• Nenhum resultado encontrado

3 DESINDUSTRIALIZAÇÃO EM DEBATE NO BRASIL

3.4 O DEBATE BRASILEIRO RECENTE

3.4.1 Uma perspectiva ortodoxa

Uma primeira perspectiva dentre o debate brasileiro envolve uma vinculação mais aproximada com os cânones da ortodoxia, principalmente no sentido de entender que o perfil setorial de uma economia não tem influência significativa sobre o crescimento econômico. Destarte, esse primeiro grupo de autores estaria mais associado, nos conformes que Palma (2005) diferencia dentre a literatura sobre crescimento27, às conclusões dos modelos neoclássicos tradicionais – onde o crescimento é a conjunção da acumulação de fatores de produção e do progresso técnico (que é dado ou exógeno) – e dos novos modelos de crescimento endógeno com retornos crescentes a partir de falhas de mercado. A partir da

27 Como adiantando na introdução deste capítulo (ver página 67), Palma (2005, p. 103-105) diferencia a

literatura sobre crescimento, no que se refere a relevância da estrutura produtiva, em três campos: (i) indiferente ao setor a atividade; (ii) indiferente ao setor mas atividade-dependente e; (iii) setor dependente porém indiferente à atividade.

vinculação institucional, Pereira e Cairo (2017) denominam essa perspectiva como a “Escola da PUC - RJ/Casa das Garças”.

Outrossim, Pereira e Cairo (2017) observam que a interpretação desse grupo de autores sobre o processo desindustrializante brasileiro envolve a vinculação de quatro dimensões: a dimensão internacional, os problemas metodológicos referentes às séries da participação relativa do valor adicionado pela indústria28 no VAB, a fase da

“sobreindustrialização” brasileira (ou doença soviética), e o problema da insuficiência de poupança doméstica. Silva e Lourenço (2014), por sua vez, vinculam duas teses a esse polo interpretativo: desindustrialização como resultante da exposição da manufatura nacional à concorrência externa, sendo antes um processo de reestruturação produtiva e de correção de excessos; a desindustrialização brasileira como convergência do nível de industrialização brasileiro ao nível mundial. Adicionalmente, Vergnhanini (2013, p. 67) observa que essa perspectiva aceita implicitamente a caracterização clássica de desindustrialização como um processo natural (ROWTHORN; RAMASWAMY, 1997), ao que, ocorrendo em níveis de renda per capita mais baixos, como o brasileiro, deve ser tratado como reestruturação produtiva.

Destarte, entre os trabalhos mais ou menos alinhados nessa caracterização, podem ser citados, dentre os mais recentes, Bonelli et al. (2013), Bacha (2013), Pastore et al (2013), Bonelli e Pessoa (2010) e Lazzarini et al (2013)29. Notadamente, cada um desses trabalhos realça ou foca em alguns dos elementos citados previamente.

O trabalho de Bonelli et al. (2013), uma atualização dos argumentos já avançados em Bonelli e Pessoa (2010), além de reiterar a necessidade de correções metodológicas para a análise das séries das Contas Nacionais do IBE, marcadamente as atualizações de 1989 e 1994 – argumento de resto já apresentado na seção pregressa sobre a evolução da participação do valor adicionado da indústria no PIB – busca situar o Brasil comparativamente a um conjunto de 170 países, abarcando o período que se estende dos anos 1970 em diante. Um primeiro fato que os autores chamam à atenção é a constatação de que a indústria, ao longo desse período, tem perdido peso globalmente, com exceção da Ásia e do Oriente Médio. Ademais, observam o fraco desempenho da indústria global nas últimas décadas e os efeitos sobre a distribuição geográfica mundial da manufatura com a integração da China e da Índia às cadeias de comércio internacional.

28 Tópico já apresentado nas seções pregressas.

29 A maior parte dessas análises encontra-se no livro ‘O Futuro da Indústria no Brasil: desindustrialização em

Partindo de um exercício econométrico em dados transversais (cross-section) para os diferentes países da amostra, os autores buscam verificar a participação da indústria brasileira em relação ao previsto pelas regressões, dadas as informações de câmbio real, taxa de poupança, PIB per capita, PIB per capita ao quadrado, populações e densidade populacional, variáveis outrossim indicadas pela literatura e que apresentaram significância estatística suficiente. Os resultados encontrados pelos autores mostram que, ao longo do tempo, o Brasil passou de uma situação denominada de “doença soviética”, isto é, com uma participação da indústria muito superior à norma internacional nas décadas de 1970 e 1980 (mais especificamente até 1987), convergindo então para a situação normal ente 1988 e 1993 e passando a ter uma participação da indústria no PIB um pouco inferior ao que seria esperado a partir de então. Ou seja, o movimento que se observa seria apenas uma correção de rota, dado o excesso de industrialização provocado pelo modelo de substituição de importações (BONELLI et al, 2013; BONELLI; PESSOA, 2010).

Ademais, os autores observam um turning point declinante ao longo do tempo no nível de inflexão da participação estimada da manufatura em relação à renda per capita, resultado compatível com o disposto em Palma (2005). Nesse sentido, a correção da manufatura nacional em termos de participação estaria em linha com o esperado para essa dinâmica, o que, em certo sentido, envolve um alinhamento com percepção da desindustrialização, no seu sentido clássico, como um movimento natural, mesmo para países de renda média como o Brasil.

O trabalho de Bacha (2013), focando-se no período 2005-2011, associa a perda da indústria no PIB à combinação de preços de commodities elevados e grande entrada de capitais estrangeiros, possibilitando a elevação da absorção interna em taxas superiores ao crescimento do PIB. Com efeito, em conjunção com o mix de políticas macroeconômicas expansionistas praticadas no período, o autor observa que, a partir de um modelo simples de uma economia com dois setores – um produtor de bens comerciáveis (tradables) e outo produtor de bens domésticos (nom-tradables) –, essa confluência de fatores faz crescer internamente a demanda por bens domésticos, ao que, num mercado de trabalho aquecido com aumentos reais dos salários, desloca a alocação de fatores para o setor de nom- tradables. Na medida em que a indústria está associada ao setor de bens comerciáveis, com o deslocamento da mão de obra para o setor de serviços, essa dinâmica é causa suficiente para explicar a redução da participação relativa da manufatura no PIB observada no período.

Adicionalmente, em grande medida a causa desse movimento em direção a uma doença holandesa30 moderada estaria muito mais na escassez da poupança interna, e do regime de política macroeconômicas equivocadas, principalmente a política fiscal expansionista ao longo da segunda metade dos anos 2000, que provocaria uma valorização cambial e um ajustamento estrutural em direção a atividades nom-tradables (serviços) em contraposição as atividades tradables (indústria). O câmbio valorizado seria a disposição macroeconômica, isso é, a partir de um preço relativo, da escassez relativa de poupança doméstica (BONELLI; PESSOA, 2010). Nesse termos, ainda que trate da doença holandesa, um tema caro à abordagem novo-desenvolvimentista, como teremos a oportunidade de detalhar na próxima seção, a causa proposta por Bacha (2013) flui de maneira diversa, como observado.

O trabalho de Pastore et al (2013) tem um horizonte temporal ainda menor, pois pretende explicar a estagnação da produção industrial a partir de 2010. De acordo com os autores a explicação estaria associada a um crescimento dos salários reais acima da produtividade. A expansão da demanda por bens em geral e, em especial, pelo setor de serviços elevou a demanda por mão de obra, pressionando os salários, que, além disso, já vinham crescendo por conta da política de valorização do salário mínimo. Ademais, o impacto da crise internacional e a política de retenção de trabalhadores, dada a situação próxima do pleno emprego, teria acentuado a queda da produtividade, elevando os custos do trabalho em dólares. Estas elevações de custos, combinados com o cenário internacional adverso nos anos seguintes à crise internacional seria a explicação para estagnação da produção industrial.

Lazzarini et al (2013), por sua vez, ao observarem que a participação das commodities (agrícolas, combustíveis, minerais e metais) na pauta exportadora brasileira eleva-se de algo como 50% em 2001 para mais de 70% em 2011, redimensionam a relevância da indústria como ‘motor do crescimento’ e, portanto, do debate sobre desindustrialização, ou ainda, do tema conexo da reprimarização da pauta de exportação. Analisando dados intra-setoriais do valor adicionado médio por trabalhador no período 1996-2009, os autores argumentam que as modernas cadeias vinculadas às commodities – o que inclui tanto a produção destas bem como a produção, a montante, dos insumos – exibem tanto ou até mais valor adicionado que os bens manufaturados acabados – ao que a defesa clássica (a partir do que o autores denominam mitos) faz crer terem maior capacidade de

dinamizar a economia nacional –tendo apresentado, inclusive, ganhos contínuos de produtividade a partir de inovações ocorridas nas suas cadeias produtivas.

A interpretação ortodoxa, portanto, ainda que indique efetivamente a ocorrência de um processo desindustrializante na economia brasileira ao longo do novo século, tende a interpretar esse movimento como um prolongamento da reestruturação produtiva que toma forma dos anos 1990 em diante, vinculando-o à convergência do Brasil, de uma situação de sobreindustrialização – resultante do longo ciclo associado ao modelo de substituição de importações até os anos 1980 –, aos parâmetros internacionais normais de participação da indústria. Ademais, pontualmente da segunda metade da década de 2000, a confluência de uma bonança externa a partir do crescimento da exportação de commodities, políticas macroeconômicas expansionistas e a anêmica situação de baixa poupança doméstica, teriam levado à apreciação cambial e ao aquecimento do mercado de trabalho, com ganhos salariais reais, explicando o desempenho periclitante da manufatura nacional.