• Nenhum resultado encontrado

4 SISTEMÁTICA PROPOSTA PARA A ESTRUTURAÇÃO E ANÁLISE DE UMA CADEIA PRODUTIVA AGROINDUSTRIAL

4.1 Introdução

Desde os anos 90, o setor lácteo brasileiro vem sofrendo transformações em sua estrutura que afetam os níveis de produção, produtividade, importação e organização do mercado, bem como nas relações entre produtores, industriais, consumidores e governo.

Diante de um mercado cada vez mais exigente e competitivo quanto à escala de produção e ao poder de barganha, as pequenas e médias empresas nacionais foram sendo adquiridas por grandes grupos, predominantemente estrangeiros. As empresas nacionais remanescentes viram-se obrigadas a buscarem maior produtividade e maior segmentação da oferta das indústrias em direção a produtos de maior valor agregado. Com isso, além de obtenção de melhores desempenhos, ocorreu uma revitalização da demanda por novos produtos lácteos, mostrando espaços de mercado ainda não explorados (CIAT do SENAI-DF – Projeto Alavancagem do Mercoeste, 2001).

O momento por que passa a cadeia produtiva leiteira é de reestruturação e organização dos elos que compõem o agronegócio do leite. O desafio é superar as barreiras internacionais de comércio, ser auto-suficiente na produção, produzir a custos competitivos e fornecer produtos com qualidade assegurada ao consumidor (Gomes et al., 2001).

Neste novo ambiente competitivo, têm ocorrido mudanças de comportamento em todo o sistema agroindustrial do leite, tais como: liberalização e diferenciação de preços da matéria-prima; entrada de produtos importados; aquisições e alianças estratégicas no meio empresarial; ampliação do poder dos laticínios multinacionais e dos supermercados; ampliação da coleta a granel; redução global do número de produtores; reestruturação geográfica da produção; preocupação do consumidor por

qualidade, segurança alimentar e preservação do meio ambiente; e aumento do mercado informal.

A estrutura do agronegócio do leite, em conseqüência dos fatores estruturais citados anteriormente, tem sido profundamente modificada. Nos anos anteriores ao processo de abertura da economia, o agronegócio lácteo pouco investiu em pesquisa e tecnologia, o que limitou o surgimento de novos produtos e restringiu as exigências dos consumidores em relação à diferenciação do consumo, devido à baixa oferta de derivados.

Atualmente, o processo de modernização tem estimulado o desenvolvimento de novos produtos e os investimentos em pesquisa, propaganda, com o fortalecimento de marcas. Com isso, surgem novas exigências competitivas, como venda em grande escala e implementação de sistemas de produção, distribuição e comercialização mais avançadas (Gomes et al., 2001).

Desta forma, as empresas foram obrigadas a rever suas estratégias produtivas e comerciais, adotando processos de economia de escala e diferenciação de produtos com foco em nichos ou mercados específicos. No setor de produção primária ocorreu um processo de concentração em função da pressão externa por modelos mais competitivos. O processo de granelização da coleta de leite e o estabelecimento de programas de pagamento por qualidade e volume foram determinantes para promover uma redução significativa do número total de produtores. De forma mais agressiva, o processo de concentração se deu também no setor de distribuição, onde grandes grupos varejistas assumiram o controle do mercado, utilizando estratégias de aquisição de redes concorrentes e pressionando ainda mais o setor de industrialização e produção de leite.

Para melhor compreensão do sistema de produtivo agroindustrial do leite, faz- se necessária a identificação e delimitação de seus principais segmentos, da forma de organização existente, das instituições participantes e dos principais produtos processados.

4.2 Estruturas e Delimitações de uma Cadeia Produtiva Leiteira

Genérica

Uma cadeia produtiva leiteira apresenta pontos de estrangulamento e entraves, os quais envolvem restrições e demandas institucionais, econômicas e tecnológicas, além de outras categorias de problemas antes da porteira (a montante), dentro da porteira (na fazenda) e depois da porteira (a jusante).

a) Antes da porteira (a montante): trata-se do conjunto de segmentos da

cadeia do leite usualmente situados a montante, isto é, antes da fazenda. Diz respeito ao segmento fornecedor de insumos, estando aí incluídos os medicamentos, sêmen, fertilizantes, sais minerais, concentrados, fabricantes e revendedores de máquinas e equipamentos, agências de financiamento de crédito, órgãos governamentais, organizações corporativas dos produtores, além de outras atividades como a pesquisa e a assistência técnica.

Dentre os problemas enfrentados pelos produtores antes da porteira podem citar-se: elevados custos dos insumos; pouca oferta de serviços de mecanização (de máquinas e equipamentos); falta de crédito para implementar atividades necessárias à produção de leite; formação profissional deficiente em pecuária de leite; falta de políticas eficientes para o setor produtivo; falta de laboratórios para diagnósticos, entre outros.

b) Dentro da porteira (na fazenda): relaciona-se com a perspectiva da

fazenda propriamente dita, e envolve o processo produtivo como um todo: tipo de gado; sanidade animal; condições das pastagens; suplementação alimentar; recursos financeiros para a adoção de tecnologias; mão-de-obra utilizada, com seus níveis de capacitação e profissionalização, entre outros.

É o segmento provedor de matéria-prima e trata-se, certamente, do elo mais frágil da cadeia leiteira. Destaca-se nele a assimetria entre os produtores rurais, a qual ocasiona baixo volume individual por produtor e um grande número de produtores não-especializados que, em geral, ofertam produtos de baixa qualidade.

Várias pesquisas indicam a falta de habilidade desse elo em organizar-se e de reivindicar dos outros segmentos, inclusive do governo, condições mais

adequadas de competição no mercado. Essa situação faz com que haja um crescimento do mercado informal, onde vários produtores ignoram a inspeção oficial, sonegam impostos, enfim, praticam concorrência desleal.

c) Fora da porteira (a jusante): estão a jusante os fatores relacionados como

fora da porteira da fazenda, tais como: baixos preços do leite; baixo nível de organização corporativa; informação e comunicação deficientes; infra-estrutura precária; deficiência do sistema de coleta; carga tributária elevada; mercado insuficiente, entre outros.

A delimitação de um sistema agroindustrial tem implicações profundas na organização econômica de uma nação, e revoluciona a divisão tradicional, formulada pelo economista inglês Colin Clark no início do século, pela qual a economia poderia ser dividida em três setores: primário (agricultura, pecuária e o extrativismo, vegetal e mineral), secundário (setor das indústrias de transformação e de construção) e terciário (demais setores, basicamente: comércio, transporte e serviços). É de fundamental importância que se reformule os conceitos originais, substituindo-os pelo de agronegócio, uma vez que a soma dos valores agregados nos setores secundário e terciário supera, normalmente, o valor do que é produzido dentro da porteira, ou seja, estritamente dentro dos limites da fazenda (Lício, 1998).

O agronegócio do leite, em particular, possui interfaces em toda a extensão territorial brasileira, verificando-se acentuadas diferenças quali-quantitativas na base produtora, uma ausência de integração entre os elos e a inexistência de representatividade marcante capaz de influir na cadeia como um todo (Caldas, 1998).

Várias são as formas para delimitar-se uma cadeia agroindustrial leiteira. Neste trabalho, será adotada a classificação de Gomes et al. (2001), qual seja:

• Indústrias de insumos para agropecuária, para indústria de laticínios etc;

• Produção primária de leite;

• Captação e transporte de matérias-primas;

• Indústrias de processamento de leite e derivados;

• Transporte e distribuição de produtos processados;

• Mercado (formal e informal); e

A Figura 4 dá mais detalhes dessa classificação, os quais serão discutidos nos tópicos a seguir.

DELIMITAÇÃO DE UMA CADEIA AGROINDUSTRIAL LEITEIRA GENÉRICA

Indústria de Insumos Produção Primária Captação Indústria Processadora Distribui- ção Mercado Consumo Sementes Fertilizantes Rações Produtos Veterinários Sêmen Máquinas Equipamentos Insumos industriais Embalagens Prestação Serviços Assistência Técnica Outros insumos Unidades produtivas não- especializadas Unidades produtivas especializadas Logística de captação Transporte * Granel * Latões Empresas Multinacionais Empresas Nacionais: Cooperativas * Centrais * Singulares Pequenos Laticínios Miniusinas Importados lácteos Processa- mento Informal *Logística da distribuição *Centros de distribuição *Transporte refrigerado *Transporte não - refrigerado *isotérmico Comércio *atacadista *varejista *informal Supermer- cados Mercearias Padarias Lanchone- tes Exportado- res Consumidor Indústria de alimentos Governo

Figura 4 – Delimitação de uma cadeia agroindustrial leiteira genérica