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Interpretações da experiência desindustrializante brasileira : o debate nacional recente e o contorno de uma vinculação evolucionária institucionalista

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

ANDRÉ INACIO STRAGINSKI CARMONA

INTEPRETAÇÕES DA EXPERIÊNCIA DESINDUSTRIALIZANTE BRASILEIRA: O DEBATE NACIONAL RECENTE E O CONTORNO DE UMA VINCULAÇÃO

EVOLUCIONÁRIA INSTITUCIONALISTA

Porto Alegre 2018

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ANDRÉ INACIO STRAGINSKI CARMONA

INTEPRETAÇÕES DA EXPERIÊNCIA DESINDUSTRIALIZANTE BRASILEIRA: O DEBATE NACIONAL RECENTE E O CONTORNO DE UMA VINCULAÇÃO

EVOLUCIONÁRIA INSTITUCIONALISTA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Economia. Orientador: Prof. Dr. Octávio Augusto Conceição

Porto Alegre 2018

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ANDRÉ INACIO STRAGINSKI CARMONA

INTEPRETAÇÕES DA EXPERIÊNCIA DESINDUSTRIALIZANTE BRASILEIRA: O DEBATE NACIONAL RECENTE E O CONTORNO DE UMA VINCULAÇÃO

EVOLUCIONÁRIA INSTITUCIONALISTA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Economia.

Aprovada em: Porto Alegre, 21 de agosto de 2018. BANCA EXAMINADORA:

Professor Doutor Octávio Augusto Conceição – Orientador Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Professor Doutor Glaison Augusto Guerreiro Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Professor Doutor Pedro Dutra Fonseca Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Professor Doutor Silvio Antonio Ferraz Cário Universidade Federal de Santa Catarina

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AGRADECIMENTOS

É justo nunca esquecer, como dizia Pierre Bourdie, do privilégio “totalmente indevido” de ser pago para pensar enquanto outras pessoas cuidam da reprodução da vida material. Isso é essencial. Nossa presença na universidade não é uma recompensa por méritos especiais, mas fruto de uma série de acasos e da resposta que a sociedade dá a eles, já começando na loteria do nascimento. É importante lembrar que nosso primeiro compromisso é com aqueles que, do lado de fora, permitem nossa presença nesse espaço privilegiado.

Num nível pessoal, esse trabalho é também resultado da confluência amorosa de algumas pessoas que me são muito especiais: minha namorada, Tainá Biazus, cuja paciência, amor e carinho foram absolutamente cruciais nas idas e vindas desta dissertação; e meus pais, Osny Carmona Garcia e Neivone Straginski Carmona, e irmã, Marina Straginski Carmona, pelo apoio e amparo inabaláveis.

Ao meu orientador, Octávio Augusto Camargo Conceição, cuja seriedade e grandeza intelectual me inspiram a maior estima. Agradeço-lhe especialmente pela disposição em topar a empreitada bem como a paciência com o avanço inconstante e vagaroso neste estudo. Foi a disciplina de Economia Institucional, cursada no primeiro trimestre de 2017, que me fez reacender o (antigo) interesse pela ‘causa evolucionária’ em economia.

Aos amigos que fiz ao longo desta empreitada, principalmente os colegas de mestrado e doutorado, cuja amizade e vivência na Faculdade de Economia da UFRGS enriqueceram sobremaneira os meus últimos dois anos e meio.

Agradeço ainda ao excelente quadro de professores do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da UFRGS e aos igualmente exemplares servidores da secretaria do PPGE, sempre solícitos e prestativos nas tratativas burocráticas. Especial agradecimento à servidora Maria de Lourdes da Fonseca pelos esclarecimentos e sugestões.

E, por fim, aos gestores do Escritório de Desenvolvimento de Projetos (EDP), antiga Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), autarquia estadual na qual sou servidor público, pela compreensão e liberação de expediente para as obrigações na UFRGS.

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“Above all, Darwinism means causal explanation […] Explanations of outcomes are in terms of connected causal sequence.” (HODGSON, 2004a, p. 345)

“O suposto problema da desindustrialização recorrentemente vem à baila nos debates acadêmicos e políticos no Brasil, ainda que sob a roupagem de diferentes concepções.” (NASSIF,2008, p. 72)

“[...] a industrialização, tal como a Revolução Industrial, implica tudo, sociedade, economia, estruturas políticas, opinião pública e tudo o mais.”

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RESUMO

Este trabalho trata da desindustrialização recente da economia brasileira, procurando articular a literatura nacional sobre o tema, que toma impulso dos anos 2000 em diante, ao que chamamos de uma vinculação evolucionária institucionalista. Esse último elemento abarca um conjunto de teses alternativas que buscam interpretar diferentes aspectos do desempenho da economia nacional nos termos de um nexo teórico evolucionário institucionalista. Esse nexo, por sua vez, envolve a conjunção entre as tradições evolucionárias neoschumpeterianas e institucionalistas na conformação de uma teoria evolucionária da mudança econômica, um projeto ainda em construção. Destarte, a hipótese subjacente dessa dissertação é que, em sendo o fenômeno da desindustrialização brasileira essencialmente um processo de mudança econômica, ele pode ser interpretado nos marcos de uma teoria evolucionária. Outrossim, os estudos da economia brasileira que se desenvolvem sob essa égide, grosso modo, vão buscar na longa trajetória da indústria brasileira a conformação evolucionária de cumulatividades nos padrões de mudança tecnológica e institucional que implicam em dinâmicas de dependência de trajetória, enraizamento (embededdness) e lock-in institucional. Duas vinculações são adiantadas. Uma primeira, com base em Arend (2009), argumenta que a estratégia de industrialização da economia brasileira entre 1955 e 1980, conquanto bem sucedida em fazer a estrutura nacional se emparelhar ao estado da arte ditado pela então vigente quarta revolução tecnológica – nos termos do modelo histórico-analítico de Perez (2002) – o faz de uma forma tecnologicamente passiva, delegando os setores e segmentos mais dinâmicos às empresas multinacionais, o que debilita as capacidades orgânicas de aprendizado tecnológico dentre o tecido econômico doméstico, condicionando as possibilidades da economia brasileira quando uma quinta revolução tecnológica se impõe dos anos 1980 em diante. Aos 25 anos de catching up se seguiriam 25 anos de falling behind. Uma segunda, fundada no trabalho de Castelli (2017), se articula teoricamente a partir do que chamamos de causação vebleniana e busca relacionar o desempenho das políticas de inovação entre 1995 e 2012 ao enraizamento de um hábito tecnológico ausente ou convalescente dentre o tecido industrial brasileiro. Ao final, conclui-se que essas teses são compatíveis com vários elementos dos polos interpretativos – um ortodoxo, um novo-desenvolvimentista e um intrassetorial – pelos quais a literatura prevalecente sobre a desindustrialização brasileira trata do tema.

Palavras-chave: Desindustrialização. Economia Brasileira.Teoria Evolucionária.Teoria Institucionalista.

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ABSTRACT

This paper deals with the recent deindustrialization of the Brazilian economy, seeking to articulate the national literature on the theme, which takes momentum from the years 2000 onwards, to what we call an institutionalist evolutionary linkage. This last element encompasses a set of alternative theses that seek to interpret different aspects of the performance of the national economy in terms of an institutionalist evolutionary theoretical nexus. This nexus, in turn, involves the conjunction between neoschumpeterian and institutionalist evolutionary traditions in shaping an evolutionary theory of economic change, a project still under construction. Thus, the underlying hypothesis of this dissertation is that, since the phenomenon of Brazilian deindustrialization is essentially a process of economic change, it can be interpreted within the framework of an evolutionary theory. Moreover, studies of the Brazilian economy that develop under this aegis, roughly, will seek in the long trajectory of the Brazilian industry the evolutionary conformation of cumulative patterns of technological and institutional change that imply in dynamics of path dependence, embeddedness, and institutional lock-in. Two bindings are advanced. A first, based on Arend (2009), argues that the strategy of industrialization of the Brazilian economy between 1955 and 1980, while succeeding in making the national structural match the state of the art dictated by the then-current fourth technological revolution - in terms of Perez's historical-analytical model (2002) - does so in a technologically passive way, delegating the most dynamic sectors and segments to multinational companies, which weakens the organic capacities of technological learning among the domestic economic fabric, conditioning the possibilities of the Brazilian economy when a fifth technological revolution was imposed from the 1980s onwards. At 25 years of catching up would follow 25 years of falling behind. A second one, based on the work of Castelli (2017), articulates theoretically from what we call Veblenian causation and seeks to relate the performance of innovation policies between 1995 and 2012 to the rooting of a absent or convalescent technology habit among the Brazilian industrial fabric. In the end, one concludes that these theses are compatible with several elements of the interpretive axis - an orthodox, a new-developmentalist and an intra-sectorial one - by which the prevailing literature on the Brazilian deindustrialization deals with the theme.

Keywords:Deindustrialization. Brazilian Economy. Evolutionary Theory. Institutional

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Síntese das Revoluções Tecnológicas e Paradigmas Tecno-econômicos ... 39

Figura 2 – Economia das Instituições ... 53

Figura 3 – Reconstitutive downward effect ... 61

Figura 4 - Participação da Indústria no Emprego Total (em %) – regiões selecionadas ... 69

Gráfico 1 – A evolução da participação da manufatura ... 72

Gráfico 2 – A primeira causa da desindustrialização segundo Palma: uma relação declinante (1960-2000) 76 Gráfico 3 – A segunda causa da desindustrialização segundo Palma: um ponto de virada declinante (1960-1998) ... 77

Gráfico 4 – A terceira causa da desindustrialização segundo Palma: a reversão do processo (1990-2000) ... 78

Gráfico 5 – A quarta fonte de desindustrialização segundo Palma: evidência de doencça holandesa para Argentina, Brasil, Chile e Uruguai (1960-2000) ... 80

Gráfico 6 – Evolução da Participação da Indústria de Transformação no Emprego Formal (1985-2016) .... 87

Gráfico 7 – Evolução da Participação da Indústria de Transformação no PIB (%) – séries original e corrigida (1947-2013) ... 89

Gráfico 8 – Evolução da Participação recente da Indústria de Transformação no PIB (%) – séries original e corrigida, ambas em valores correntes (2010-2014) ... 90

Gráfico 9 – Evolução da Participação da Indústria de Transformação no PIB (%) – preços constantes de 2008 (1947-2007) ... 91

Gráfico 10 – Evolução da Participação da Indústria de Transformação no PIB (%) – preços constantes de 1995 (1996-2011) ... 92

Figura 5 - Conclusões de Morceiro (2013) ... 106

Gráfico 11 – Distribuição dos IEDs por Setor Tecnológico (%) no período 1980-1995 ... 120

Figura 6 – O reconstituive downward effect das Políticas de Inovação no Brasil 126 Gráfico 12 – Distribuição setorial do estoque de IED na indústria no Brasil por agrupamento tecnológico (1995, 2000, 2005) ... 128

Gráfico 13 – Evolução da estrutura industrial brasileira (VTI) por especificidade tecnológica (1996-2010) ... 129

Gráfico 14 – Evolução do adensamento produtivo (VTI/VBPI) da indústria brasileira por agrupamento tecnológico (1996-2010) ... 130

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 O NEXO EVOLUCIONÁRIO INSTITUCIONALISTA ... 14

2.1 A ABORDAGEM EVOLUCIONÁRIA DA TRADIÇÃO NEOSCHUMPETERIANA ... 19

2.1.1 Antecedentes em Schumpeter ... 20

2.1.2 Rotinas organizacionais, heurísticas de busca e seleção pelo mercado ... 25

2.1.3 Paradigmas e Trajetórias Tecnológicas ... 29

2.1.4 Revoluções Tecnológicas e Paradigmas Tecno-econômicos ... 34

2.2 A ABORDAGEM EVOLUCIONÁRIA DA TRADIÇÃO INSTITUCIONALISTA40 2.2.1 O marco do Antigo Institucionalismo Norte-Americano e a causação vebleniana ... 41

2.2.2 Uma nota sobre a Nova Economia Institucional (NEI) ... 49

2.2.3 Alguns elementos a partir do ‘corpo teórico’ Neo-Institucionalista ... 53

3 DESINDUSTRIALIZAÇÃO EM DEBATE NO BRASIL ... 62

3.1 UMA NOTA SOBRE O PAPEL DA INDÚSTRIA E A HIPÓTESE DO MOTOR DO CRESCIMENTO ... 65

3.2 DESINDUSTRIALIZAÇÃO: O CONCEITO E O DEBATE INTERNACIONAL . 67 3.3 UMA NOTA SOBRE A TRAJETÓRIA RECENTE DA INDÚSTRIA NO BRASIL . ... 85

3.3.1 Desindustrialização pela ótica do emprego ... 86

3.3.2 Desindustrialização pela ótica do valor adicionado ... 88

3.4 O DEBATE BRASILEIRO RECENTE ... 92

3.4.1 Uma perspectiva ortodoxa ... 94

3.4.2 Uma perspectiva novo-desenvolvimentista ... 98

3.4.3 Uma perspectiva intrassetorial ... 102

4 UMA VINCULAÇÃO EVOLUCIONÁRIA ... 109

4.1 UM APARTE TEÓRICO: CO-EVOLUÇÃO DE TECNOLOGIAS E INSTITUIÇÕES ... 111

4.2 DUAS VINCULAÇÕES EVOLUCIONÁRIAS PARA O CASO BRASILEIRO ... ... 117

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4.2.2 A tese de Castelli: políticas de inovação (1995-2012) e o hábito tecnológico passivo ... 122

4.3 AS VINCULAÇÕES EVOLUCIONÁRIAS E A QUESTÃO DA

DESINDUSTRIALIZAÇÃO ... 126 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 135

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1 INTRODUÇÃO

A experiência desindustrializante brasileira tem vindo recorrentemente “à baila”, como nos coloca Nassif (2008) na epígrafe, emergindo e submergindo no debate político e acadêmico no país conforme a questão do desenvolvimento industrial brasileiro se impõe na agenda pública nacional. Como pano de fundo, a percepção algo inconteste de que nas últimas três décadas a indústria tem paulatinamente perdido protagonismo como elemento dinamizador da economia brasileira. Nesse interregno, a economia brasileira viu a participação da indústria de transformação no valor agregado declinar de 21,8% em 1985, seu topo histórico e resultante da longa trajetória industrializante prévia, para singelos 11,7% em 20161. Uma redução de aproximadamente 50% em pouco mais de 30 anos.

Paralelamente, no plano internacional, já nos anos 1970 diversos2 países industrializados de

alta renda começaram a apresentar queda sistemática tanto no emprego quanto no produto industrial, fazendo surgir uma literatura própria sobre o tema, que busca definir e medir o fenômeno, bem como entender suas causas. No esteio desses estudos, destacam-se os trabalhos de Rowthorn e Wells (1987), Rowthorn e Ramaswany (1999), Palma (2005) e Tregenna (2008).

A par desse contexto, uma multiplicidade de autores brasileiros passa a se ocupar da temática da desindustrialização da economia brasileira, com a literatura sobre o tema ganhando impulso ao longo da década de 20003. Até então, como observa Castro (2001), o debate acadêmico se dava majoritariamente nos termos da reestruturação da indústria frente às reformas liberalizantesimplementadas nos anos 1990 – notadamente as aberturas financeiras e comerciais. Com efeito, uma definição se impõe neste momento: salvo explícita menção ao contrário, utilizar-se-á neste trabalho os termos indústria, indústria de transformação e manufatura como sinônimos. Ocupa-se aqui, como de fato o faz a virtual totalidade da literatura, com os segmentos industriais em que as propriedades diferenciadas, kaldorianas, da manufatura, via de regra, se manifestam4.

1Série a preços correntes, utilizando-se da correção sugerida por Bonelli e Pessoa (2010).

2O fenômeno se revele tão cedo quanto o final dos anos 1960 no Reino Unido, indo, no outro extremo, a se

manifestar somente em meados dos anos 1980 no Japão.

3Um marco é a publicação do texto “A maldição dos recursos naturais”, de autoria de Bresser-Pereira em 2005

no Jornal Folha de São Paulo.

4Difere-se, portanto, do agregado indústria como definido pelo IBGE, por exemplo, no qual se inclui as

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Outrossim, a discussão que toma forma remete ao antigo debate dentre a teoria econômica sobre as características especiais da manufatura – as propriedades kaldorianas – na sua vinculação como motor do crescimento. Como observa Palma (2005), as modernas teorias do crescimento podem ser agrupadas nos termos pelas quais consideram ou não a natureza diferenciada de alguns setores e atividades econômicas. Há sumariamente três grandes blocos:

a) indiferentes à atividade e ao setor, bem exemplificado pelos tradicionais modelos neoclássicos de crescimento;

b) atividade-específicos, porém indiferentes ao setor, com os novos modelos de crescimento endógeno exemplificando essa classe e;

c) atividade-neutros, mas setor-específicos, com as tradições pós-keynesiana e estruturalista latina americana como representantes.

Na concepção do crescimento econômico como um fenômeno essencialmente setor-dependente, a argumentação tradicionalmente se dá na medida em que o espaço próprio da manufatura, por conta das suas características intrínsecas, permite um maior encadeamento de etapas produtivas, oportunizando ganhos de especialização, divisão do trabalho, mecanização, aprendizado e inovação, habilitando encadeamentos e transbordamentos tecnológicos mais intensos com outros segmentos, o que lhes confere uma posição privilegiada para liderar o crescimento econômico.

Não por outro motivo, as perspectivas contemporâneas sobre desindustrialização têm sido articuladas por economistas que no mais das vezes consideram a indústria um importante elemento a condicionar as possibilidades de crescimento (CHANG, 2010). Noutros termos, como apontam Rowthorn e Ramaswamy (1997; 1999), mesmo para os pesquisadores que tendem a observar o fenômeno como uma disposição normal e esperada da direção da mudança econômica, a favor dos serviços, que toma forma na segunda metade do século XX, ainda assim, o debate tem se imposto negativamente a partir da proeminência social e política que a perda de participação tanto absoluta quanto relativa do emprego industrial tem implicado nas últimas décadas nas economias avançadas.

Portanto, como primeira aproximação, este trabalho busca articular a problemática da desindustrialização da economia brasileira a partir da organização, nos seus diversos polos interpretativos, da literatura nacional recente sobre o tema, apresentando também a construção do conceito de desindustrialização conforme a literatura internacional de

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referência. Referimo-nos a três agrupamentos teóricos dentre o debate brasileiro: um ortodoxo, um novo-desenvolvimentista e um intrassetorial.

Isso, entretanto, é apenas parte do que se propõe aqui. A parte central deste estudo remete a um exercício de vincular os conformes dessa problemática a um marco teórico alternativo, que envolve a conjunção metodológica de uma perspectiva evolucionária em economia e dentre a qual se propõe avançar ao detalhar duas teses que abarcam, se não explicitamente, ao menos indiretamente a questão da desindustrialização da economia brasileira.

Marcadamente, os estudos que se desenvolvem sob essa égide, grosso modo, vão buscar na longa trajetória da indústria brasileira a conformação evolucionária de cumulatividades, principalmente no padrão de mudança institucional que se impõe na fase de industrialização pesada (ou intensiva) da economia brasileira, entre 1955 e 1980, e cuja combinação de opções estratégicas de política econômica e de arranjo institucional – nucleado num modelo substitutivo de importações tecnologicamente passivo nos seus desdobramentos locais, e que impacta cumulativamente nos comportamentos e hábitos de pensamento e ação que se impõem dentre o tecido produtivo nacional (CASTELLI, 2017) – coaduna-se à fase declinante de implantação e internacionalização do quarto paradigma tecno-econômico – nos termos do modelo histórico analítico de Perez (2002) –, cuja disponibilidade de capitais no núcleo de países em que esse paradigma já havia se solidificado faz abrir uma janela de oportunidade para os países que então tentavam se industrializar, com o Brasil efetivamente se emparelhando nos termos desse paradigma (AREND, 2009). Com a reversão cíclica dessas condições nos anos 1980, a institucionalidade criada no ciclo anterior condiciona e aprisiona as possibilidades da economia brasileira dentre um padrão de dinamização que se reforça, implicando nos fenômenos de path dependence e lock-in.

Essa segunda aproximação efetivamente delineia a hipótese de trabalho a ser construída aqui: em sendo essencialmente um processo de mudança econômica, disposta

nos termos de uma trajetória a apresentar cumulatividades, o fenômeno da (des)industrialização da economia brasileira pode ser analisado no conformes de uma conjunção evolucionária dada a partir das perspectivas neoschumpeterianas e institucionalistas. A conjunção dessas perspectivas, ao que nos referimos como um nexo

evolucionário institucionalista, oferece alguns conceitos e noções aptos a operacionalizar analiticamente esse tipo de interpretação.

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Destarte, para avançar nessa hipótese, o trabalha se organiza em três capítulos, além dessa introdução e de uma conclusão.

O primeiro capítulo se ocupa de apresentar e detalhar o nexo evolucionário institucionalista e como tal constitui-se no marco teórico desse estudo. O propósito é articular a dimensão evolucionária das perspectivas neoschumpeterianas e institucionalistas, detalhando uma série de constructos, noções e conceitos que conformam teoricamente a questão da mudança econômica. Pontua-se que essa conjunção é ainda um trabalho inacabado, constituindo-se num rico programa de pesquisa em construção. Ademais, dentre os neoschumpeterianos, detalha-se sobremaneira a noção de firma, o mercado como um lócus de seleção, a construção de paradigmas e trajetórias tecnológicas e, por fim, as noções de revoluções tecnológicas e paradigmas tecno-econômicos. Dentre a tradição institucionalista, foca-se na contribuição do Antigo Institucionalismo Americano e do Neo-Institucionalismo, com especial atenção para a chamada “causação vebleniana”.

O segundo capítulo, por sua vez, problematiza a questão da desindustrialização da economia brasileira, recorrendo à literatura internacional e nacional sobre o tema. Objetiva-se organizar a matriz interpretativa dentre a literatura nacional recente. Ademais, apreObjetiva-senta- apresenta-se a construção do conceito de desindustrialização a partir da literatura internacional selecionada.

O terceiro capítulo, por fim, detalha duas teses – as quais chamamos de vinculações evolucionárias-institucionalistas – que articulam elementos do marco teórico avançado no primeiro capítulo para interpretar diferentes aspectos da trajetória recente da indústria brasileira. Objetiva-se vinculá-las ao debate específico sobre desindustrialização, dialogando, portanto com a problemática apresentada no segundo capítulo. Argumenta-se que essas vinculações são mais ou menos complementares com as teses da desindustrialização da economia brasileira.

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2 O NEXO EVOLUCIONÁRIO INSTITUCIONALISTA

“Above all, Darwinism means causal explanation […] explanations of outcomes are in terms of connected causal sequence.” (HODGSON, 2004a, p. 345)

Ainda em 1898, no seu celebrado Why is Economics not an Evolutionary Science?, Veblen exortava os economistas de então a abdicarem das suas predisposições taxonômicas, de construção e tipificação abstrata (e estática) de sistemas e das suas condições de equilíbrio1 – “atitude espiritual” ou modelo mental que então herdavam da economia política clássica e sua busca por leis naturais –, conclamando-os a dirigirem seus esforços para a investigação dos fenômenos econômicos à luz das causações cumulativas que lhes davam continuamente, e desapaixonadamente, nova forma e desdobramento. Em Veblen (1898), uma atitude científica moderna na ciência econômica implicava na consecução de uma teoria evolucionária e pós-darwinista da mudança econômica, isso é, um marco teórico processual: “a theory of a process, of an unfolding sequence.” (VEBLEN, 1898, p. 375).

De fato, conquanto a questão do desenvolvimento ou progresso econômico – e portanto da mudança econômica em sentido estrito – estivesse desde Adam Smith no cerne das preocupações dos economistas (NELSON; WINTER, 2002), a argumentação evolucionária envolve supostos qualitativamente diferentes. Veblen ainda constitui-se num importante ponto de partida posto que sua análise era explicitamente evolucionária2 e tributária dos avanços que a biologia pós-darwinista havia efetuado na compreensão dos processos naturais e orgânicos (HODGSON, 1998a). Outrossim, sua obra foi, pelos menos até os anos 1970, com o avanço da literatura neoschumpeteriana, o intento relativamente mais bem sucedido em incorporar noções evolucionárias à análise econômica (HODGSON, 1992; 1993). A “causação vebleniana” envolveria pelo menos duas acepções a lhe caracterizar como evolucionária (HODGSON, 2004; 1992). Na sua raiz etimológica3, o

termo evolução – que advém do latim evolutio e evolvere, ‘ato de desenrolar um pergaminho’ – alude a uma ideia de desdobramento, de processo e de movimento. Adjacente, a segunda acepção é decorrente da primeira e envolve o seu uso pioneiro na biologia darwiniana. Refere-se à dinâmica processual de causa e efeito, bem como sua

1“a body of logically consistent propositions concerning the normal relations of things” (VEBLEN, 1898, p.

384)

2 E mais do que isso, Veblen utilizou-se abundantemente do apelo retórica da ‘notação darwinista’, então de

elevado status nos meios acadêmicos e intelectuais (RUTHERFORD, 1998).

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cumulatividade e ausência de um fim pré-determinado (ou teleológico), tanto quanto as noções de variação, seleção e herança (ou perpetuação) que regem sistemas evolucionários. Darwin, evidentemente, utiliza-se desses elementos abundantemente na sua teoria da seleção natural conquanto a seu tempo o substrato genético tanto quanto outros sutis mecanismos estivessem ainda além do conhecimento da ciência biológica (HODGSON, 1998b).

Efetivamente, Hodgson (1992) sugere uma diferença entra a versão “developmental” do termo evolução, que alude à centralidade da ideia de mudança, e já estava presente na obra de diversos economistas e observadores do mundo socioeconômico, da notação pós-darwinista, uma versão forte do conceito, e que envolve tanto mecanismos particulares e bem definidos, quanto a ausência de uma predisposição para um determinado fim.

Destarte, nos termos da convocação vebleniana, uma teoria evolucionária em economia deve ser uma teoria processual, consecutiva, cumulativa e, fundamentalmente, não teleológica da mudança econômica. Idealmente, na sua formatação darwinista ‘forte’, deve ser capaz de explicar para um determinado fenômeno econômico – quando cabível e por envolver interações populacionais complexas4 – os mecanismos geradores de variabilidade em certa população de entidades (indivíduos, hábitos de pensamento, tecnologias, instituições ou organizações em ambientes relevantes), os mecanismos de seleção e adaptabilidade ao ambiente dessas características sancionadas (mercados ou outros contextos), bem como os dispositivos pelos quais tais características perpetuam-se e acumulam-se ao longo do tempo (endogeneização de preferências individuais, rotinas ou competências nas organizações, paradigmas e trajetórias tecnológicas).

Tal conformação, evidentemente, não se encontra livre de controvérsia, mesmo dentre aqueles simpáticos ao enfoque evolucionário nas ciências sociais. Possas (2008) expõe um ponto importante ao indicar os limites de um ‘darwinismo universal’, uma “meta-teoria universal na qual “meta-teorias específicas podem se aninhar” (HODGSON, 2002, p.278 apud POSSAS, 2008), e na qual subcampos como a economia se preocupariam com mecanismos particulares hierarquicamente inferiores aos princípios gerais da evolução darwinista. Possas (2008) pontua uma multiplicidade de avanços teóricos que a ciência econômica aduziu (como, por exemplo, o princípio da demanda efetiva) e que não possuem relação direta com os termos evolucionários darwinistas, ainda que sejam complementares. A lição proposta indica que os mecanismos evolucionários em economia devem ser vistos

4 Interações populacionais ou o ‘pensamento populacional darwiniano’ remetem às análises em que a micro

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como análogos, ou ainda, correspondentes aos dispositivos analíticos desenhados nas ciências biológicas, uma fonte de inspiração e mimetismo analítico a ser utilizado conforme as possibilidades.

Em certo sentido, os cientistas sociais em geral, e os economistas em particular, têm continuamente demonstrado que a historicidade dos sistemas socioeconômicos, sua não ergodicidade e irreversibilidade, bem como a questão da intencionalidade humana (human agency) resultam necessariamente em sistemas altamente complexos e de difícil teorização plena. Mesmo o programa vebleniano, a seu tempo, não foi bem sucedido em fazer frutificar uma agenda de pesquisa consistente (RUTHERFORD, 1998). De fato, como pontua Possas (2008, p. 285): “que a fonte preponderante de variação no contexto humano seja a deliberação consciente, e não uma deriva cega ao resultado esperado de sua introdução, é uma distinção crucial da evolução socioeconômica ante a biológica.” Outrossim, Hodgson (20025 apud POSSAS, 2008, p. 284) delineia cinco grandes dificuldades nesse acoplamento: a) os replicadores socioeconômicos são insuficientes e imprecisos (ao contrário da

mecanicidade/replicabilidade plena das moléculas e DNA);

b) a seleção socioeconômica não se dá necessariamente entre gerações diversas; c) as linhagens socioeconômicas (entendidas como características dominantes)

podem combinar e convergir por intermédio da troca (propositada) de informações;

d) o ambiente sancionador socioeconômico é incomparavelmente mais célere, dinâmico e mutável que os contextos naturais e

e) existe a possibilidade de herança lamarckiana (de características adquiridas) dentre as populações de entidades socioeconômicas.

Para fim do argumento a ser desenvolvido aqui, o ponto fulcral a ser ressaltado é que a tônica darwinista, de uma noção processual de mudança cumulativa – a ‘explanação causal’ bruta ao que se refere Hodgson (2004a) na epígrafe deste capítulo –, é bem vinda à investigação econômica tanto por oferecer um marco sobre o qual tratar a questão da mudança, como quanto por reposicionar a questão relevante de pesquisa para o próprio processo de mudança e evolução das estruturas e entidades econômicas. Igualmente, é também com esses elementos que contamos para caracterizar os corpos teóricos que

5 HODGSON, G. Darwinism in economics: from analogy to ontology. Journal of Evolutionary Economics,

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integram modernamente o que chamaremos aqui de um nexo teórico evolucionário institucionalista.

Notadamente, ao longo da história do pensamento econômico os economistas têm sido mais ou menos evolucionários nas suas análises, estando os paralelismos com a biologia pós-Darwin mais ou menos presentes. Como pontuam Nelson e Winter (2005, p. 71.), a noção embrionária de que “a concorrência de mercado é análoga à competição biológica e que as empresas devem passar por um teste de sobrevivência imposto pelo mercado tem sido parte do pensamento econômico por muito tempo.” Marx, por exemplo, tomava a sua obra como tributária6 d’A origem das Espécies de Darwin (1859), pleiteando

delinear – tal qual fizera o grande biólogo inglês para o mundo natural orgânico –, os mecanismos pelos quais funcionavam e evoluíam os sistemas econômicos, nomeadamente no capitalismo (NELSON; WINTER, 2005). Doutro front teórico, mesmo Alfred Marshall, um dos fundadores da tradição neoclássica, observava na introdução do seu Princípios de Economia (1890) que:

A meca da economia está mais na biologia econômica do que na mecânica econômica. Mas os conceitos biológicos são mais complexos do que os da mecânica; uma obra sobre fundamentos deve, portanto, dar um espaço relativamente grande às analogias mecânicas; e o uso frequente do termo equilíbrio sugere algo de analogia estática. Esse fato, combinado com a atenção predominante dada nessa obra às condições normais da vida na era moderna, sugere que a noção de que sua ideia central é a “estática” em vez de “dinâmica”. De fato, diz respeito, do início ao fim, às forças que causam movimento; e sua tônica é a da dinâmica ao invés da estática (MARSHALL7 apud NELSON e WINTER, 2005, p. 75).

Isso posto, o que se coloca neste trabalho como um nexo teórico evolucionário institucionalista conjuga-se a partir da aproximação contemporânea entre as vertentes evolucionárias neoschumpeteriana e institucionalista. Esses corpos teóricos são ditos evolucionários posto que centralizam e fornecem uma abordagem manejável ao problema de elaborar uma teoria da mudança econômica, encontrando inspiração na biologia evolucionária e no pós-darwinismo para analisar e caracterizar esse processo de transformação. Ambos os enfoques lidam com noções processuais de cumulatividade, desequilíbrio, incerteza radical, aprisionamento (lock-in) e dependência de trajetória (path-dependence), afastando-se dessa forma de alguns dos cânones da ortodoxia, o que lhes aproxima necessariamente das heterodoxias em economia.Via de regra, não há nenhum

6 Marx via a teoria de Darwin como “a natural-scientific basis for the class struggle in history” (1977, p. 525 apud HODGSON, 1992, p. 287).

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conceito forte de atrator apriorístico, ainda que noções processuais de repouso ou equilíbrio dinâmico8 se façam presente, o que implica igualmente que critérios de otimalidade e racionalidade substantiva9 são problemáticos – discussão, curiosamente, algo não definida na própria biologia evolucionária (NELSON, 1995).

Os neoschumpeterianos partem da “visão schumpeteriana do capitalismo como uma máquina de mudança progressiva” (NELSON; WINTER, 2005), enfatizando as inovações (em sentido amplo) como princípio dinâmico essencial a explicar o processo de mudança e desenvolvimento econômico, tanto quanto focando esforços na natureza evolucionária própria da mudança tecnológica e seus impactos no tecido econômico. Assim, ao enfatizar a constância da mudança e incorporar noções análogas aos conceitos de variabilidade, seleção e herança, justifica-se tratar essa abordagem de “evolucionária neoschumpeteriana” (POSSAS, 2008).

O institucionalismo, por sua vez, centraliza sua análise na importância das instituições, enfatizando o processo de mudança institucional e transformação na dinâmica econômica, bem como sua historicidade, tornando-as também mais evolucionárias em algumas das suas vertentes (CONCEIÇÃO, 2008; SAMUELS, 1995). Na linha fundada em Veblen, notadamente, assume-se uma posição pós-darwiniana onde o processo de causação é cumulativo, não teleológico e sujeito a uma lógica diacrônica de novidade e perenidade dos hábitos de pensamento, disposições e comportamentos individuais, no que se configura em arranjos institucionais particulares e historicamente dados. Nesse sentido, as instituições e os hábitos de pensamento estão eles mesmos sujeitos às forças sistêmicas de variabilidade, seleção e perpetuidade, isso é: “The evolution of social structure has been a process of natural selection of institutions.” (VEBLEN10 apud HODGSON, 1993, p. 18). O processo evolucionário de mudança econômica, ou de crescimento, é também o processo paulatino (ou radical) de mudança institucional.

8 Hodgson (1993) coloca que a noção evolucionária vebleniana aproxima-se da ideia de equilíbrios pontuados

(punctuated equilibria) – tomado à biologia (ELDREDGE, 1972; GOULD, 1977 apud HODGSON, 1993, p. 18) – em que longos períodos de relativa estabilidade são sucedidos por rápidos processos de mudança. É possível traçar um paralelo com a história das tecnologias, bem como com o conceito de paradigma tecno-econômico, conforme adiantado por Perez (2002) e outros neoschumpeterianos.

9 Argyrous e Sethi (1996) argumentam pela incompatibilidade entre a hipótese neoclássica da racionalidade

substantiva a nível individual e a existência de processos evolucionários. Observam, entretanto, que a formatação neoclássica pode dar guarida a processos quase-evolucionários a nível macro, desde que modelagem não se dê via agentes representativos.

10 VEBLEN, T. B. The Theory of the Leisure Class: An Economic Study of Institutions. Macmillan, New

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Destarte, a conjunção evolucionária de ambos esses enfoques, cada qual com o seu elemento-chave de mudança, envolve o foco na análise do processo qualitativo de mudança econômica, numa lógica processual e cumulativa de co-evolução das tecnologias e instituições, da sua interface e dos consequentes arranjos e trajetórias associados (CONCEIÇÃO, 2002; 2008). Mais do que isso, por envolver cumulatividade, esse nexo teórico aponta a grande dependência de trajetória (path dependence) que caracteriza esses sistemas históricos.

Isso posto, no resto deste capítulo, e nas subseções que seguem, objetiva-se discutir, bem como aprofundar o entendimento desses dois marcos teóricos. As próximas cinco seções avançam alguns dos elementos nucleares do programa neoschumpeteriano. O resto do capítulo, nas suas quatro seções remanescentes, trata do programa institucionalista. No capítulo 3, já nos ocupando da problemática da desindustrialização da economia brasileira e na circunscrição de uma vinculação evolucionária-institucionalista associada aquele fenômeno, voltamos a tratar de algumas conexões conceituais dentre o nexo teórico que aqui apresentamos.

2.1 A ABORDAGEM EVOLUCIONÁRIA DA TRADIÇÃO NEOSCHUMPETERIANA

O programa neoschumpeteriano remonta a uma confluência de trabalhos que, principalmente a partir dos anos 1970, passa a analisar e incorporar explicitamente o processo de mudança técnica como um elemento chave na dinâmica econômica. Reportam, nesses termos, à contribuição original de Joseph Schumpeter em identificar no capitalismo um sistema em movimento que endogeniza o contínuo modificar das suas bases produtivas – insight, outrossim, já antevisto por Marx. Efetivamente, os neoschumpeterianos – bem como uma multiplicidade de estudiosos da tecnologia em outras áreas – têm progredido no entendimento do avanço tecnológico e da mudança técnica como um processo eminentemente evolucionário, afim aos ditames da sistemática darwinista. Destarte, à designação “neoschumpeteriano”, justifica-se tratá-los igualmente como o moderno programa evolucionário em economia (POSSAS, 2008). O programa “original”, como teremos a oportunidade de detalhar, refere-se ao intento do Antigo Institucionalismo Americano, notadamente com Thorstein Veblen (HODGSON, 1993).

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Outrossim, conquanto Schumpeter fosse refratário às analogias biológicas – “no appeal to biology would be of the slightest use” (SCHUMPETER11 apud HODGSON, 1993, p.19) –, os neoschumpeterianos partem da sua ênfase na centralidade da mudança tecnológica como um fato eminente do capitalismo, depurando e incorporando noções de micro heterogeneidade, de variações e variedades em disputa, com mecanismos de seleção operando tanto ex-ante como ex-post, e com as características vencedoras se perpetuando ao longo de um tempo economicamente relevante, no que lhes aproxima de conceitos da biologia evolucionário, conquanto não o façam de forma acrítica: “the processes throught wich technologies evolve are also diferent in inportant respects from evolutionary processes in biology [...] in no way denies the role of human purpose [...]" (DOSI; NELSON, 2009, p. 12). É nesse sentido, portanto, que os neoschumpeterianos se apropriam de um fundamento evolucionário, partindo da noção developmental bastante presente em Schumpeter.

Nesses termos, a literatura neoschumpeteriana tem tratado dos determinantes do progresso tecnológico em sua conformação tanto numa teoria microeconômica evolucionária em que o comportamento e estratégias inovativas das firmas – fundado em rotinas organizacionais, aprendizado e heurísticas de busca – relaciona-se cumulativamente em estruturas particulares de mercado, como que selecionado e sancionado pelo ambiente, bem como em padrões setoriais de inovação e mudança tecnológica; quanto na conformação dessa dinâmica em macro movimentos, multissetoriais – e cujos impactos e condicionantes alcançam as esferas políticas, sociais e institucionais –, tratados nos termos de paradigmas tecno-econômicos bem como no de sistemas de inovação (setoriais, regionais e nacionais)12.

Destarte, para fins da presente discussão seguiremos nas próximas seções detalhando alguns desses conceitos e contribuições.

2.1.1 Antecedentes em Schumpeter

A contribuição decisiva de Schumpeter remete à centralidade da relação entre o desenvolvimento econômico e o processo de geração e difusão de inovações – entendido como orgânico e endógeno – e, portanto, próprio do sistema capitalista de acumulação. Efetivamente, é o constante devir de mudanças tecnológicas nos processos da vida econômica, em distúrbio ao que designa de fluxo circular da renda – objeto do qual a teoria

11 SCHUMPETER, J. History of Economic Analysis. Oxford University Press, New York, 1954. 12 Para uma discussão da cronologia do conceito de Sistema de Inovação ver Albuquerque (2007).

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econômica tradicional, de ascendência walrasiana, eficazmente toma como objeto –, que é o cerne próprio da dinâmica capitalista. A mudança econômica, nesse sentido, necessariamente implica em mudança qualitativa, de novas formas de fazer as coisas, novos produtos, novos arranjos organizacionais, mais do que um simples prolongamento ou incremento quantitativo da forma usual, ou dada, de se perfazer os circuitos econômicos. “O desenvolvimento consiste primariamente em empregar recursos diferentes de uma maneira diferente, em fazer coisas novas com eles [...]” (SCHUMPETER, 1988, p. 50), ou ainda, “[...] é uma mudança nos canais do fluxo, perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente” (p. 47). Destarte, a contribuição schumpeteriana insere-se numa tradição mais ampla que corre desde Adam Smith, passando por Marx e Marshall, e que se ocupa com os problemas do desenvolvimento econômico (NELSON; WINTER, 2002).

Schumpeter (1988), notadamente, parte de uma crítica do fluxo circular da renda ao qual a teoria walrasiana, nos seus termos, efetivamente dá conta: “A teoria [...] descreve a vida econômica do ponto de vista da tendência do sistema econômico para uma posição de equilíbrio, [...] e pode ser descrita como uma adaptação aos dados existentes,” (SCHUMPETER, 1988, p. 46). Nessa linha concebe-se “os vários processos do sistema econômico como fenômenos parciais da tendência para uma posição de equilíbrio.”, ao que “tem instrumentos especiais para esse fim” e “que nos dá os meios de determinar os preços e as quantidades de bens” (SCHUMPETER, 1988, p. 46). Outrossim, à aptidão do framework walrasiano de examinar o processo estacionário e de examinar o conjunto de forças que lhe fazem reagir e restaurar o equilíbrio, observa: “Esses instrumentos só falham [...] quando a vida econômica em si mesma modifica seus próprios dados de tempos em tempos” (SCHUMPETER, 1988, p. 46).

Destarte, o ponto fulcral da crítica schumpeteriana é o de demonstrar que o processo estacionário sofre constantemente distúrbios, provocados (grandemente ainda que não somente) por forças internas, eminentemente econômicas na sua natureza, em que o sistema econômico incessantemente se revoluciona, se modifica, constituindo-se isso mesmo o cerne do desenvolvimento capitalista. “Entenderemos por ‘desenvolvimento’, portanto, apenas as mudanças da vida econômica que [...] surjam de dentro, por sua própria iniciativa.” (SCHUMPETER, 1988, p. 47).

Nesse constructo, a inovação é entendida, latu sensu, como qualquer nova combinação de fatores produtivos, substanciados no mais das vezes em novos

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empreendimentos ou empresas, bem como viabilizados majoritariamente, principalmente nas economias capitalistas avançadas, por instrumentos de crédito. A realização dessas novas combinações engloba marcadamente cinco casos:

a) introdução de um novo bem ou de uma nova qualidade de um bem;

b) introdução de um novo método de produção e distribuição que “ainda não tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da indústria” e que “de modo algum precisa ser baseada numa descoberta científica nova” e pode “consistir também em nova maneira de maneja comercialmente uma mercadoria”;

c) abertura e/ou exploração de um novo mercado;

d) conquista de uma nova fonte de matérias primas ou de produtos intermediários “independente do fato de que essa fonte já existia ou teve que ser criada” e;

e) estabelecimento de uma nova organização industrial, podendo ser tanto a criação ou a fragmentação da posição de um monopólio, geralmente temporário (SCHUMPETER, 1988, p. 48-49).

É em Schumpeter, portanto, que a vinculação entre desenvolvimento econômico e inovação tecnológica torna-se mais explícita. Nessa linha, a função empresarial, e suas características peculiares, inclusive psicológicas dos seus sujeitos concretos, no que hoje se trata classicamente como o empresário schumpeteriano13, é o elemento central de transformação do sistema capitalista. Orientado pela necessidade de sobreviver ao processo de concorrência, o empresário schumpeteriano busca diferenciar-se, altera suas rotinas, suas decisões, e embarca na tentativa de inovar, alterando qualitativamente, se bem sucedido, os mercados e indústrias onde atua. À inovação bem sucedida, com lucros excepcionais, segue-se um movimento de equalização em que novos capitais buscam imitar a nova combinação vencedora, num movimento de difusão, fazendo tendencialmente diminuir os lucros monopolistas e renovando os incentivos para que um novo movimento inovativo tome forma.

Em Schumpeter (1961), assim como em Marx inovações tecnológicas estabelecem um poder de monopólio (ainda que no mais das vezes temporário) e uma taxa de lucro

13 Conquanto até certo ponto individualizado, já no seu livro Teoria do Desenvolvimento Econômico (1988)

Schumpeter antevia a mudança então em curso, de oligopolização e domínio da grande empresa capitalista, ao que a função empreendedora, inovativa, antes individualizada, torna-se uma função própria das grandes corporações; percepção de resto bem definida no seu magnum opus Capitalismo, Socialismo e Democracia (1961).

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diferencial para o capitalista inovador: “pode haver uma característica autenticamente monopolista nos lucros privados que constituem os prêmios oferecidos pela sociedade capitalista ao inovador vitorioso.” (p. 129). Mais do que “agir temporariamente de acordo com o esquema monopolista”, o lucro extraordinário, para o inovador bem sucedido, constitui-se na “proteção que consegue contra a desorganização do mercado e o espaço de tempo que garante para um planejamento a longo prazo.” (p. 129). A difusão dessas novas combinações e o processo de concorrência por outros meios que não apenas o vetor preço fazem erodir os lucros e o poder de monopólio da firma inovadora. Efetivamente, em Schumpeter a base da dinâmica transformadora encontra-se na forma de concorrência intercapitalista, baseado em inovações, que se impõe na luta pela sobrevivência em um ambiente hostil e em mutação.

O primeiro conceito que se descarta é o tradicional modus operandi da concorrência [...] Tão logo a concorrência de qualidade e o esforço de venda são admitidos no recinto sagrado da teoria, o fator variável do preço é apeado da sua posição dominante [...] Mas, na realidade capitalista [...] o que conta não é esse tipo de concorrência, mas a concorrência de novas mercadorias, novas técnicas, novas fontes de suprimento, novo tipo de organização [...] – a concorrência que determina uma superioridade decisiva no custo e na qualidade e que fere não a margem de lucros e a produção de firmas existentes, mas seus alicerces e a própria existência (SCHUMPETER, 1961, p. 107).

Schumpeter, portanto, tinha uma visão da concorrência como um processo de ruptura e transformação situado no âmago da dinâmica capitalista. Tinha claro o papel central que a busca do lucro extraordinário (e temporário) de monopólio cumpre na introdução de inovações, postura que lhe permite repensar a tradicional oposição entre concorrência e monopólio, passando esse último a ser visto não como o contrário, mas como o próprio motivo fundamental da concorrência. Alçado ao centro da análise, a concorrência torna-se o motor próprio do processo incessante e endógeno de transformação e acumulação capitalista, no que Schumpeter, no seu clássico Capitalismo, Socialismo e Democracia ([1941]1967), denomina o processo de destruição criadora.

[...] processo de mutação industrial – se é que podemos usar esse termo biológico – que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos. Este processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda empresa capitalista para sobreviver (SCHUMPTER, 1961, p. 106).

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Nesses termos, a noção de capitalismo se identifica com a existência de um processo de mudança econômica contínua, em que criar o novo e destruir o antigo toma, nos seus termos, uma feição evolucionária. Um sistema que, pela sua própria natureza, nunca pode estar estacionário:

O ponto essencial que se deve ter em conta é que, ao tratar do capitalismo, tratamos também de um processo evolutivo [...] O capitalismo é, por natureza, uma forma ou método de transformação econômica e não, apenas, reveste caráter estacionário, pois jamais poderia tê-lo. [...] O impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina capitalista procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista (SCHUMPETER, 1961, p. 105).

Notadamente, a natureza disruptiva da inovação tecnológica opera igualmente de forma clusterizada e descontinuada ao longo do tempo, no que Schumpeter observa para fazer avançar sua teoria de ciclo econômico. “Por que é que o desenvolvimento, como o definimos, não avança uniformemente [...], por que apresente ele esses altos e baixos que lhe são característicos?”, ao que o autor coloca: “´[...] porque as combinações novas não são, [...], distribuídas uniformemente ao longo do tempo [...] mas aparecem, se é que o fazem, descontinuamente, em grupos ou bandos.” (SCHUMPETER, 1988, p. 148, grifo do autor).

Schumpeter queria realçar a natureza descontínua do processo inovativo, pois o agrupamento estava no centro da sua teoria de ciclo econômico. Ele se concentrou na explicação das implicações das inovações que provocam distúrbios, saltos de produtividade, deslocamento da função de produção que rompem o fluxo circular regular e promovem o crescimento econômico. Ondas de crescimento seriam desencadeadas por empresários schumpeterianos que modificam o ambiente através de novas combinações de fatores produtivos. Essas ações são empreendidas com a utilização de crédito bancário, cujo impacto nos custos, lucros e mercados das empresas aumenta a renda real e o fluxo monetário do sistema econômico.

Em linhas gerais, portanto, Schumpeter (1988, 1961) fez uma abordagem abrangente do desenvolvimento capitalista, enfatizando a sua natureza evolutiva e em permanente movimento e transformação, delineando para tanto um núcleo de forças econômicas que lhe fazem mover – marcadamente a concorrência e a busca de novas combinações – como também apontando os aspectos históricos e políticos que conformam a determinação das forças capitalistas. De outra forma, sua intenção foi desenvolver uma teoria do capitalismo

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cuja característica essencial é seu processo evolucionário, de mudança e de constante desequilíbrio.

2.1.2 Rotinas organizacionais, heurísticas de busca e seleção pelo mercado

A partir da visão de Schumpeter do capitalismo como “uma forma ou método de transformação econômica” (1961, p. 105), os economistas da tradição neoschumpeteriana passam a operacionalizar conceitualmente o processo de geração e difusão de inovações, desenhando um referencial em que a interação endógena entre firmas, suas estratégias de busca de inovação e a estrutura de mercado que cumulativamente surge – bem como o ambiente institucional circundante – operam como que num processo evolucionário, análogo à tratativa da dinâmica evolutiva das espécies no mundo natural (DOSI; NELSON, 2010).

Nesse paralelo com a biologia, apresentado pioneiramente por Nelson e Winter (1977, 2005), os mercados (ou o ambiente econômico sancionador14) e a dinâmica competitiva operam como lócus de seleção dentre uma população heterogênea de firmas, com os fenótipos vencedores – ou firmas líderes – fazendo prevalecer um conjunto de características, tecnologias, práticas e estratégias competitivas subjacentes, uma dimensão de fundo genotípica – e que na conceituação de Nelson e Winter (2005) refere-se primariamente às rotinas organizacionais –, o que passa a tendencialmente prevalecer naquela população ou indústria e caracterizar sua trajetória evolutiva. As firmas com as rotinas e tecnologias mais adequadas serão as com maior possibilidade de sobrevivência e com maiores chances de crescimento. Destarte, para um ambiente competitivo que sancione um determinado perfil, no mais decorrente de vantagens crescentes de manuseio de uma determinada tecnologia, essas vantagens competitivas a cada momento acumulam-se, impingindo uma dinâmica de path dependence àquela história evolutiva (DOSI; NELSON, 2010). Dito de outra forma, “a probabilidade de empresas e organizações alcançarem avanços técnicos depende, entre outras coisas, dos níveis tecnológicos já alcançados por essas empresas e organizações” (DOSI, 2005).

14 Em sentido estrito, o ambiente econômico sancionador envolve mais que apenas mecanismos de mercado.

De fato, a literatura neoschumpeteriana tem apontado diversos casos em que o desenvolvimento de uma nova tecnologia, bem como de uma indústria associada, envolve profunda interação com o meio institucional circundante. Dentre outros exemplos, um que ilustra adequadamente esse ponto é o da indústria de semicondutores (DOSI, 2005)

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De fato, em Nelson (200615 apud CASTELLI, 2017), assinala-se que existem dois mecanismos principais de propagação de uma inovação bem sucedida: a difusão per se firma a firma; e pelo crescimento próprio, cumulativo e orgânico16 das firmas (ou fenótipos) detentoras daquela característica. Nesses termos, o processo de mudança econômica e de geração de trajetórias e estruturas de mercado resulta da interação entre o processo ex ante de busca de inovações por parte das firmas, de tônica schumpeteriana – e que corresponde, nesse sentido, ao processo mutagênico no mundo natural, ainda que neste seja estritamente aleatório, ao contrário daquele –, e o processo de seleção, ex post, por um ambiente sancionador.

De fato, conquanto o intento inovador seja propositivo e motivado, fruto de uma heurística ou estratégia de busca, e fundado no aprendizado por múltiplas fontes de como fazer novas coisas pelas organizações, nada assegura que o resultado do processo de busca venha a ser sancionado pelos mecanismos de seleção inerentes à concorrência, abrindo-se espaço para trajetórias que estão longe de poderem ser determinadas a priori. Com efeito, não obstante a crescente formalização institucional da atividade de pesquisa, tanto externamente à firma quanto internamente, com estruturas formais de P&D, o processo inovativo mantém uma inexorável qualidade de indeterminação, que lhe contrapõe a própria ideia de haver um conjunto bem definido de possibilidades e escolhas tecnológicas ex ante (DOSI, 2005). Outrossim, é nesses termos que Nelson e Winter (2005) avançam a ideia de que os esforços de mudança técnica são, no mais das vezes, essencialmente “cegos”.

O enfoque neoschumpeteriano, portanto, envolve uma noção fundamental de incerteza, no que lhe afasta, se não somente, mas também por esse motivo, de noções de equilíbrio, prevalecendo uma ideia de dinâmica e de mudança na qual os padrões de comportamento da empresa e resultados dos mercados são determinados conjuntamente ao longo de trajetórias cumulativas. Em outras palavras, a trajetória resultante emerge de um processo interativo ao longo do tempo, que articula estratégia/estrutura, busca/seleção e geração/difusão (POSSAS, 1989).

Ao trabalhar nessas proposições, o programa neoschumpeteriano adianta uma abordagem sistêmica em que o processo inovativo é construído a partir de interações múltiplas entre os diversos atores e o seu ambiente circundante – discussão que culmina na

15 NELSON, R. As Fontes do Crescimento Econômico. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

16 No sentido daquela unidade de capital avolumar-se relativamente ao mercado em questão, sendo a

participação de mercado uma métrica usual; e não tanto de ser um processo de crescimento que não se utiliza de aquisições.

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ideia de sistemas de inovação –, ainda que um dos fundamentos, e de fato, objeto recorrente na agenda de pesquisa, tenha sido a relação das firmas per se com o processo inovativo, concentrando-se nas ponderações intrafirmas. Efetivamente, a dimensão genotípica da analogia biológica proposta por Nelson e Winter (1977; 2005) refere-se a uma caracterização da firma que se contrapõe à ‘caixa preta’ do mundo neoclássico – na conhecida metáfora de Rosemberg (200617 apud CASTELLI, 2017) – e que remete a ideia

de rotinas organizacionais, e de firmas como um nexo de rotinas organizacionais, como o replicador socioeconômico análogo aos genes no mundo orgânico: “São características persistentes do organismo e determinam seu comportamento possível (embora o comportamento real também seja determinado pelo meio ambiente)” (NELSON; WINTER, 2005, p. 33).

Com efeito, Nelson e Winter (2005) fazem avançar uma conceituação de firma como que uma entidade baseada em aprendizados e na gestão do conhecimento (ou learn based), e cujos processos decisórios e suas heurísticas comportamentais são algo rotinizados e substanciados em protocolos e regras de decisão internos, elementos que lhes permitem construir competências que resultem em vantagens competitivas diversas a serem postas à prova no ambiente competitivo sancionador18. Nesses termos, as rotinas referem-se à forma pela qual as organizações, no seu exercício de concretamente funcionar, respondem ao que Nelson e Winter (2002) chamam de ‘dilema da competência’: a capacidade de performar satisfatoriamente em condições de racionalidade limitada e contextos continuamente sujeitos a movimentos disruptivos – isso é, sujeitas aos ditames da competição schumpeteriana. Seguindo Schumpeter, avançam na caracterização da dinâmica competitiva como que envolvendo “a incerteza, os ganhos e perdas transitórios, o caráter irregular e hesitante do avança técnico e a diversidade das características e estratégias das firmas” (NELSON; WINTER, 2005, p. 52).

Na medida em que as rotinas envolvem a capacidade das firmas em se organizar internamente de forma coordenada, processual, com fim de atingir algum propósito, operam como padrões repetitivos de interação coletiva – isso é, na organização interna do trabalho – sujeitos a mudanças diante das variações de contexto (WINTER, 2000). De fato, são adotadas regras de decisão rotineiras (apoiadas normalmente em algum tipo de norma

17 ROSEMBERG, N. Por dentro da caixa-preta: tecnologia e economia. Campinhas: Unicamp, 2006. 18 Dois desdobramentos desse enfoque têm sido os conceitos de competência central (DOSI, TEECE e

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habitual ou convencional) que, assentadas nas histórias dos agentes, conformam padrões comportamentais definidos. Segundo Nelson e Winter (1977), regras práticas simples acabam por revelar-se linhas de menor risco e o conjunto de regras práticas de conduta configurará o que os autores denominam uma estratégia.

Assim, ao contrário da representação neoclássica, fundada em conjuntos de produção bem definidos (as ‘tecnologias’) e comportamento maximizador, na teoria evolucionária da firma avançado por Nelson e Winter (2005) as competências e conhecimentos – estabelecidos nos processos de fazer e decidir – são indissociáveis e estão substanciados nas rotinas de diversos níveis.Notadamente, a natureza tácita e objetivamente não articulável de boa dos conhecimentos manejados pelas firmas implica que os processos de aprendizagem e construção de rotinas são dependentes de trajetória, o que impõe custos efetivos ou potenciais às organizações (NELSON; WINTER, 2005, p. 121). Esses custos referem-se tanto ao aprendizado per se quanto ao relativo aprisionamento (lock-in) que uma determinada rotina já maturada impõe à firma na medida em que é oneroso abandoná-la e optar por outra (WINTER, 2000). Mais importante, essa característica implica que as firmas e organizações são necessariamente diferentes entre si, no sentido de terem cada qual uma história particular de construção de rotinas, aprendizados e a eventual efetivação desses elementos em vantagens competitivas, no que resulta em variedade e heterogeneidade. Ainda assim, por outro lado, a dinâmica seletiva do mercado, isso é, um mesmo contexto competitivo, tende a conformar soluções similares nesse ambiente de variedade, de tal forma existir a cada momento uma aproximação das rotinas associadas às firmas bem sucedidas (WINTER, 2000). É nesse sentido que a firma é a unidade de análise da concorrência schumpeteriana na medida em que é a entidade de decisão e apropriação dos ganhos; e o mercado é o sou lócus, definido como o espaço de interação competitiva sancionadora entre as organizações em sua rivalidade e orientação estratégica (POSSAS, 1989).

No caso particular do progresso técnico, as rotinas organizacionais se expressam em determinadas heurísticas de busca por inovações, envolvendo, por exemplo, o gasto de uma determinada fração do faturamento em P&D, ordenação de projetos potencialmente rentáveis, estratégias particulares de prospecção tecnológica, atividades de engenharia reversa e formas de importação e atualização tecnológica pela compra de bens de capital (POSSAS, 1989).

No enfoque evolucionário, portanto, as tecnologias não são dadas e acessíveis como se fossem bens públicos transacionais em mercados bem definidos, e de difusão e

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incorporação trivial e potencialmente plena pelas organizações. São antes a resultante do processo de aprendizagem (fora e dentro da organização) e manejo de algum conhecimento – tanto de natureza científica quanto performático –, no mais das vezes com uma significativa dimensão tácita (em ambos os casos), substanciado em rotinas organizacionais e orientado como um processo de solução de problemas (NELSON; DOSI, 2010). Com efeito, Dosi (2005, p. 38) observa que, a despeito da crescente participação de insumos científicos, bem como da crescente complexidade de atividade de pesquisa, o que a torna uma questão de planejamento de longo prazo para as firmas e envolve uma avantajada institucionalidade, ainda assim o processo é inexoravelmente incerto, conquanto não o seja estritamente aleatório. Isso se dá tanto uma vez que a direção do progresso técnico é muitas vezes definido pela fronteira da tecnologia em uso, justamente na medida em que a probabilidade das organizações efetuarem algum avanço técnico é condicionada, dentre outros elementos, pelos níveis tecnológicos já alcançados por essas organizações.

Ao movimento ex ante, outrossim, de heurísticas (ou estratégias) de busca de inovação, o marco evolucionário neoschumpeteriano acopla a ideia do mercado e de outras instituições como um lócus de seleção operando ex post, em que essa dinâmica gera um movimento cumulativo e evolucionário de transformação. Esse movimento envolve tanto as firmas, seu crescimento e ocaso, a própria estrutura de mercado e, tão importante quanto, as próprias tecnologias, numa dinâmica que apresenta regularidades e portanto passa a ser teorizável (POSSAS, 1989).

Com efeito, o desenvolver e sancionar das tecnologias se dá em disposições relativamente regulares, assentadas em características próprias, tanto tecnológicas quanto econômicas do processo de inovação. Nesses termos, autores como Dosi (2006) e Nelson e Winter (1977, 2005), têm recorrido à ideia de paradigmas e trajetórias tecnológicas para dar conta desses fenômenos.

2.1.3 Paradigmas e Trajetórias Tecnológicas

Tanto quanto a dinâmica competitiva, os neoschumpeterianos têm avançado na proposição de que o próprio desenvolver das tecnologias se dá em linhas análogas a um processo evolucionário, em que alternativas tecnológicas competem uma com as outras, com seleção ex post determinando os vencedores e perdedores, prevalecendo considerável incerteza ex ante sobre qual será a direção do progresso tecnológico (DOSI, 1988).

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