• Nenhum resultado encontrado

Também Rosamond é uma personagem pastiche que se insere na exploração do tema da dualidade em The Robber Bridegroom. Personagem modelada por todo um imaginário de conto de fadas, Rosamond ecoa outras heroínas dos contos dos irmãos Grimm, como Cinderella e Rapunzel, especialmente no que diz respeito à sua beleza, à sua relação com a sua madrasta maldosa, ao seu envolvimento com a floresta e à forma como conhece e interage com o seu “principie encantado”. Rosamond é também um decalque da figura mitológica de Psiquê, figura que no mito original tem de ultrapassar algumas provações para casar com o seu Cupido. Ao mesmo tempo, esta figura é também inspirada em figuras tipicamente sulistas, ao ecoar em certos aspetos a “southern belle”, e ao corporizar o típico “storyteller” do “tall tale” americano.

Como sugere Harriet Pollack, as interações de Rosamond com Jamie ressoam uma tradição matrimonial caracteristicamente sulista:

This connection between Rosamond’s singing of the ballad and her education for marriage is reinforced by Bernard Cook’s discovery that in early Southern Mississippi among families of means, the robber bridegroom fiction played a role in marriage ceremonies. After marriage was arranged, a ritualized abduction was enacted; the bridegroom and his parted would ride on horseback to snatch the bride from her porch where she waited with her party. The ceremony, began in ambush, would last end in contractual vows.” (Pollack 1990, 18).

Esta inspiração numa tradição especificamente sulista cruza-se com a inspiração no conto de fadas europeu, com a mitologia grega e ainda com a tradição do “tall tale” americano. Podemos vê-la como uma versão irónica da “belle” sulista, já que Rosamond se aproxima mais do “storyteller” do “tall tale”, uma figura tipicamente masculina, tendo em conta o seu pendor para mentir e para exagerar as histórias que conta. Esta personagem possui semelhanças com outras figuras dos contos de fadas: ela própria vive no mundo de histórias e fantasia, criando uma realidade paralela onde ela é livre. Toda a psicologia da personagem parece estar modelada pela imaginação e pela fantasia, como podemos ver na forma como se refugia no bosque, nas baladas de amor que canta para si como que a invocar o seu “príncipe encantado” e na forma como o perceciona e o persegue. Este hábito de constante efabulação, para a sua família, nada mais é do que mentir. Contudo, não podemos deixar de observar como a imaginação de Rosamond, motivada pela busca desenfreada do amor que tanto idealizou, é o que propulsiona a narrativa: é ela que procura o seu príncipe, é ela que seduz Lockhart, é ela que foge de casa e o procura na floresta na sequência do seu primeiro encontro, é ela que o busca após a descoberta da verdadeira identidade do seu amante.

Rosamond simboliza assim a importância do sonho, da fantasia e da imaginação na construção da História sulista e americana. Tal como Isabel Allende e Toni Morrison, entre outros nomes, Welty sublinha a importância do princípio feminino da imaginação, em oposição ao princípio masculino aventureiro e ativo, na concretização de uma História, edificada pelo sonho. Além disso a mulher assume uma importância fulcral na transmissão das histórias, lendas e mitos de geração em geração, assim como é da sua responsabilidade a criação do núcleo familiar. Como acrescenta Maria Teresa Castilho, no âmbito da sua obra, Welty não coloca os valores femininos acima dos masculinos: “O que a escritora faz é questionar as próprias concepções de ser feminino ao mesmo tempo

que, ao fazer das mulheres o seu ponto de incidência, problematiza uma sociedade que reverenciou “the feminine form (...) under the name of service”. E desse modo fica confirmado que “all things are double”. (Castilho 1996, 171)

Rosamond não é uma “belle”. Esta personagem revela traços de uma libido latente, já que o leitor sabe que ela teve fantasias em que é sequestrada por homens desconhecidos: “Rosamond...had sometimes imagined such a thing happening and knew what to say” (48). No momento em que se encontra sem roupa, em vez de se preocupar com a sua honra, pensa para si “how ever she might look without a sticht on her” (50). E quando Jamie lhe oferece a escolha entre morrer vestida ou viver despida, Rosamond afirma prontamente, não sem um toque de sedução, “Why, sir, life is sweet (...) and before I would die on the point of your swords, I would go home naked any day.” (50). Longe de o “assédio” de Jamie ser uma experiência traumática, o primeiro encontro destas duas personagens parece constituir um momento de excitação e novidade para Rosamond. Por isso mesmo, no dia seguinte, Rosamond volta à floresta para de novo encontrar Jamie. Talvez esta excitação explique a tão obediente aceitação das tarefas que Salome lhe impõe ao chegar a casa, como se Rosamond encontrasse liberdade ao rejeitar as expectativas que o seu pai e madrasta para ela tinham.

O carácter subversivo desta personagem torna-se ainda mais claro um pouco mais à frente na narrativa, numa instância onde o narrador sugere que foi o facto de Rosamond desconhecer a verdadeira identidade do seu amante, e de por isso ser obrigada a levar um estilo de vida mais desprotegido (mas mais aventureiro), que injetou uma certa dose de excitação à relação de ambos, algo que ela desejava: “The only thing that could possibly keep her from being totally happy was that she had never seen her lover’s face. But then the heart cannot live without something to sorrow and be curious over.” (80)

Esta citação contém uma das ideias centrais da narrativa: não só a vida é construída sobre a união de contrários, como cada contrário necessita do outro para ser o que é. Não por acaso, a beleza de Rosamond é intensificada quando comparada à fealdade de Salome39. Não podemos identificar a luz sem ver a escuridão, não sabemos o que é o amor sem passar por tristezas. É através das relações humanas que somos introduzidos ao carácter contraditório da realidade e dos sentimentos. Contudo, esse é o caminho necessário para se atingir a sabedoria e a verdadeira mestria.