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4 UMA VINCULAÇÃO EVOLUCIONÁRIA

4.1 UM APARTE TEÓRICO: CO-EVOLUÇÃO DE TECNOLOGIAS E

Como procuramos detalhar no primeiro capítulo, a conjunção dos programas neoschumpeteriano e institucionalista – ainda que este último não na totalidade do seu ‘corpo de conhecimento’ – oferece um marco metodologicamente evolucionário para lidar com o problema da mudança econômica. Com efeito, um corolário dessa aproximação refere-se a percepção de que a evolução do sistema econômico é condicionada pela

2 De resto, como aponta Castelli (2017, p. 281), em função da sua da natureza abstrata, muitos dos conceitos da

perspectiva evolucionária institucionalista são metodologicamente de difícil aplicação, o que resultada na dificuldade de construir índices e proxys que os mensurem.

complexa interação entre os processos evolucionários de mudança técnica – do qual os neoschumpeterianos, sobremaneira, se ocupam – e de mudança institucional – objeto, evidentemente, do qual se ocupam as tradições institucionalistas. É nesse sentido que os fenômenos do crescimento e desenvolvimento econômico podem ser entendidos como que resultantes de um processo de co-evolução das tecnologias e das instituições que as recepcionam e influenciam. Mais importante, esse circuito interativo está inserido em “diferentes realidades regionais” que lhes dão especificidades e historicidades próprias (CONCEIÇÃO, 2013, p. 119). Destarte, se a problemática da desindustrialização deve ser vista como uma dinâmica de mudança e transformação econômica, ela abarca teoricamente esse tipo de interação.

De fato, conquanto tenhamos detalhado alguns dos conceitos nucleares daquelas perspectivas ao longo do primeiro capítulo, não avançamos propriamente na construção de uma ‘ponte’ a conectar esses marcos teóricos. E não por outro motivo, a integração da mudança institucional nos modelos evolucionários de crescimento tem sido um dos fronts de pesquisa nessa área, com muitos enquadramentos não resolvidos, ainda que o potencial seja promissor (NELSON, 2002). Num sentido amplo, os teóricos da inovação desde sempre perceberam que o avanço tecnológico é influenciado pelas estruturas institucionais que o suportam; que as instituições vigorosamente condicionam se e o quão efetiva é a aceitação e o padrão de difusão das novas tecnologias pelo sistema econômico (NELSON, 2002; 2008). Assim, uma primeira aproximação dentre a literatura neoschumpeteriana tem se dado a partir do conceito de sistema de inovação. Esse constructo teórico, como pontua Albuquerque (2007), pode ser visto como uma síntese da abordagem evolucionária neoschumpeteriana. Destarte, mais do que a acumulação interna de capacidades (substanciadas em ‘boas’ rotinas) pelas firmas, o conceito enfatiza o fundamento sistêmico do desempenho inovativo de um país, de uma região ou de um setor, ainda que uma definição estrita não esteja pacificada na literatura. No seu núcleo está a ideia de que o ritmo e direção das inovações se dá a partir de uma conjunção de firmas, organizações diversas e instituições – com, no mais das vezes, essa literatura tratando instituições como entidades ou organizações (NELSON, 2008) – e dos padrões de competição, cooperação e aprendizagem que se formatam nesse emaranhado de relações.

Marcadamente, Metcalfe (2001) adianta a ideia de que a interação entre os sistemas de inovação e os mercados, no sentido schumpeteriano de endogenamente gerar novidades e mudança qualitativa, é essencialmente um nexo institucional. Com efeito, as estruturas

institucionais que abarcam as relações descritas pela abordagem dos sistemas de inovação efetivamente prolongam e aprofundam as capacidades das firmas em inovar na medida em que dão forma a uma divisão do trabalho estendida na geração e acumulação de conhecimento (científico, tecnológico e social). As instituições tanto modulam o padrão socialmente estabelecido de acumular esses conhecimentos, no sentido, por exemplo, de estabelecer as ‘regras do jogo’, quanto estabelecem algumas das vinculações cognitivas mais fundamentais, em termos de disposições comportamentais ou hábitos de pensamento e ação, na interação entre os múltiplos atores no processo de busca de inovação. Destarte, em Metcalfe (2001) a percepção schumpeteriana do capitalismo como uma ‘máquina de mudança’ se dá na exata medida em que essa vinculação institucional permite e aprofunda o gerar endógeno do progresso técnico: “Capitalism is restless because knowledge is restless” (METCALFE, 2001, p. 561).

Em consonância, partindo de uma leitura institucionalista, Zysman (19943 apud Conceição, 2008) adianta a noção de que as trajetórias de crescimento econômico – na medida em que se dão pela existência de padrões de inovação e de desenvolvimento tecnológico –, são institucionalmente criadas a partir do seu enraizamento nos próprios arranjos institucionais e nas idiossincrasias socioeconômicas locais. Com efeito, as variadas realidades locais dão especificidades e historicidades próprias às trajetórias possíveis, na medida em que estabelecem diferentes formas de organizar os diversos ambientes nacionais (CONCEIÇÃO, 2008). E não somente, essas estruturas institucionais enraizadas no contexto histórico de um coletivo em particular dão forma ao próprio processo de aprendizagem que fundamenta o progresso técnico. Destarte, as trajetórias tecnológicas só podem ser percebidas em relação a esses balizadores locais (ZYSMAN, 1994, p. 261 apud CONCEIÇÃO, 2008, p. 94).

Outrossim, um nível de interseção ainda mais fundamental dentre o nexo evolucionário institucionalista tem sido sugerido pelos trabalhos de Nelson e Sampat (2001) e Nelson (2002; 2008). Como pontua Nelson (2002), ambas as tradições evolucionárias comungam de uma premissa comportamental central, em que a ação humana deve ser entendida majoritariamente em termos de hábitos compartilhados de ação e pensamento, e com a evolução desses padrões como que resultantes de processos individuais e coletivos de aprendizagem. Esse seria um núcleo comum comportamental aos ambientes evolucionários

3 ZYSMAN, J. How institutions create historically rooted trajectories of growth. Industrial and Corporate Change, v. 3, n. 1, p. 243-283, 1994.

dos quais tratam as duas perspectivas. Destarte, Nelson e Sampat (2001) e Nelson (2002) sugerem que o conceito de rotina organizacional, adiantado em Nelson e Winter (2005), oferece uma linguagem em comum para tratar da co-evolução das tecnologias e das instituições e, portanto, abrir uma ‘ponte’ entre as perspectivas evolucionárias em economia. A natureza programática4 das rotinas organizacionais permite diferenciar o que Nelson e Sampat (2001) tratam como tecnologias físicas e sociais. As tecnologias físicas referem-se ao aspecto sequencial, de ‘receita’ ou de encadeamento de atividades, no mais nucleados em artefatos físicos, e que é indiferente à organização do trabalho necessária para efetivá-lo. As tecnologias sociais, por sua vez, referem-se precisamente à forma de organizar e coordenar o trabalho tanto dentro das organizações, quanto nas suas relações em padrões específicos de governança – ao que pode ser associado à ideia de Williamson (2000) de um contínuo entre mercados e hierarquias. Outrossim, Nelson e Sampat (2001) argumentam que essa distinção permite ‘desempacotar’ o conceito de instituição. Nesse esquema analítico, as instituições referem-se às estruturas e forças que moldam e estabilizam tecnologias sociais específicas. Como tal, abarcam desde estruturas formais, como leis, regramentos e entidades, quanto disposições comportamentais amplas, como hábitos de pensamento e crenças compartilhadas a permear essas estruturas5.

Destarte, como coloca Nelson (2008), essa caracterização ampla do arranjo institucional desloca a questão relevante da abordagem evolucionário para o porquê de tecnologias físicas e sociais específicas se apresentarem como tal. Nesses termos, a dinâmica de mudança institucional passa a ser uma dimensão conformativa da co-evolução das tecnologias físicas e sociais; e destas para o processo de crescimento econômico como que puxado pelo progresso técnico. Algumas instituições, num primeiro momento, provém o pano de fundo onde as tecnologias evoluem; outras instituições mudam como uma parte essencial da própria evolução daquelas.

Mais especificamente, Nelson (2008) argumenta que as tecnologias sociais apresentam a capacidade de se “auto-institucionalizar”, isso é, de se estabelecer e estabilizar. Por um lado, o comportamento recorrente imbuído em padrões específicos de organização do trabalho, na medida em que passa a ser familiar, impor autoridade normativa e gerar expectativas comportamentais estáveis, reforça os mecanismos de habituação – e no que aproxima esse elo da discussão detalhada no primeiro capítulo sobre a causação vebleniana

4 Ver páginas 26-28.

–; por outro, as tecnologias sociais tendem a se formatar em ‘sistemas de sistemas’, havendo portanto custos agregados em se alterar uma tecnologia específica. Ademais, da mesma forma que as tecnologias físicas, ainda que em menor medida, o manejo das tecnologias sociais implica em aprendizados que se acumulam em trajetórias análogas aos das tecnologias físicas, o que implica em sistemáticas de dependência de trajetória, aprisionamento (lock-in) e, em última instância, inércia institucional.

Ainda assim, o processo de evolução das tecnologias sociais e das instituições que lhes suportam é consideravelmente mais errático, difícil e incerto quando em comparação ao evoluir das tecnologias físicas. Efetivamente, as tecnologias sociais são menos passíveis de serem quantificadas e administradas em parâmetros precisos de controle; no mais das vezes é comparativamente difícil obter evidências claras das vantagens dos novos arranjos, mesmo quando já há um acumulo de experiências no seu manejo. De fato, o próprio processo de aprendizagem coletiva sobre o que funciona ou não é problemático e menos evidente, com muitas características idiossincráticas e contextuais determinando o desempenho aparente de um certo arranjo organizacional. As tecnologias físicas, por sua vez, são menos contexto- dependentes, ao menos no seu utilizar. Vários dos parâmetros definidos como relevantes ao longo das suas trajetórias de desenvolvimento podem ser otimizados no próprio hardware (NELSON, 2008).

Nota-se, ademais, que essa caracterização alinha-se com as noções de paradigmas e trajetórias tecnológicas de Dosi (2005). Lá como aqui as instituições desempenham um papel fundamental em dar forma a essas diferentes instâncias do progresso técnico.

Isso posto, um nível mais agregado de conjunção dentre o nexo evolucionário institucionalista pode ser pensando a partir do modelo histórico-analítico proposto por Freeman e Perez (1988). De fato, essa abordagem, fundada nas ideias de revoluções tecnológicas e paradigmas tecno-econômicos, se ocupa dos longos ciclos de desenvolvimento e acumulação no capitalismo histórico, justamente enfatizando como o padrão clusterizado e cíclico de novas e disruptivas tecnologias revitalizam periodicamente o tecido socioeconômico na medida em que fazem estabelecer uma série de novos hábitos de ação e pensamento, alavancando novos e mais elevados períodos de crescimento.

Com efeito, como procuramos detalhar no Capítulo 1, o processo de avanço de um novo cluster de tecnologias radicais – uma revolução tecnológica – é também um processo de conformação de novas práticas nos mais diferentes campos de interação social. É um processo coletivo de aprendizado de como lidar com as novas tecnologias, que

vigorosamente se impõem pelas suas qualidades tecno-econômicas, e que enseja a transformação do ambiente social e institucional que recepciona essas mudanças (PEREZ, 2010). É nesses termos que as revoluções tecnológicas trazem consigo uma mudança paradigmática do próprio tecido econômico, dos modelos mentais e padrões de comportamento que guiam as decisões dentre as novas possibilidades abertas pela intensa mudança técnica em curso.

Destarte, um paradigma tecno-econômico mobiliza a base técnica e econômica das novas tecnologias, articulando-a em uma nova institucionalidade que gradativamente surge conforme o difundir bem sucedido das novas tecnologias e padrões organizacionais – ou tecnologias sociais – se efetiva (PEREZ, 2002). Com efeito, o marco originalmente adiantado em Perez e Freeman (1988) trata do sentido amplo de uma multiplicidade de novas tecnologias físicas e sociais, a da natureza clusterizada desse desenvolvimento, que se faz estabelecer pelo seu enraizamento (embeddedness) institucional, ainda que não sem conflito e descontinuidades, ao longo das longas trajetórias de desenvolvimento capitalista. É, nesses termos, perfeitamente compatível com a ‘linguagem’ proposta por Nelson (2002) e com a noção de desempacotar o conceito de instituição.

Por fim, um último front a ser citado aqui de conjunção dentre o nexo institucionalista evolucionário pode ser pensado precisamente a partir dos arranjos de políticas de desenvolvimento – ou estratégias de desenvolvimento – que se fazem presente quando um país ou região tenta se inserir dentre um novo (ou prevalecente) paradigma tecno-econômico. Mais ainda, esse tema nos aproxima mais evidentemente da discussão sobre o que estamos chamando de vinculações evolucionárias institucionalistas.

Como enfatizado pela tradição vebleniana, esses arranjos de políticas só se fazem efetivar se conseguirem determinar um conjunto coerente de condutas, conceitos e práticas a abarcar a multiplicidade de atores necessários pare desencadear um movimento de mudança. Esse alinhamento entre as estratégias ex ante dos atores com a nova trajetória, ex post, de crescimento, se impões na medida em que o arranjo de política se institucionaliza através de uma dinâmica do tipo reconstitutive downward effect6. Adicionalmente, esse processo é sobremaneira marcado pela historicidade e características próprias, locais, da comunidade que assim se propõe (CONCEIÇÃO, 2008). Com efeito, a forma como esse arranjo trata de imbuir uma disposição mais ativa ou não em relação à capacidade de inovar, ou ainda, da forma como mobiliza e capitaliza uma institucionalidade mais ou menos alinhada com um

propósito de mudança técnica gera estruturas que, uma vez impostas, podem oferecer considerável oposição ou inércia quando uma nova trajetória se impõe.

Destarte, a natureza dos arranjos de políticas de desenvolvimento, principalmente na sua capacidade de internalizar o padrão de progresso técnico ditado pelo novo paradigma, constitui-se num importante elemento a influir nas trajetórias de mudança estrutural e crescimento.