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SÍNTESE CONCLUSIVA

No documento E-government na Gestão de Stakeholders (páginas 139-145)

Este capítulo foi desenvolvido com o propósito de expor as colossais pressões às quais as organizações públicas estão sujeitas, por múltiplas razões, nomeadamente históricas, económicas, sociais e políticas.

Tem ainda como propósito aclarar o conceito, classificação e possível papel do e-

government enquanto instrumento para responder às pressões descritas, assim como perspectivar

o desenho organizacional a partir de diferentes estruturas, concretamente, estrutura funcional, estrutura em rede e estrutura política.

Pretende-se, dessa forma, perceber a complexidade da temática. Complexidade essa que está na base da escolha da estratégia de investigação assumida e que adiante será descrita.

A Administração Pública traduz um reflexo da combinação de um conjunto de modelos heterogéneos, presentes num agregado de organizações ligadas ao Governo através de controlo directo ou indirecto, cujo propósito é o de desenvolver o serviço público, independentemente das formas a que recorre poderem ter uma base hierárquica, contratual, ou ambas.

O formalismo, característico do modelo burocrático, fundeado na perspectiva legalista, não desapareceu após a revolução de Abril de 1974, tendo o sistema administrativo permanecido relativamente inalterado em Portugal e com características que actualmente ainda perduram.

Em todo o caso as pressões para a mudança também foram aumentando com o passar do tempo e resultam, entre outros aspectos, do processo de globalização e do desenvolvimento das TICs.

Isto sem esquecer o aumento da capacidade reivindicativa da população, situação que tende a implicar a mudança de um ambiente estável para um ambiente instável e a criar à organização burocrática enormes dificuldades em lidar com a turbulência decorrente da instabilidade ambiental.

Com o passar do tempo o Estado Providência tem vindo a revelar-se impotente para responder a uma sociedade cada vez mais exigente e que se recusa a considerar perdidos os direitos que assumiu como adquiridos. O problema é reforçado por uma estrutura demográfica que tende a desequilibrar-se, com uma população cada vez mais longeva e não fecunda.

É neste contexto que a avidez da sociedade perante a Administração Pública torna a problemática da qualidade dos serviços uma preocupação constante, mas nem sempre passível de operacionalização.

As preocupações financeiras assumem particular relevo, especialmente numa altura em que o cumprimento de critérios impostos pela UE é considerado indispensável.

Tais elementos levam a que o Estado Providência comece a ser progressivamente substituído pelo Estado Regulador. À medida que o primeiro é assumido como incapaz de responder a uma necessidade crescente de eficiência, necessidade que não pára de ser reclamada.

As enormes expectativas dos cidadãos, relativamente aos serviços públicos que lhe são prestados, traduzem, em última análise, o principal foco de pressão para a mudança nas organizações públicas, chegando a apresentar uma dimensão utópica e representando essas expectativas uma limitação à satisfação.

É neste enquadramento que o e-government começa a por ser perspectivado, enquanto oportunidade para redesenhar os serviços públicos, ao conduzir à almejada mudança que reclama o aumento da eficiência e da inclusão.

Ao eleger-se uma posição instrumentista é assumido que o e-government traduz um meio e não um fim, não podendo ser analisado de forma isolada, descontextualizado dos processos que obriga a redefinir e dos resultados que espera ajudar a alcançar.

O e-government é então entendido enquanto um meio destinado a produzir informação, centrado na utilização de TICs por parte das organizações públicas, com vista à maximização da satisfação dos seus stakeholders.

No entanto o efectivo desenvolvimento do e-government está longe de ser um processo fácil, passível de resolução a partir de decreto. Desde logo pelo potencial de ameaça que poderá ter junto de alguns stakeholders.

Nas palavras de Soares (2009, p. 49) o e-government consiste num conceito holístico e ecléctico que “(...) deve ser concretizado de forma gradual, mas pensado de forma global (...)”. Associado a esta afirmação emerge o facto do recurso às TICs poder ser objecto de utilizações díspares, bem como o facto do conceito transportar a ideia, já presente nas TICs, de associação à modernidade.

De igual modo reforça a necessidade de ordenamento, de alinhamento, como condição de maximização do aproveitamento dos potenciais benefícios do e-government, incrementando a cooperação a múltiplos níveis.

Pelos motivos que se invocaram, a implementação de e-government não será um processo imediato, fácil e uniforme, face à utilização que as várias organizações públicas poderão ser capazes de concretizar. Será uma construção que se quer cada vez com maior maturidade, mas que tem pontos de partida desiguais e com necessidade de convivência mútua, determinantes de complexidade acrescida.

A maturidade é assim um conceito centrado naquilo que se entende ser o resultado da utilização do e-government e não na forma como se espera alcançar esse resultado. Releva um

posicionamento e, também por isso, assume particular importância na potenciação de

benchmarking35.

Um dos primeiros problemas que se coloca no domínio do e-government, comparativamente ao e-business, decorre da sua necessidade de suportar efectivamente a boa governação ou governança. É por isso que enquanto ao primeiro lhe pode ser exigido que seja inclusivo, ao segundo basta-lhe ser lucrativo.

O e-government, ao estar alicerçado na utilização de TICs, não dispensa a aceitação da tecnologia, no caso, das TICs.

Contudo a aceitação da tecnologia é também condição necessária mas não suficiente para potenciar o aproveitamento do e-government. Essa situação resulta do facto dessa aceitação poder não ser um fim em si mesma, mas sim um meio a partir do qual os diferentes interesses em competição se digladiam.

A facilidade de acesso, independentemente da hora e do local, sem perda de privacidade, a custos mais baixos, baseado nas regras da democracia, bem como a eficiência resultante da obrigação de estruturar processos, são os principais elementos ambicionados pelo e-government.

Pretende-se acesso, mas em segurança, sem perda de privacidade e, simultaneamente, atribuindo enorme relevo à transparência. É nesse âmbito que o trinómio acesso, segurança e transparência é equacionado, não só tendo como ponto de partida um conjunto de normativos legais, como recorrendo a referenciais de boas práticas no domínio do serviço, segurança e governança das TICs, concretamente os referenciais ISO/IEC, ITIL e COBIS.

A segurança, por si só, já requer um olhar atento à confidencialidade, disponibilidade e integridade. Dessa forma, ao aumentar a confidencialidade a transparência pode ser reduzida. De igual modo, a necessidade de acautelar a integridade pode obrigar a reduzir a disponibilidade.

Qualquer organização, independentemente do seu sector de origem, precisa proteger o seu recurso informação. A investigação em segurança da informação recorre a múltiplas ferramentas, desde algoritmos de encriptação de dados, até barreiras físicas, na tentativa de dar resposta a três funções básicas, a confidência, a integridade e a disponibilidade (Chang e Ho, 2006). Não significa isto que a segurança total exista. Aliás, se existisse, e para todas as situações, o negócio das seguradoras estaria esvaziado de âmbito.

Por outro lado, a quantidade e diversidade de pressupostos associados ao entendimento daquilo que são “boas práticas” no uso das TICs, dificulta a aplicação plena dos referenciais e levam a que muitas organizações apliquem apenas parcialmente tais modelos, independentemente de serem orientados para a melhoria contínua.

O desenvolvimento do e-government só fará sentido se ele se configurar como um mecanismo orientado para uma cidadania activa. Tal obriga-o a nunca perder de vista a eficiência e a inclusão. Esta situação obriga a um esforço permanente na compatibilização entre a NGP e a governança.

A governança, enquanto sinónimo de boa governação, representa um caminho difícil, na medida em que o envolvimento de todos os actores é algo praticamente impossível, para além de ser demorado, dando à governança um carácter idealista, utópico. Traduz um processo de governação horizontal, assente num processo dialéctico que requer o respeito pelos diferentes interesses, na tentativa permanente de encontrar situações com múltiplos vencedores em detrimento de soluções vencedor/perdedor.

A governança está ainda estreitamente ligada à ideia de competência do Estado, não pode ser desligada dos conceitos de transparência, participação, inclusão, justiça, abertura, responsabilização, coerência e eficácia, respeito pela diversidade, igualdade de tratamento, entre outros. Tem, por isso, um carácter normativo, procurando efectuar uma associação com a prosperidade (Hansen e Reinau, 2006).

O aproveitamento do potencial do e-government obriga assim à existência de um novo desenho organizacional, desenho esse que minimize os impactos de meras necessidades de protagonismo e que atenue os efeitos da degeneração da burocracia.

Considera-se o princípio que o desenho organizacional deve procurar o desenvolvimento de uma Administração Pública centrada no cidadão, efectivamente comprometida com os valores da governança, em que o e-government tenha um papel decisivo para a avaliação e responsabilização dos vários stakeholders. Isto sem ignorar a eficiência.

A situação anterior obriga à passagem de um desenho essencialmente orientado a funções, verticalizado, para um desenho orientado a processos, assente numa perspectiva horizontal e potenciador do desenvolvimento de organizações em rede.

Tal não significa o fim da convivência de múltiplas estruturas, funcionais, em rede ou políticas. Significa apenas uma convivência mais responsável, numa perspectiva de cidadania, com um suporte mais efectivo para o desenvolvimento da confiança nas organizações públicas, em que a interoperabilidade possa ser uma preocupação constante e a múltiplos níveis.

Pelo facto de se assumir que o e-government irá conviver com um conjunto de modelos em ebulição, com características díspares, entende-se que deve ser desenvolvido de acordo com essas diferenças mas, novamente se reforça, sem poder descurar a interoperabilidade, enquanto condição fundamental do seu desenvolvimento.

Verifica-se assim que o desenho organizacional é aqui perspectivado no âmbito das estruturas, independentemente do facto dos conceitos de desenho e de arquitectura imporem uma

análise por níveis, multidimensional e hierarquizada. Nessa hierarquia, negócio, SIs e TICs impõem alinhamento.

Esse alinhamento envolve pessoas, negócios, informação e tecnologias. Ao centrar-se esta investigação na teoria dos stakeholders está-se a considerar que, de todos os elementos, as pessoas são a componente principal. O ponto de partida para efectuar qualquer alteração que se perspective a partir de outras dimensões do desenho.

As pessoas são, também, o maior entrave que a interoperabilidade pode ter, por serem o fulcro da interoperabilidade organizacional.

Também por isso a Administração Pública é obrigada a conviver com realidades completamente distintas e a governança das TICs torna-se assim uma realidade complexa.

Conforme reforça Dror (2000) a construção do futuro colectivo está muito além de uma análise pontual, estritamente ancorada à NGP ou estritamente ancorada à governança.

A Administração Pública será forçada a conviver com vários modelos, entre os quais a NGP centrada na eficiência e a governança centrada na inclusão, ou até mesmo modelos tradicionais, burocráticos. É, por isso, também forçada a criar denominadores comuns entre eles, sempre com uma enorme consciência das dificuldades que encontrará.

A este propósito Magalhães (2010) refere36 que a governança do sector das TIC's dos

serviços públicos “(...) não contempla estruturas de comando operacional transversal, com

poder de definir investimentos e gerar sinergias (...)” a Administração Pública “(...) não tem um Chief Information Officer... Entre o fascínio e a proclamação de que estamos já na era do cloud computing há um abismo..., estamos comprometidos com as coisas que temos, as estruturas que comprámos e os projectos que o Orçamento de Estado nos financiará. Olhemos para os 129 projectos Simplex 2010 e façamos o teste. Não haverá big bang da computação em nuvem avançando triunfal por toda a Administração Pública (...)”.

Independentemente disso, Magalhães (2010) refere ainda que “(...) quando a infra-

estrutura tecnológica reside em nuvens computacionais, é possível expandir ou reduzir as necessidades computacionais sem processos de compra ad hoc. É o sonho do Tribunal de Contas que sempre nos diz que a urgência filha do mau planeamento não justifica modalidades contratuais simplificadas de mais (...)”.

O desempenho das organizações públicas acarreta uma permanente procura do reforço da eficiência e da inclusão. É este o conceito de desempenho que esta investigação avoca.

36 Intervenção do Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária na 7ª Conferência Anual da itSMF

O desempenho é aqui considerado enquanto orientação para a eficiência e orientação para a inclusão, situação que implica uma perspectiva de integração de diferentes interesses em competição e uma tentativa de perceber as trocas que se poderão impor.

Em qualquer caso a gestão pública pode ser efectivamente orientada para a boa governação e optimizar o aproveitamento do potencial do e-government, mas nunca poderá deixar de ter em conta o seu papel meramente instrumental. A sua capacidade não absoluta, limitada.

Além de tudo o que se referiu importa considerar que o recurso à utilização de TICs nas organizações públicas pode potenciar mais informação, acautelar a integridade e acesso a essa informação, mas não significa que dai resulte sempre um melhor processo de tomada de decisão para todas as situações e em todas as perspectivas.

Os processos de tomada de decisão têm na informação um elemento necessário, mas não suficiente. Conforme Oliveira (1999) reforça, outros elementos fazem parte do processo, tal como a figura seguinte apresenta.

Figura 34 – Formulação do processo de tomada de decisão

D = f [ O, ( c, i ), I, T ]

D = decisão; O = objectivos; (c, i) = cultura e idiossincracia; I = informação; T = tempo.

Fonte: Oliveira (1999).

O enunciado anterior demonstra que a informação é parte de um processo que não pode ser unicamente analisado numa perspectiva racionalista, dado que tal perspectiva é reducionista das actividades desenvolvidas no âmbito da gestão e “(...) é incapaz de captar as variáveis

relevantes do real desempenho da Gestão e dos Gestores (...)” (Oliveira, 1999).

Se a gestão for definida a partir de quatro funções clássicas: planear, organizar, dirigir e controlar, são o planeamento e o controlo os elementos que mais informação consomem, numa tentativa de lidar diariamente com um contexto “(...) contingente, turbulento, instável, dinâmico,

sistémico, aberto, variado, complexo e entrópico (...)” (Oliveira, 1999).

Informação não é sinónima de decisão. É apenas uma parte. A realidade das organizações é repleta de múltiplos interesses em competição, muitas vezes opostos, com a necessidade de tomar decisões que não permitem considerar todos os pressupostos e requisitos enunciados por referenciais de “boas práticas”, por decisores com características pessoais, culturais e idiossincráticas, dispares, em que a informação pode ser desenquadrada no tempo e em que a orientação para a acção prevalece sobre uma lógica racionalizada, centrada na planificação e num postulado essencialmente económico.

Tais elementos justificam o recurso à teoria dos stakeholders para análise da complexidade e fundamentam o capítulo seguinte.

3 E-government e stakeholders

“(…) Let's be clear in passing that long run value maximization cannot be realized by ignoring or mistreating any corporate stakeholder, be it customers, employee, suppliers, or community (...)“

Jensen (2008, p. 168). A análise ao e-government, a partir da teoria dos stakeholders, suporta-se no pressuposto que as organizações públicas actuam em função da confrontação de interesses divergentes, elemento que se configura enquanto um dos principais condicionadores do seu desempenho e, em última análise, do próprio desenvolvimento do e-government.

A teoria dos stakeholders assume particular relevo em contextos de complexidade, razão que motiva o desenvolvimento do estudo empírico a partir desta teoria, bem como as opções metodológicas enunciadas nos capítulos seguintes.

No documento E-government na Gestão de Stakeholders (páginas 139-145)