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2 O NEXO EVOLUCIONÁRIO INSTITUCIONALISTA

2.1 A ABORDAGEM EVOLUCIONÁRIA DA TRADIÇÃO

2.1.4 Revoluções Tecnológicas e Paradigmas Tecno-econômicos

Com efeito, as noções de revolução tecnológica e paradigma tecno-econômico são um prolongamento dos conceitos discutidos previamente – um caso especial e da maior importância de fato – ainda que o desenvolvimento dessas abordagens teóricas ao longo dos anos de 1970 e 1980 tenha sido paralelo. Enquanto os conceitos de paradigma e trajetórias tecnológicas se aplicam no mais a uma análise setorial, de uma indústria ou mercado, a ideia de que revoluções tecnológicas, e a forma solapante pela qual imbui longos ciclos de desenvolvimento e acumulação no capitalismo histórico, remonta às tratativas iniciadas por Schumpeter (1988), da sua percepção e insight do feitio clusterizado pelo qual as inovações tecnológicas se davam, e com a qual tentou dar forma a uma teoria ampla do ciclo econômico como que baseado no ritmo e efeitos dessas mudanças.

Os neoschumpeterianos, notadamente com Freeman e Perez, avançam substancialmente nessa tratativa, dando uma conformação micro fundamentada na economia da inovação – e que portanto endogeniza teoricamente o processo inovativo na lógica de competição capitalista – ao movimento macro do capitalismo histórico nos últimos dois séculos e meio, vinculando as longas ondas de crescimento e desenvolvimento capitalista, já classicamente identificadas nos ciclos de Kondratiev, de 40 a 60 anos, ao surgir, difundir e solapar de um tipo particular de mudança técnica estruturante (FREEMAN; PEREZ, 1988). Nesses termos, uma revolução tecnológica remonta a um:

[…] powerful and highly visible cluster of new and dynamics technologies, products and industries, capable of bringing about an upheaval in the whole fabric of the economy and of propeling a long-term upsurge of development. It is a strongly interrelated constelation of technical innovations, generally including an importante all-pervasive low-cost input, often a source of energy, sometimes a crucial material, plus significant new products and processes and a new infrastructure (PEREZ, 2002, p. 8).

Destarte, a profícua interdependência de tecnologias formatadas num núcleo de inovações radicais (e revolucionárias) dá forma a novos e lucrativos produtos e processos, novas estruturas organizacionais, assim como a novas indústrias que passam, no novo ciclo, a serem os setores dinâmicos à frente do processo de crescimento, notadamente nas regiões e países sede do movimento inicial. A natureza revolucionária desse tipo de mudança técnica estruturante advém de algumas características principais (PEREZ, 2002; 2010):

a) da maneira clusterizada pela qual blocos de inovações radicais e disruptivas tomam forma, fundado na própria interdependência de sistemas tecnológicos, que tanto permite quanto potencializa o movimento embrionário inicial21;

b) da natureza geral e permissiva dessas tecnologias, com aplicação virtualmente universal, e no mais das vezes substanciado num insumo altamente pervasivo e de baixo custo (por exemplo, o carvão e o ferro fundido, o aço, o petróleo e derivados e presentemente os microprocessadores com base no silício); c) da ascensão de novos princípios organizacionais que efetivam as

potencialidades dessas inovações, com evidente e vigorosos impactos na produtividade dos setores abarcados;

d) da tremenda expansão do espaço inovativo (e lucrativo) relevante, com amplas possibilidades de inovações incrementais assim como novas rodadas de inovações disruptivas;

e) da interação sinérgica e interdependente das novas indústrias, encarregadas dos novos produtos e serviços, com novas redes de infraestrutura, dirimindo os custos globais de logística e comunicação.

21 É nesse sentido que uma revolução tecnológica pode ser alternativamente definida como um conjunto

interdependente de sistemas tecnológicos (PEREZ, 2010, p. 189). Notadamente, não raro os campos tecnológicos que se conformam numa nova revolução tecnológica já estavam presentes no paradigma anterior; é precisamente a sua conjunção particular, interdependente, que dá forma à natureza disruptiva do novo bloco de inovações. Assim, por exemplo, a indústria de semicondutores, uma das bases sobre a qual a revolução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) se daria a partir dos anos 1970, já estava presente desde o começo do século XX, fornecendo transistores para a indústria de bens de consumo elétrico, como rádios portáteis. Foi a sua conjunção com avanços dados na microeletrônica que permitiram o salto quântico dos microprocessadores (PEREZ, 2002).

Mais detalhadamente, Perez (2002) observa como parte significativa do movimento catalizador inicial advém da interação das novas tecnologias, indústrias e modelos organizacionais com a antiga estrutura produtiva, formatada no ciclo anterior. De fato, a difusão do novo bloco de tecnologias e princípios organizacionais dinamiza os antigos setores produtivos, expandindo-os e permitindo novos ciclos de crescimento e acumulação, produzindo novas trajetórias de crescimento, investimento e elevação da produtividade média do sistema produtivo.

Notadamente, o processo de avanço do novo cluster de tecnologias radicais é também um processo de conformação de novas práticas nos mais diferentes campos de interação social. Ele é um processo coletivo de aprendizado de como lidar com as novas tecnologias, que vigorosamente se impõem pelas suas qualidades tecno-econômicas, e que enseja a transformação do ambiente social e institucional que recepciona essas mudanças (PEREZ, 2010). É nesses termos que as revoluções tecnológicas trazem consigo uma mudança paradigmática do próprio tecido econômico, dos modelos mentais e padrões de comportamento que guiam as decisões dentre as novas possibilidades abertas pela intensa mudança técnica em curso. Ao processo de cooptar e difundir das novas tecnologias, surge o que Perez (2002, p. 15) define como paradigmas tecno-econômicos, isso é

[…] a best-practice model made up of a set of all pervasive generic technological and organizational principles, which represent the most effective way of applying a particular technological revolution and of using it for modernizing and rejuvenating the whole of the economy. When generally adopted, these principles become the common-sense basis for organizing any activity and for structuring any institution.

Um paradigma tecno-econômico mobiliza a base técnica e econômica das novas tecnologias, articulando-a em uma nova institucionalidade que gradativamente surge conforme o difundir bem sucedido das novas tecnologias e padrões organizacionais se efetiva22. Mais detalhadamente, na medida em que os passos iniciais de uma revolução tecnológica envolvem um exercício de tentativa e erro, atraindo a imaginação de empreendedores, engenheiros e investidores ávidos pelo potencial lucrativo das novas tecnologias, um horizonte de melhores práticas e princípios gerais subjacentes

22 Perez observa (2002, p. 25) como o conceito de paradigma tecno-econômico é consideravelmente mais

difícil de precisar, estando nos mais das vezes notadamente desarticulado ao longo dos períodos históricos em que se fez prevalecer, ainda que seja uma força tão ou mais importante na definição do ciclo do que a própria revolução tecnológica.

gradativamente toma forma, sinalizando e canalizando os esforços na direção das melhores possibilidades de efetivação lucrativa dos novos intentos (PEREZ, 2002).

Em sendo pontuada cumulativamente por externalidade e condicionantes, essa dinâmica dá forma a um mecanismo do tipo inclusão/exclusão, definindo o contorno, ainda que não necessariamente bem articulado, do novo paradigma. Como observa Perez (2002, p. 16), “That is how the new paradigm eventually becomes the new generalized ‘common sense’, which gradually finds itself embedded in social practices, legislation and others components of the institutional framework […]” Essa construção, argumenta Perez (2010, p. 194) pode ser organizada ao longo de três campos de experimentação:

a) na dinâmica dos custos relativos, com o crescente domínio das novas tecnologias sinalizando claramente novos elementos custo redutores, canalizando as melhores oportunidades de lucratividade em inovações e investimentos;

b) no espaço percebido de inovações, com a crescente clareza de onde e como avançar nos desdobramentos técnicos das novas tecnologias e;

c) nos princípios e critérios organizacionais, onde a prática recorrente aponta métodos e estruturas organizacionais mais aptos a explorar as potencialidades do novo bloco de inovações. Assim, “the emergence of the paradigm depends on the rhythm of diffusion of the revolutionary products, technologies and infrastructures in self-reinforcing feedback loops.” (PEREZ, 2010, p. 195).

O conceito de paradigma tecno-econômico se aproxima, portanto, da ideia de paradigma tecnológico apresentada por Dosi (2005), conquanto enfatize mais acentuadamente as complexas interações da base técnica com o ambiente institucional e social (KRETZER; TOREZANI, 2012).

Todo esse processo, no entanto, não é desacompanhado de resistências. Emergindo num mundo ainda dominado pelo antigo paradigma, as novas tecnologias e práticas ascendentes interagem com uma poderosa inercia institucional, política e social, que lhes direcionada considerável oposição. Os diversos arranjos institucionais prevalecentes – como as burocracias públicas, os sistemas de regulação, os canais financeiros, etc – cimentados ao longo do ciclo anterior, demoram a se conformar e renovar no sentido dado pelas novas e mais efetivas práticas ensejadas pelo novo paradigma. É essa conflagração, argumenta Perez (2010), que condiciona a natureza descontinuada da implantação e difusão

de um novo paradigma ao longo dos ciclos longos de crescimento. Destarte, autores como Freeman e Perez (1988) e Perez (2002, 2010) trazem um novo conteúdo para a vinculação entre o movimento tecnológico e as ondas longas do tipo Kondratieff, interpretando os ciclos como um duplo movimento de sincronização entre o subsistema tecno-econômico e o referencial institucional, social e político nas fases ascendentes e de ‘desencaixes’ entre estes subsistemas nas fases descendentes, cada qual com duração média de 20 a 30 anos.

Com efeito, a Figura 1, uma síntese tomada de Castelli (2017), sumariza a periodização proposta por Perez (2002, 2010), identificando as cinco revoluções tecnológicas, suas características e os paradigmas tecno-econômicos associados que emergiram em dois séculos e meio de capitalismo.

Outrossim, para efeito da discussão que se dará nos próximos capítulos, um último comentário se faz necessário. Na lógica diacrônica de implantação e difusão do novo bloco tecno-econômico proposto pela teorização dos paradigmas e revoluções tecnológicas, Perez (2002) sugere uma sequência do tipo revolução tecnológica – bolha financeira – colapso – era de ouro – transformações políticas. Conquanto não façamos um detalhamento dessa dinâmica aqui, um ponto importante para a discussão que se dará no capítulo 3 envolve a fase final, de maturidade de um paradigma tecno-econômico, onde a saturação das então novas tecnologias encontra o seu limite (principalmente nos países ou regiões núcleo do movimento inicial), bem como as possibilidades de novos investimentos lucrativos nas linhas até então disponíveis.

Destarte, como sintetiza Castelli (2017, p. 47):

Uma faceta importante desta fase é de que ao se esgotarem as possibilidades de expansão do paradigma, e de aumento da taxa de lucro, nos países centrais se concentra um excesso de capital, mas poucas oportunidades de investimento. Em decorrência disso, há uma forte transferência de divisas dos países centrais, mais desenvolvidos, para os periféricos, que ainda não tiveram sua matriz industrial transformada pelas inovações da última revolução tecnológica. Essa transferência de capital se dá tanto pela remessa de capital financeiro quanto pela instalação de indústrias e infraestrutura nos países periféricos, guiada pela mão das empresas multinacionais que dominam as técnicas mais modernas de produção.

A fase final de um ciclo longo coincide com a transferência de capitais para as regiões periféricas, abrindo uma oportunidade de desenvolvimento das estruturas produtivas nesses países na linha do paradigma vigente, ainda que prestes a ser suplantado por um novo. Como argumenta Perez (1996) a experiência industrializante da América Latina – e do

Brasil evidentemente – ao longo do arranjo de substituição de importações se deu notadamente no ocaso, principalmente dos anos 1960 e 1970 em diante, do paradigma fordista e baseado na produção em massa.

Figura 1 - Síntese das Revoluções Tecnológicas e Paradigmas Tecno-econômicos