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Chapter V. New York: St Martins Press, 1997.

2. O COMÉRCIO INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO PATENTÁRIA

2.3 Fontes do Direito Internacional sobre propriedade intelectual

2.3.2 O Sistema Multilateral do Comércio – SMC

A liberalização comercial foi viabilizada em grande parte por meio de um conjunto de mecanismos institucionais e legais erigidos ao longo da segunda metade do século XX, e mais especificamente a partir do fim da 2ª Guerra Mundial. A este conjunto dá-se a denominação de Sistema Multilateral do Comércio – SMC. O SMC entrou em nova fase a partir de 1995, com a conclusão da Rodada Uruguai e a criação da OMC134 que será objeto de uma análise posterior.

A adesão dos países menos desenvolvidos ao conjunto de regras negociado no SMC tem um papel importante na garantia da segurança de expectativas dos países desenvolvidos. Isso porque sua vinculação a determinados compromissos reduz suas opções de ação, sua margem de discricionariedade na adoção de políticas e, portanto, sua própria liberdade de atuação135.

A restrição de liberdade contribui para a garantia de um ambiente mais seguro para os investidores nos países em desenvolvimento, sejam os que pretendem investir em outros mercados, sejam os que pretendem negociar com eles. As negociações que permitiram o ingresso da China na OMC ilustram bem esse ponto. A China teve que assumir compromissos liberalizantes como requisito para seu ingresso na OMC.

Entretanto, criticas são feitas em relação às distorções produzidas pelo SMC, e estas têm sido crescentes e provêm de fontes diversas. Elas têm como mote principal a acusação de que a OMC apenas tem servido para promover o interesse das

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NASSER, Rabih Ali. A OMC e os países em desenvolvimento. São Paulo: Aduaneiras, 2002. 135

grandes corporações e dos países desenvolvidos, em detrimento dos trabalhadores e dos países pobres. Apesar de se manter a crença generalizada de que uma maior liberalização comercial é benéfica, diverge-se profundamente sobre a forma pela qual ela deve se dar de agora em diante. Mais importante ainda, torna-se cada vez mais forte a percepção, apoiada em dados empíricos, de que os benefícios da liberalização comercial não têm sido eqüitativamente distribuídos.

Tal constatação deve servir de motor para uma reflexão sobre se o SMC tem alcançado os objetivos estabelecidos na sua origem e constantemente reafirmados, no sentido de que deve contribuir para o maior desenvolvimento de todos os seus membros. Deve-se verificar se os acordos comerciais celebrados e as idéias que orientam são adequados para a consecução desses objetivos.

Assim, nota-se a influência do poder (principalmente econômico) na moldagem das normas reguladoras do comercio internacional. Nesse processo, a capacidade dos países menos desenvolvidos de resistirem à imposição desses padrões (standards) normativos e fazerem valer seus próprios interesses fica bastante reduzida; em função, basicamente, de sua dependência de recursos externos136.

Ao analisar a relação de forças entre os membros do SMC, Genevieve Burdeau chega a conclusões não muito animadoras quanto a influencia que os países em desenvolvimento podem ter na condução do sistema, considerando que: “podemos pensar, sem risco de errar muito, que a OMC será, em breve, dominada pelas grandes potencias econômicas, tornando frágeis as demandas dos países em desenvolvimento.

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“.

Os países desenvolvidos têm evitado que as questões no âmbito do SMC sejam politizadas, considerando apenas a tecnicidade pautada pelo liberalismo econômico. O tema desenvolvimento é colocado em segundo plano; ele é tido como conseqüência natural da liberalização econômico-comercial, sem necessidade de se lhe atribuir um destaque especial. No entanto, tal postura interessa somente aos países mais desenvolvidos. Aos menos desenvolvidos importa tratar a questão do desenvolvimento,

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NASSER, Rabih Ali. A OMC e os Países em Desenvolvimento. Op.cit., p.130. 137

e principalmente de seus desequilíbrios, de forma autônoma, procurando determinar formas dentro do SMC de lidar com as disparidades existentes. Uma discussão acerca das medidas corretivas nesse sentido não pode se ater à lógica econômica liberal, ela adquire uma dimensão política; e como questão política, e não meramente econômica, deve ser tratada. Os países mais desenvolvidos certamente resistirão como já estão resistindo, a tal enfoque da questão do desenvolvimento. A alteração da lógica que rege o SMC dependerá da articulação dos países menos desenvolvidos e de sua capacidade de demonstrar que tal alteração está a serviço dos interesses de todos os participantes do comercio internacional no longo prazo, e da própria sobrevivência do sistema138.

Na visão de NASSER139 os valores e as restrições às liberdades de seus membros praticados pelo SMC só se justificam na medida em que contribuem para promover o desenvolvimento de todos os participantes de maneira homogênea, reduzindo as diferenças existentes entre eles. Portanto, a equalização dos níveis de desenvolvimento deve ser tanto um objetivo quanto um resultado do funcionamento do SMC. Assim, a liberalização comercial, um dos principais postulados da ideologia econômica liberal, não pode ser vista como um valor por si só; deve ser vista sob a perspectiva dos efeitos, resultados e conseqüências que produz.

Há uma tendência de generalizar o enfoque de igualdade entre os participantes. Desta forma, os países em desenvolvimento são desfavorecidos. É claro que essa presunção de igualdade que informa o sistema não é absoluta. Existem no SMC exceções criadas para beneficiar os países menos desenvolvidos. No entanto, elas têm um caráter excepcional e são insuficientes para equalizar os níveis de competitividade no comércio internacional. No máximo, constituem um alivio temporário.

Para economias não maduras, as políticas de desenvolvimento devem levar em consideração as particularidades de cada país, devendo ser adaptadas a elas e cabe ao Estado um papel central, de natureza ativa, na promoção do desenvolvimento

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NASSER, Rabih Ali. A OMC e os Países em Desenvolvimento. Op.cit., p.132. 139 NASSER, Rabih Ali. A OMC e os Países em Desenvolvimento. Op.cit.

com vistas, especialmente, à redução das desigualdades sociais140.

O SMC adota a linha de pensamento econômico liberal. A ênfase está em limitar a capacidade dos governos de imporem restrições à livre formação de preços ou à liberdade dos agentes econômicos; liberdade esta, não apenas comercial, mas também na regulação dos acordos.

O Estado desempenha papel principal na busca e persecução do desenvolvimento. No Brasil, em prol de uma determinada visão de como o desenvolvimento devem ser buscadas, várias normas foram publicadas: alterações no direito comercial – fortalecimento do mercado de capital Lei n.10.303/01; criação e regulação de agencias governamentais, programas de redução das desigualdades sociais – bolsa escola, renda mínima, educação para todos, etc. Trata-se de exemplos da atuação estatal em busca de melhores níveis de desenvolvimento para o país.

Contudo, a influência de fatores externos na formulação de políticas nacionais sempre esteve presente. As variáveis externas fazem com que os governantes tenham que ministrar os interesses de acordo com a viabilidade prática dos mesmos. Ou seja, concessões no âmbito internacional são feitas de forma a viabilizar as políticas governamentais. Como exemplo marcante temos a adoção da legislação protetora dos direitos de propriedade intelectual devido à pressão norte-americana.

Ao final da Rodada Uruguai foi elaborado o Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trade-Related Intellectual Property

Rights – TRIPS). Por meio dos acordos, estabelecem-se padrões jurídicos que estarão a

serviço da ideologia adotada à época. Os EUA, Europa e Japão encontraram uma forma de garantir a defesa da propriedade intelectual em desfavor dos países em desenvolvimento. Não obstante, vantagens são, por vezes, ofertadas aos países de economias não maduras a exemplo de exceções, derrogações de prazo que são eventualmente concedidos. No entanto, tais vantagens não são suficientes, para promover uma maior equalização dos níveis de desenvolvimento.

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Tem-se a preposição geral de que redução de desigualdades sociais é estimulante do desenvolvimento, uma vez que a entrância de novo pessoal capacitado (devido à melhoria do acesso à educação e padrão social), potencialmente, estimula a economia devido à capacidade técnica e ganho de eficiência produtiva.

O SMC se encobre pelo véu do liberalismo, mas na verdade, trata-se de uma forma de associação entre Estados em busca de objetivos em comum, como a paz e o maior desenvolvimento de todos os países signatários. Também é um pacto de submissão a todos os valores e princípios que se consideram os mais adequados à busca desses objetivos, bem como à forma de autoridade internacional criada para zelar pela observância por todos dos compromissos assumidos no pacto de associação.

Ao se considerar que a eleição das formas pelas quais os objetivos do SMC serão buscados e os compromissos que devem ser assumidos pelos seus membros é resultado de um jogo de poder que se estabelece entre Estados com grandes desigualdades entre si, percebe-se como o SMC pode acabar constituindo uma forma de autoritarismo ou intolerância. Esse risco decorre de restrições à capacidade dos países menos poderosos de recuperarem sua liberdade de iniciativa na busca de políticas de desenvolvimento, após sua alienação à autoridade internacional resultante do duplo pacto, de associação e de submissão, celebrado no âmbito do SMC.

A regulação do comércio internacional tendo por objetivo a sua crescente liberalização, busca a criação de um espaço econômico em que haja igualdade de condições de competição, em que não haja interferências indevidas na livre concorrência entre os agentes econômicos envolvidos. Com isso, assegurar-se-ia que a eficiência e/ou competência seriam os únicos fatores a determinar quem sairia beneficiado. Não é por outro motivo que a cláusula da nação mais favorecida e o tratamento nacional foram erigidos à condição de princípios fundamentais desse sistema.

A celebração de acordos pelo Brasil no âmbito da OMC e sua incorporação no ordenamento jurídico brasileiro impõem limites à sua liberdade de atuação. Pelo simples motivo de que, ao estabelecerem regras de conduta a serem respeitadas pelos governos nacionais no que se referem ao comércio, esses acordos restringem a liberdade de agir de outra forma. Ao determinarem as condutas possíveis e as obrigatórias, tais acordos proscrevem outras.

O SMC não tem sido suficiente para a consecução de seus objetivos, quais sejam: desenvolvimento de todos e manutenção da paz. Tal assertiva é corroborada empírica e juridicamente. De uma parte, no campo empírico, os dados comparativos sobre o desenvolvimento dos países demonstram que o sistema falhou uma vez que não proporcionou um compartilhamento minimamente eqüitativo dessas riquezas. De outra parte, no campo jurídico, como decorrência das constatações empíricas, verifica-se que o quadro normativo do SMC (e os princípios que lhe conformam), tal como se encontra, não é um instrumento hábil à consecução, na prática, dos referidos objetivos. As restrições a que os membros do SMC aceitam submeter-se se justificam pelos benefícios vislumbrados com o aumento das trocas comerciais, remoção de obstáculos aos bens produzidos no seu território, aumento do intercambio de produtos, informação, conhecimentos, bem como pelo efeito positivo no que se refere à manutenção da paz141.

O liberalismo praticado pelo SMC restringe-se à consideração quantitativa dos resultados. Os resultados alcançados no que se referem à liberalização comercial não são avaliados de forma a verificar se o objetivo de possibilitar a todos os participantes do SMC maiores níveis de desenvolvimento está sendo alcançado. O importante é que se chegue, ao fim de cada etapa do SMC, a uma situação em que o fluxo de mercadorias e serviços seja maior do que no estado anterior.

O utilitarismo é uma das principais formas de expressão do liberalismo econômico. Pelos ensinamentos de Jeremy Bentham, John Stuart Mill, Francis Edgewoth, Alfred Marshall e a.C. Pigou, o utilitarismo se compõe pelo jogo de som (sum-ranking). Para o utilitarismo se requer que as utilidades de diferentes pessoas sejam simplesmente somadas conjuntamente para se obter seu mérito agregado, sem atentar para a distribuição desse total pelos indivíduos. Ou seja, a soma das utilidades deve ser maximizada sem levar em consideração o grau de desigualdade na distribuição das utilidades.

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Ver discurso do Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Celso Lafer, por ocasião da IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) Doha, Catar, 09/11/2001, disponível em http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/.

As utilidades geradas pelo liberalismo econômico que guia o SMC para os membros que o integram também são medidas de forma agregada, sem levar em consideração o grau de desigualdade entre os membros na obtenção desses benefícios. Assim, a indiferença distributiva está presente com toda força no âmbito do SMC.

Em que pese à postura praticada pelo SMC questiona-se a legitimidade e eficácia das normas com base nos próprios princípios liberais. O sistema deve ser corrigido para que atinja seus objetivos. Note-se que não significa dizer que é necessário o retorno aos princípios norteadores de uma economia hermética, os Estados não precisam adotar um regime de autarquia.