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3 DESINDUSTRIALIZAÇÃO EM DEBATE NO BRASIL

3.4 O DEBATE BRASILEIRO RECENTE

3.4.2 Uma perspectiva novo-desenvolvimentista

Um segundo grupo de autores tem articulado a problemática da desindustrialização brasileira a partir de uma visão kaldoriana do crescimento e especialização produtiva – e portanto alheia à ortodoxia –, ainda que vinculando o fenômeno da desindustrialização, como a perspectiva pregressa, ao debate e às condicionantes macroeconômicas. Destacados os atributos kaldorianos da manufatura, essa segunda perspectiva associa o processo desindustrializante brasileiro, entendido explicitamente como de natureza precoce, à tendência macroeconômica cíclica de sobrevalorização da taxa de câmbio que seria típica de países de renda média com posições ricardianas em commodities, o que levaria a uma sistemática disposição em apresentar, com intensidades diferentes, as disfunções associadas à doença holandesa. Teoricamente, esse marco está fundado e articulado na chamada macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, que é, segundo Bresser-Pereira (2012), uma atualização das teorias estruturalista do desenvolvimento dominantes entre os anos 1940 e 1960, e que fundamenta uma nova estratégia nacional de desenvolvimento, o Novo- Desenvolvimentismo (BRESSER-PEREIRA, 2012). Destarte, seguindo Hirutaki e Sarti (2017), Silva e Lourenço (2014) e Vergnhanini (2013), designamos essa interpretação como novo-desenvolvimentista. Outrossim, por vinculação institucional, Pereira e Cairo (2017) sugerem tratar essa perspectiva como a “Escola da Fundação Getúlio Vargas – SP”.

Dentre esta corrente interpretativa, podem ser citados os trabalhos de Bresser-Pereira e Marconi (2008), Oreiro e Feijó (2010), Bresser-Pereira (2012) e Marconi e Rocha (2012). Adicionalmente, poderíamos incluir Palma (2005; 2014), ainda que o autor não se detenha estritamente sobre o caso brasileiro. Como discutido anteriormente, Palma (2005) alarga o conceito clássico de doença holandesa, incluindo mudanças nos arranjos das políticas de crescimento, como os modelos liberalizantes presenciados nos anos 1980 e 1990 na América Latina. Nesses termos, os países do cone sul desta região – Brasil incluso – estariam experienciando uma desindustrialização precoce.

Outrossim, Bresser-Pereira (2012) organiza o marco novo-desenvolvimentista tanto quanto adianta o principal argumento teórico. Países de renda média, como o Brasil, ao terem vantagens comparativas e absolutas de custos na produção de commodities, obtêm rendas ricardianas que os fazem, tendencialmente, sobreapreciar a taxa de câmbio. Ademais, ao praticarem políticas de crescimento equivocadas, baseadas na poupança externa, no aumento irresponsável das despesas do Estado e no populismo cambial – a fim de manter elevados artificialmente os salários reais – esses países intensificam a entrada excessiva de capitais externos que, cumulativamente, reforçam a tendência à sobreapreciação e levam, adicionalmente, a uma dinâmica cíclica de crise no balanço de pagamentos. Mais importante, essa dupla causação resulta no surgimento de uma sistemática de doença holandesa, manifesta na medida em que nessas economias passam a coexistir duas taxas de câmbio de equilíbrio: a taxa de câmbio de equilíbrio corrente, que equaliza intertemporalmente a conta corrente do país; e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial, que é a taxa que viabilizaria a produção competitiva no país de outros bens comercializáveis que não o que dão origem às rendas ricardianas. Assim, no marco novo-desenvolvimentista a doença holandesa é uma grave falha de mercado e sua intensidade é definida pelo diferencial entre essas duas taxas de câmbio (BRESSER-PEREIRA, 2012).

Para o autor, notadamente, a taxa de câmbio estaria no centro da discussão sobre o desenvolvimento, pois funcionaria como uma espécie de interruptor que “ligaria” ou “desligaria” as empresas industriais tecnológicas e administrativamente competentes à demanda mundial. A capacidade dessas empresas em se fazerem competitivas nos mercados internacionais, além de serem um vetor de dinamismo interno31, também indicaria um critério de eficiência a balizar as decisões e os instrumentos de política industrial.

31 Segundo Bresser-Pereira e Marconi (2008) o incremento das exportações de manufaturados contribui para o

Destarte, o trabalho de Bresser-Pereira e Marconi (2008), analisando até o ano de 2007, se propõe a vincular a evolução da manufatura nacional, notadamente a partir de indicadores de valor adicionado por saldo comercial, diferenciados por categorias de produtos (commodities e manufaturados), à dinâmica de uma desindustrialização causada por doença holandesa. Outrossim, os autores argumentam que essa sistemática se impôs ao país desde o começo dos anos 1990, quando uma série de mecanismos que até então a neutralizavam foram desmantelados32. Ademais, pontuam que até 2002 a doença holandesa

observada foi de intensidade moderada, se acentuando principalmente a partir de 2003, quando o crescimento mais intenso da demanda internacional por commodities, bem como dos seus preços, conjugado à prática de um diferencial elevado entre as taxas de juros interna e externa, contribui para apreciar a taxa de câmbio e agravar os impactos da doença holandesa no país. Com efeito, deste momento em diante a evolução da balança comercial de commodities evoluiu de forma desassociada da taxa de câmbio, o que seria mais um indicativo de doença holandesa.

Isso posto, Bresser-Pereira e Marconi (2008, p. 15) argumentam que, ainda que a participação observada da indústria no valor adicionado total tenha se mantido estável entre 1996 e 2007 (ao redor de 12%, nas suas estimativas), a participação das commodities viu sua fatia se elevar de 14% para 20,2% no mesmo período, não atingindo mais negativamente os manufaturados porque nesse ínterim os não-comercializáveis (serviços mas também construção civil e serviços industriais de utilidade pública33) diminuíram sua participação na renda do país. Outrossim, do ponto de vista da balança comercial, o saldo de commodities apresentou um resultado crescente – passando de US$ 11 bilhões em 1992 para US$ 46,8 bilhões em 2007 – ao passo que o saldo de manufaturas reverteu-se de um superávit de US$ 4 bilhões em 1992 para um déficit de US$ 9,8 bilhões em 2007. Destarte, os autores concluem: “não houve desindustrialização em relação ao PIB, mas houve em relação às commodities” (BRESSER-PEREIRA; MARCONI, 2008, p. 15).

O trabalho de Oreiro e Feijó (2010), por sua vez, busca articular teoricamente a problemática da desindustrialização em termos conceitualmente mais bem definidos,

manufatura, exerce um impacto positivo e encadeador sobre a produtividade e a renda per capita de toda a economia e; (ii) pelo lado da oferta, gerando externalidades na medida em que a concorrência externa induz a inovação e melhoramentos que, por transbordo tecnológico, afetam o restante da economia.

32 Políticas de controles tarifários, alfandegários e cambiais, que taxavam a receita de exportações de

commodities e desestimulava a importação de produtos manufaturados (BRESSER-PEREIRA; MARCONI, 2008, p. 9). De outra forma, os autores afirmam que as liberalizações no começo da década também foram importante posto que aumentaram o acesso aos mercados internacionais.

invocando inclusive a literatura internacional especializada, notadamente os autores discutidos anteriormente neste capítulo – isso é, Tregenna (2008), Rowthorn e Ramaswany (1997) e Palma (2005). Assim, partindo de Tregenna (2008) observam que a expansão da produção industrial não é suficiente para descartar, a priori, a inexistência de desindustrialização. Ademais, ainda que a desindustrialização não esteja necessariamente associada a uma reprimarização da pauta de exportação, quando esta é concomitante à perda de participação relativa da manufatura (tanto em valor adicionado quanto no emprego industrial), então há indicadores de desindustrialização causada por doença holandesa.

De fato, observando a participação em valores constantes de 1995 da manufatura no PIB entre os anos de 1996 e 2008, ao que se coaduna a dinâmica da balança comercial apontados por Bresser-Pereira e Marconi (2008) e a alteração do regime cambial de 1999 em diante, os autores concluem haver pouca margem para dúvida a respeito de um processo de desindustrialização da economia brasileira, bem como dos sinais da ocorrência de doença holandesa.

Marconi e Rocha (2012) buscam replicar o estudo de Rowthorn e Ramaswamy (1999) para o Brasil, analisando a participação relativa da manufatura no valor adicionado a partir de um exercício econométrico com dados em painel para o período entre 1995 e 2008. Incluem adicionalmente entre as variáveis explicativas a taxa de câmbio e a participação dos insumos importados no processo produtivo da manufatura. Assim, dentre as causas internas e externas originalmente dispostas em Rowthorn e Ramaswamy (1999), os autores (p. 881) encontram coeficientes com os sinais esperados ainda que nem sempre estatisticamente significativos. Notadamente, em relação à taxa de câmbio, os resultados indicam coeficientes positivos e significativos que permitem concluir haver uma associação entre a desvalorização real do câmbio e a maior participação relativa da manufatura no valor adicionado, e vice-versa.

Ademais, os resultados indicam que o índice construído para avaliar o coeficiente de insumos importados – denominado CINSU – exerce efeitos negativos e estatisticamente significantes sobre o valor agregado na manufatura. Destarte, Marconi e Rocha (2012) concluem não ser possível recusar a hipótese de que a valorização cambial esteja contribuindo para o processo precoce de desindustrialização da economia brasileira; ademais, observam também não ser possível declinar da hipótese de que a intensificação da participação de insumos importados – um processo de transformação em maquilas da

indústria nacional – seja mais relevante que o efeito positivo, para a produção manufatureira, decorrente da especialização vertical de bens exportáveis.

A abordagem novo-desenvolvimentista, portanto, advoga que o Brasil estaria presenciando um processo de desindustrialização precoce, causado pelas disfunções associados à doença holandesa, notadamente uma sobreapreciação cíclica do câmbio, ao que esse quadro se refletiria em uma fragilização externa derivada de uma especialização regressiva, com atividades de baixa intensidade tecnológica galgando participação relativa na pauta exportadora, bem como com um aumento significativo da oferta doméstica de insumos e produtos finais a partir das importações.