
(b) Em situações de Estado de emergência financeira justifica-se uma restrição ao dever de pagamento das indemnizações.
Regime:
A lei 67/2007 trata não apenas da responsabilidade administrativa, mas também no âmbito da função legislativa e da função judicial.
Resulta do art. 9º a definição do que são atos ilícitos. A ilicitude assenta na ideia de que são ilícitas as condutas que violam a legalidade.
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Presume-se a existência de culpa leve na prática de atos ilícitos (art. 10º). Se há culpa leve, a responsabilidade é exclusiva da entidade pública. E se o particular, ao abrigo do art. 22º CRP desencadeou a ação contra o titular do órgão? Ele pode fazê-lo, quem responde pelo dano é o funcionário, mas depois tem direito de regresso em relação à entidade pública, se houver culpa leve. Se não houver culpa leve, será o património do titular a responder pela indemnização.
Requisitos da responsabilidade civil da Administração:
1. Existência de ilicitude 2. Existência de culpa 3. Existência de prejuízo
4. Existência de nexo de causalidade
Em relação ao prazo, o art. 5º remete as regras de prescrição para o art. 498º CC, que prevê um prazo de 3 anos.
A limitação quanto aos danos indemnizáveis na responsabilidade por facto ilícito vem no art 2º (apenas os danos especiais e anormais são indemnizáveis).
Causas de exclusão da responsabilidade extracontratual das entidades públicas:
Não vêm na lei, mas existem causas de exclusão da responsabilidade extracontratual das entidades públicas. As causas podem ser:
a) Ligadas à justificação da ilicitude – ex: a legítima defesa ou o exercício de um direito ou o consentimento do ofendido.
b) Ligadas à exclusão da culpa – pode ser por um erro desculpável da AP ou a própria conduta pode ser desculpável.
c) Ligadas à interrupção do nexo de causalidade – pode ser feita por um facto de força maior, por um facto fortuito, em consequência de um dano que é resultado de um comportamento da vítima (ex: um anúncio dizendo “a estrada está cortada ao trânsito por neve” e a pessoa afasta o sinal e avança de carro, tendo um acidente – neste caso, a vítima não poderá vir reclamar uma indemnização). d) Que tornam irrelevante o prejuízo – há prejuízo, mas é irrelevante. Pode ser por duas hipóteses:
(i) Casos em que a lei exclui a relevância do prejuízo – art. 2º da lei 67/2007 que diz que só são indemnizáveis os prejuízos especiais ou anormais.
(ii) A vítima não tem direito a ser melhor tratada, a ser indemnizada – ex: a ilicitude da situação do dano da vítima – por exemplo, a polícia faz uma rusga, encontra droga e destrói-a: o proprietário da droga, apesar de ter visto o seu direito de propriedade violado, não tem direito a indemnização. O mesmo se passa em relação à apreensão de bens de contrabando.
A responsabilidade das entidades públicas não pode ser uma porta aberta para se delapidarem recursos públicos.